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domingo, julho 31, 2016

Pára-me de repente o pensamento

Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz do esquecimento.

Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado.
Pára e fica, e demora-se um momento.

Pára e fica, na doida correria.
Pára à beira do abismo, se demora.
E mergulha na noite escura e fria.

Um olhar de aço, que essa noite explora.
Mas a espora da dor seu flanco estria,
E ele galga e prossegue sob a espora...


(poeta portuense nascido a 31 de Julho de 1872)

sábado, julho 30, 2016

Emergência

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo -
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.


(poeta gaúcho nascido faz hoje 110 anos)

sexta-feira, julho 29, 2016

Pela madrugada

Pela madrugada
escuto o cálido conforto
do silêncio da morada.
E tu não sabes
como me sinto parte dele…
Torcida em palavras
mudas,
aveludadas de ternura,
desespero
neste tempo de lentidão
por outras tantas
que sei
não serão nunca articuladas.
E tu não sabes
da fome
que eu tenho delas…
No calor que a sombra me imola
espero,
quase desafiando as estrelas,
por uma noite só minha
por inteiro.
E tu não sabes
da cor desses sonhos
nem da violência
que me dilacera o peito
quando afiro a verdade…
tão nua, tão crua.
E suspiro tão baixinho
para não te acordar
e te lembrar
que só eu sei
que não sabes quase nada de mim.


(poetisa portuense que hoje faz 58 anos)

quinta-feira, julho 28, 2016

Para vós o meu canto

Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos;
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais o leito dum rio;

- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim: e confio;

- para vós os meus versos, companheiros da vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios pra cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...

Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia de Juízo...

Que o Dia do Juízo
não é no Céu... é na Terra!


(Sidónio Muralha nasceu faz hoje 96 anos)

quarta-feira, julho 27, 2016

PROMETEU SUBURBANO

Tenho uma vontade grande
de sair pelo mundo sem destino
de ir-me à-toa,
como uma folha morta
ao capricho de todos os tempos,
ao acaso de todos os caminhos.

Tenho um desejo imenso
de me largar pelo mundo
-navio sem leme nem bússola,
na delícia de um de-déu-em-déu
ao deus-dará.

Deus, porem, me fez trapo
- trapo humano, já se vê –
e me cingiu a inércia do trabalho
preso a lama da terra.
Mas Ele é bom. E deixa
que minha cabeça viva entre as estrelas…


(poeta paulista falecido faz hoje 42 anos)

terça-feira, julho 26, 2016

Obsessão

Dentro de mim canta, intenso,
Um cantar que não é meu:
Cantar que ficou suspenso,
Cantar que já se perdeu.

Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido:
Cantar que passa perdido,
Que não é meu estando em mim.

Depois, sonâmbulo, sonho:
Um sonho lento, tristonho,
De nuvens a esfiapar...
E, novamente, no sonho
Passa de novo o cantar...

Sobre um lago, onde em sossego
As águas olham o céu,
Roça a asa de um morcego...
E ao longe o cantar morreu.

Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido...
E este cenário partido
Volta a voltar, repetido,
E o cantar recanta em mim.


(poeta portuense nascido a 26 de Julho de 1905)

segunda-feira, julho 25, 2016

Sonho com tuas mãos

Sonho com tuas mãos silenciosas
Que remam sobre as ondas
Rugosas caprichosas
E que reinam sobre meu corpo sem equidade
Eu estremeço e murcho
Pensando nas lagostas
De antenas ambulantes e ávidas
Que raspam o sêmen dos barcos adormecidos
Para logo estendê-lo sobre as cristas do horizonte
As cristas preguiçosas empoeiradas de peixes
Em que me refestelo todas as noites
A boca plena as mãos cobertas
Sonâmbula de mar salgada de lua


(poetisa franco-egípcia nascida faz hoje 88 anos)

domingo, julho 24, 2016

Esta Vida

Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.


