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quinta-feira, dezembro 31, 2015

O corpo canta

O corpo canta;
o sangue uiva;
a  terra fala;
o mar murmura;
o céu cala;
e o homem escuta


(Miguel de Unamuno faleceu a 31 de Dezembro de 1936)

quarta-feira, dezembro 30, 2015

BIRTH OF A SOLDIER

No ecrã, um soldado inglês
a contar cadáveres numa aldeia da Bósnia.
Ele chora sob o elmo azul. Ao observá-lo de mais perto,
vejo como os seus maxilares se contraem,
um lobo que mostra os dentes,
a careta da sua última saudação à humanidade.


(escritor alemão falecido faz hoje 20 anos) 

Tradução de Luís Costa

terça-feira, dezembro 29, 2015

Ovo Nuclear  

este reencontro com o Silêncio na procura de mim mesmo
esta busca de Paz em cada ave
em cada movimento
como uma janela entreaberta

este centro que 
evolui com a paisagem

esta Viagem ao país do meu rosto
a  minha janela fotográfica
este cigarro que acendo
e
que procura 
Ovo


(poetisa coimbrã que hoje faz 70 anos)

segunda-feira, dezembro 28, 2015

AGORA (NAO) PROFESSO

Agora não professo
nem sussurro ao vento
os segredos que reinvento, 
remo na transumância dos dias.  
O sonho, esse discípulo 
da noite dissipada, 
inspira-me à peregrinação.  
Agora não tenho fronteiras, 
mas quando o exílio da memória 
me retém o espelho dos dias 
ao sentido original das coisas 
regresso, porque é necessário 
ser contemporâneo do tempo.  
Agora, sim, professo: 
viver e abraçar os rumores 
do presente.


(poeta moçambicano que hoje faz 53 anos)

domingo, dezembro 27, 2015

A MORTE NAS ILHAS (AFORTUNADAS?)

Se eu fosse água que milagre celebraria?
Nem sou sequer ainda a sua evaporação.
Não ė nas ilhas que os sonhos rebentam?
Eu vi as ninfas emergindo das águas

fartas de ilhas querendo invadir as caravelas:
quilhas afiadas no esmeril da areia.
A que trajecto pertenço? Todas as ilhas
são sementes de agonia. Nelas crescem fortalezas

aonde assomam às areias heróis que são
crianças mortas: quartos esquecidos duma casa.
A derrota são os canhões silenciosos pela aurora.
Nem a existência de um rei é um estandarte.


(poeta amarantino nascido a 27 de Dezembro de 1923)

sábado, dezembro 26, 2015

Já?

já tentaste praticar o bem
fazendo mal?
já tentaste praticar o mal
fazendo bem?
já tentaste praticar o bem
fazendo bem?
já tentaste praticar o mal
fazendo mal?
já tentaste praticar o bem
não fazendo nada?
já tentaste praticar o mal
fazendo tudo?
já tentaste praticar tudo
não fazendo nada?
e o contrário, já tentaste?
já?
seja qual for a tua resposta,
não sei que te diga.


(escritor portuense que hoje faz 78 anos)

sexta-feira, dezembro 25, 2015

Quando um Homem Quiser

Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Ary dos Santos

quinta-feira, dezembro 24, 2015

Nativity Carol : Kings College Choir
diário de bardo

o verso, livre, se lança
ao mar desconhecido
até onde a vista alcança
ao encontro do perigo
navegante de mim
ruma a outro destino
um dia há de assim
tornar-me clandestino


(poeta paranaense que hoje faz 65 anos)

quarta-feira, dezembro 23, 2015

Incubadora

Era tão pequena a mão que
nem o seu dedo mendinho

conseguia agarrar. Pesava
quinhentos gramas e respirava

sem ajuda do ventilador
O coração da sua mãe quase

que não batia com receio de
que ele sufocasse sob o peso

do seu amor


(poeta vila-verdense que hoje faz 58 anos)

terça-feira, dezembro 22, 2015

PARA
TODOS OS AMIGOS DA BLOGOSFERA
UMAS


Joe Cocker faleceu faz hoje 1 ano
Canto na noite

Na noite escura, de um luar partido,
eu mudo o horizonte a cada passo,
eu cambaleio, caio, e me refaço
ao som de um canto lindo, sem saber
que o canto me envolveu em firme laço,
o canto me mostrou o meu viver.

Na noite escura, agora, eu ouço o canto,
adormecendo ao som de doce voz.
Na noite escura, junto a mim, no entanto,
ainda não te encontro.


(poeta pernambucano que hoje faz 68 anos)

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Pecios de sombra

Hablaban con bocas de sombra,
susurraban sucesos mágicos,
historias de herrumbre y de musgo
(no sabían que estaban muertos,
y yo no quería apenarlos).
Fui reconstruyendo sonidos
que en el sueño significaban
para interpretarlos despierto
y atribuirlos a unos labios.

