Esta Vida
Um sábio me
dizia: esta existência,
não vale a
angústia de viver. A ciência,
se fôssemos
eternos, num transporte
de desespero
inventaria a morte.
Uma célula
orgânica aparece
no infinito
do tempo. E vibra e cresce
e se
desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o
que somos neste mundo.
Assim
falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da
própria morte, o encanto de morrer.
Um monge me
dizia: ó mocidade,
és relâmpago
ao pé da eternidade!
Pensa: o
tempo anda sempre e não repousa;
esta vida
não vale grande coisa.
Uma mulher
que chora, um berço a um canto;
o riso, às
vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o
mundo, a luta que intimida,
quadro
círios acesos : eis a vida
Isto me
disse o monge e eu continuei a ver
dentro da
própria morte, o encanto de morrer.
Um pobre me
dizia: para o pobre
a vida, é o
pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não
creio nesta fantasia.
Deus me deu
fome e sede a cada dia
mas nunca me
deu pão, nem me deu água.
Deu-me a
vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de
porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta
vida: um pão envenenado.
Assim
falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da
própria morte, o encanto de morrer.
Uma mulher
me disse: vem comigo!
Fecha os
olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um
lar, uma doce companheira
que queiras
muito e que também te queira.
No telhado,
um penacho de fumaça.
Cortinas
muito brancas na vidraça
Um canário
que canta na gaiola.
Que linda a
vida lá por dentro rola!
Pela
primeira vez eu comecei a ver,
dentro da
própria vida, o encanto de viver.
(poeta
paulista nascido faz hoje 126 anos)
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