(poeta paulista nascido faz hoje 126 anos)

sábado, julho 23, 2016

elegia transcendental

uma estrelinha no céu morreu.
as outras fizeram-lhe enterro.
as nuvens choraram.
a lua fez o velório.
jesus celebrou uma missa.
e eu fiz esta elegia
enquanto o céu ficava de luto.


(poeta cearense nascido a 23 de Julho de 1947)

sexta-feira, julho 22, 2016

Pura Verdade

Eu vi um ângulo obtuso
Ficar inteligente
E a boca da noite
Palitar os dentes.

Vi um braço de mar
Coçando o sovaco
E também dois tatus
Jogando buraco.

Eu vi um nó cego
Andando de bengala
E vi uma andorinha
Arrumando a mala.

Vi um pé de vento
Calçar as botinas
E o seu cavalo-motor
Sacudir as crinas.

Vi uma mosca entrando
Em boca fechada
E um beco sem saída
Que não tinha entrada.

É a pura verdade,
A mais nem um til,
E tudo aconteceu
Num primeiro de abril.


(poeta paulista nascido faz hoje 90 anos)

quinta-feira, julho 21, 2016

Máscaras

não é sempre que consigo
ser eu mesmo, ás vezes
sou outro, irreconhecível
zonzo de existir assim
outro
não o mesmíssimo
apesar da face
das mãos e olhos
do hálito da boca
apesar de tudo

outro
outro dentro de mim
um guerreiro angustiado
sem armas adequadas
de mãos atadas
herói capturado


(poeta baiano que hoje faz 57 anos)

quarta-feira, julho 20, 2016

A Colher

Reabro uma
gaveta da infância
e encontro a colher em desuso caída
a sopa lentamente se escoando
no prato fundo:

a vida
em certos dias tinha a forma
daquele objecto antigo
tocando-me nos
lábios com um calor excessivo


(poeta farense que hoje faz 75 anos)

terça-feira, julho 19, 2016


Evelyn Glennie faz hoje 51 anos
Evelyn é surda profunda desde os 12 anos

Eu

Nas calçadas pisadas de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneo de frases ásperas
Onde forcas esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoço de torres oblíquas
só soluçando eu avanço por vias que se encruzilham
à vista de crucifixos polícias


(poeta russo nascido faz hoje 123 anos) 

Tradução de  Haroldo de Campos

segunda-feira, julho 18, 2016

As idades da pedra - I

É do mar que vêm estas vozes
silabando a linguagem das marés,
gravando na areia estranhas grafias
onde, quem sabe ver, desvenda o rumo
no sobressalto das ondas.

Este permanente arfar marinho
desperta a ressonância de oculto escuro
de obscuros templos submersos onde o coração,
descompassadamente, se perturba
na iminência do segredo revelado.

Cheiros de primeira pátria,
nesta urgência de sal em nossos membros,
atrai as pegadas para a líquida planura
pela saudade de verde glauco
que estira o corpo na fronteira do mar.

Reminiscência da primeira voz,
neste marulhar à concha dos ouvidos,
desperta nossa cólera e angústia
de malograda fuga e de nos vermos,
na babugem das águas, de olhos vítreos,
adormecidos peixes sobre a areia.


(poeta angolano - nascido em Ílhavo - que hoje faz 83 anos)

domingo, julho 17, 2016

Fora de Alcance

Esse estar não é estar aqui.
Recolhe, portanto, tuas armas.
Dores mais fundas te dispersaram
Em tantos corpos, tantas almas,
Que só pássaros as escalam.
Sou aquela estrela que não alcanças.
Sou aquela dúvida que te cansa.
Sou aquela ofensa que te gasta.
Sou tudo que temes.
Sou o vinho e o fel de tua taça.

