Poema
Cansado de Certos Momentos
Foi-se tudo
como areia
fina escoada pelos dedos.
Mãe! aqui me
tens,
metade de
mim,
sem saber
que metade me pertence.
Aqui me
tens,
de gestos
saqueados,
onde resta a
saudade de ti
e do teu
mundo de medos.
Meus braços,
vê-os, estão gastos
de pedir luz
e de roubar
distâncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de
calvário dos meus degredos.
Ai que isto
de correr pela vida,
dissipando a
riqueza que me deste,
de levar em
cada beijo
a pureza que
pariste e embalaste,
ai, mãe, só
um louco ou um Messias
estendendo a
face de justo
para os
homens cuspirem o fel das veias,
só um louco,
ou um poeta ou um Cristo
poderá
beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora
rasgado, beber o perfume
e continuar
cantando.
Mãe! tu
nunca previste
as geadas e
os bichos
roendo os
campos adubados
e o vizinho
largando a fúria dos rebanhos
pela flor
menina dos meus prados.
E assim,
geraste-me despido
como as
ervas,
e não
olhaste os pegos nem as cobras,
verdes,
viscosas, espreitando dos nichos.
De mão nua,
entregaste-me ao destino.
Os anjos
ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos.
E sem elmos
ou gibões,
nem lutei
nem vivi:
fiquei
quieto, absorto, em lágrimas
- e lá ao
fundo esperavam-me valados
e chacais
rancorosos.
Mãe! aqui me
tens,
restos de
mim.
Guarda-me
contigo agora,
que és tu a
minha justiça e o exílio
do perdido e
do achado.
Guarda-me
contigo agora
e
adormece-me as feridas
com as
guitarras do fado.
Mas caberá
no teu regaço
o fantasma
do perdido?
(Fernando
Namora nasceu faz hoje 97 anos)
Sem comentários:
Enviar um comentário