Telmo Padilha 

(poeta baiano falecido faz hoje 19 anos)

sábado, julho 16, 2016


Jon Lord faleceu faz hoje 4 anos
A Revolução não se burocratiza

Pior que não cantar
é cantar sem saber o que se canta

Pior que não gritar
é gritar só porque um grito algures se levanta 

Pior que não andar
é ir andando atrás de alguém que manda

Sem amor e sem raiva as bandeiras são pano
que só vento electriza
em ruidosa confusão
de engano

A Revolução
não se burocratiza


(Mário Dionísio nasceu faz hoje 100 anos)

sexta-feira, julho 15, 2016

Noturno

Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,

dançam livres como libélulas
em redor do fogo.


(poetisa mineira nascida faz hoje 115 anos)

quinta-feira, julho 14, 2016


Woody Guthrie nasceu faz hoje 104 anos
aWsceu faz hoje 103 anos
Ode ao desejo

Desejo,
Desejo de outrem que não eu.
Caminho pela cidade nevoenta
E tudo é um reflexo abominável de mim.
Aquele homem apressado cruzando uma praça,
aquele garoto chorando com a cara entre as mãos,
aquele jovem gesticulando, veemente…
Tudo é eu num espelho deformado,
todo o universo é um sarcasmo,
a chuva goteja trágicas gargalhadas,
estou só,
sou só,
só dentro da imensa solidão,
só, ilha sem mar,
só, ilha sem continentes do outro lado do mar,
só, ilha sem naus que não levariam a parte alguma,
inútil,
estéril,
irreconhecível sem o espelho
inconcebível de uns olhos, outros,
apenas pressentidos.

É preciso,
é absolutamente necessário inventar uma presença,
é preciso imitar,
ó ardência, ó ímpeto, ó desejo,
é preciso imitar Deus e criar
ó desejo,
outrem que não eu fora de mim,
outro ser
diferente atraente ardente
que me faça quebrar o círculo fatal,
que me fale com outro silêncio,
que me conforte por ser apenas o sinal
de que a palavra ilha é uma abstracção,
outro ser que receba, ó desejo,
a força e o frémito e a substância e a vida
e o acto
que há em mim
e assim me cumpra enfim
não Deus mas criador
no êxtase pressentido do amor,
no fruir conceber ser,
na cisão legítima que te peço,
ó desejo,
ó verbo,
na enigmática cisão,
mãe da união
de todo o morrer e renascer.


(António Quadros nasceu faz hoje 93 anos)

quarta-feira, julho 13, 2016

Horas Amargas

Fui hoje ver o mar. Longe daquela
que, enfim, já sabe como a sei amar,
queria ver alguma coisa bela
e, depois dela, o que é mais belo é o mar.

Há no fundo do meu amor por ela,
tão humilde, o temor de lho mostrar;
e, desde que lho disse, eu quero vê-la,
e, ao mesmo tempo, fujo de a encontrar.

Fui então ver o mar. Que tarde linda!
Voltaria de lá confiado e forte! ...
E ao regressar vinha mais triste ainda...

A causa do meu mal é conhecida
e apenas quem nos pode dar a morte
é que nos pode dar também a vida.


(poeta lamecence falecido faz hoje 76 anos)

terça-feira, julho 12, 2016

Tu És em Mim Profunda Primavera

O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, fruta minha destes dias velozes,
diz-me, sempre estiveram contigo
por anos e viagens e por luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria,
ou só agora, só agora
brotam das tuas raízes
como a água que à terra seca traz
germinações de mim desconhecidas
ou aos lábios do cântaro esquecido
na água chega o sabor da terra?

Não sei, não mo digas, tu não sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido
aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnólia e matagal, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.


(Pablo Neruda nasceu faz hoje 112 anos)

segunda-feira, julho 11, 2016

Cala

Perguntei à minha vida:
- “Como achar a apetecida
felicidade absoluta?”
E um eco me disse:
- “LUTA!”

Lutei. - “Como hei de a esta pena
dar a cadência serena
que suaviza, embala e encanta?”
O eco, então, me disse:
- “CANTA!”

Cantei. - “Mas, como, num verso,
resumir todo o universo
que em mim vibra, esplende e clama?”
então, o eco me disse:
- “AMA!”

Amei. - “Como achar agora
a alma simples que eu pus fora
pelo prazer de buscá-la?”
O eco, então, me disse:
- “CALA!”

Calei-me. E ele, então, calou-se.
Nunca a vida foi tão doce…
Tudo é mais lindo a meu lado:
Mais lindo, porque calado.


(poeta paulista falecido faz hoje 47 anos)

domingo, julho 10, 2016

Espelho

Quem é esse que mergulhou no lago liso do espelho
E me encara de frente à claridade?

Tem na íris castanha irradiações misteriosas,
E o negrume do sonho alarga tanto as pupilas
Que o seu lábio sensual como um beijo esmaece.

Abro a mão - ele abre a mão.

Meu plagiário teimoso...

Tudo que eu faço morre no gelo de um reflexo.

(Ele sorri do meu sarcasmo...)

Não poder fugir da introversão,
tocar a carne da evidencia!

Dói-me a ironia de pensar que eu sou tu, fantasma.


(poeta gaúcho falecido faz hoje 46 anos)

sábado, julho 09, 2016


Bon Scott faria hoje 70 anos. Faleceu aos 34
De repente...

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


(Vinícius de Moraes faleceu faz hoje 36 anos)

sexta-feira, julho 08, 2016

A mulher submerge-se no banho...

A mulher submerge-se no banho
com a mesma doce espera
com que se aproxima do leito do amante
e se deixa fundir lentamente
na água tépida suave
Água de carícia envolvente
que eleva os seios
e os balanceia
pontas que despertam as suas bocas vermelhas
mãos que se abrem como estrelas do mar
e navegam pensativas de um lado para o outro
e roçam de vez em quando as curvas do corpo
A cabeça é um nenúfar que se move
sobre a superfície da água
e na esperança dos olhos
crescem sonhos luminosos
que nenhum amante
poderá jamais cumprir.


(poetisa sueca nascida na Dinamarca faz hoje 104 anos) 

Tradução de Casimiro de Brito

quinta-feira, julho 07, 2016

Elegia

A alegria da vida, essa alegria d'oiro
A pouco e pouco em mim vai-se extinguindo, vai...
Melros alegres de bico loiro,
Ó melros negros, cantai, cantai!

Ando lívido, arrasto o pobre corpo exangue,
Que era feito da luz das claras madrugadas...
Rosas vermelhas da cor do sangue,
Rosas abri-vos às gargalhadas!

Limpidez virginal, graça d'Anacreonte,
Mimo, frescura, força, onde é que estais?... não sei!...
Ó águas vivas, águas do monte,
Ó águas puras, correi, correi!

Eu sinto-me prostrado em lânguido desmaio,
E a minha fronte verga exausta para o chão...
Cedros altivos, sem medo ao raio,
Cedros erguei-vos pela amplidão!


(Guerra Junqueiro faleceu faz hoje 93 anos)

quarta-feira, julho 06, 2016

À Braseira

Saio da tua casa. Escorrega,
do codo, a rua. Alcanço a porta amiga
de teu Tio, que espera a suecada.
Ah! que rica braseira! Levas, pronto,
uma chita, ou lavagem, ou lambida,
ou rapada. Um jagodes, na Emissora,
alude a um trintanário de missas
que impôs um qualquer coiso em testamento.
Eu barafusto. Rica bacorada!
Que viva a bela pândega dos burros!
A braseira consola. Cai folheca
lá fora. Os vidros suam, lagrimejam.
Apanhas, de seguida, três capotes.


(escritor bracarense nascido a 6 de Julho de 1902)

terça-feira, julho 05, 2016

Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida


(Mia Couto faz hoje 61 anos)

segunda-feira, julho 04, 2016