(Quería conocer el nombre
de quienes me hablaban en sueños:
la rosa no olería igual
si su nombre no .fuese rosa.)
Rescaté, lúcido y sonámbulo,
los vestigios que la marea
llevó a mi playa de despierto;
con ellos construiría un puente
desde el soñar hasta el velar:
así tendrían consistencia
las palabras impronunciables
que yo escuché cuando dormía,
fantasmal materia de sueño.


(poeta madrileno falecido faz hoje 13 anos)

domingo, dezembro 20, 2015

Veio Tudo de Longe

Veio tudo de longe para ser
uma só coisa, nupcial e magnífica.
Caminho e tenda. O mar. Livros. A indizível
matéria da dor. Ternura
cercada e repartida, pouco
a pouco, à mesa rápida
dos lábios, clandestina voz baixa
das mãos juntas. Sobreviventes
de invernos, dúvidas, denúncias.
E o teu sorriso honrado. A oferta
duplicada e vulcânica
dos seios. Esta noite que nos pôs
à prova. Sobre o vento e o repouso
do vento. E a música ainda cheia
de muitos outros quartos. Sim, a importância
do teu rosto: alvo claro deste mês
desmedido que nós somos.

Veio tudo de longe para ser
uma só coisa, sagrada e partilhável.

O banho comum gradual e abundante
dos sentidos. As faces que só tenho
entre o convívio doce dos teus dedos
sempre em férias. E a chave
do desejo. Erecta dureza doadora
do óleo e da viagem
aos lugares da origem
e do êxtase. Resposta
da terra contra a terra.

E a surpresa ensina e desvenda
as partes mais antigas da alegria
dupla, densa, nadadora, nossa.


(poeta português nascido em Lourenço Marques a 20 de Dezembro de 1927 e falecido em Espanha em 1975, de acidente de viação)

sábado, dezembro 19, 2015

Mesa dos sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
de novos sonhos a vida.


(Alexandre O'Neill nasceu faz hoje 91 anos)
O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


(poeta mato-grossense nascido faz hoje 99 anos)

sexta-feira, dezembro 18, 2015

A un suicida en una piscina

No mueras más
Oye una sinfonía para banda
Volverás a amarte cuando escuches
Diez trombones
Con su añil claridad
Entre la noche
No mueras
Entreteje con su añil claridad
Por lo que Dios más ame
Sal de las aguas
Sécate
Contémplate en el espejo
En el cual te ahogabas
Quédate en el tercer planeta
Tan sólo conocido
Por tener unos seres bellísimos
Que emiten sonidos con el cuello
Esa unión entre el cuerpo
Y los ensueños
Y con máquinas ingenuas
Que se llevan a los labios
O acarician con las manos
Arte purísimo
Llamado música
No mueras más
Con su añil claridad.


(poeta peruano que hoje faria hoje 74 anos)

quinta-feira, dezembro 17, 2015

Nada além

Sinto nas narinas a aridez do campo
e na alma a solidão
das almas inda puras.
Ouço o grito plangente das aves
palmilhando a palha seca
e a agonia muda dos seres já perdidos
aguardando, inocentes,
o marco cruel da extinção.
E me pergunto:
O que faço aqui?
Vim destinado para ver o fim?
Ou apenas cruzo,
de raspão, pela eternidade,
sem qualquer motivo?
Sendo nada além do que
um passante distraído,
que nada mais tem a fazer,
senão orar e pedir perdão
pela inutilidade de viver.


(escritor gaúcho que hoje faz 80 anos de idade)

quarta-feira, dezembro 16, 2015

Jason Molina faria hoje 42 anos. Faleceu aos 39
Barcos 
"Nha terra é quel piquinino
É São Vicente é que di meu" 
Nas praias
Da minha infância
Morrem barcos
Desmantelados.

Fantasmas
De pescadores
Contrabandistas
Desaparecidos
Em qualquer vaga
Nem eu sei onde.

E eu sou a mesma
Tenho dez anos
Brinco na areia
Empunho os remos...
Canto e sorrio...
A embarcação
Para o mar!
É para o mar!...

E o pobre barco
O barco triste
Cansado e frio
Não se moveu...


(poetisa cabo-verdiana nascida faz hoje 88 anos)

terça-feira, dezembro 15, 2015

Mapa

Ao norte, a torre clara, a praça, o eterno encontro,
A confidência muda com teu rosto por jamais.
A leste, o mar, o verde, a onda, a espuma,
Esse fantasma longe, barco e bruma,
O cais para a partida mais definitiva
A urna distancia percorrida em sonho:
Perfume da lonjura, a cidade santa.

O oeste, a casa grande, o corredor, a cama:
Esse carinho intenso de silêncio e banho.
A terra a oeste, essa ternura de pianos e janelas abertas
A rua em que passavas, o abano das sacadas: o morro e o
                                      cemitério e as glicínias.
Ao sul, o amor, toda a esperança, o circo, o papagaio, a
                                      nuvem: esse varal de vento,
No sul iluminado o pensamento no sonho em que te sonho
Ao sul, a praia, o alento, essa atalaia ao teu país

Mapa azul da infância:
O jardim de rosas e mistério: o espelho.
O nunca além do muro, além do sonho o nunca
E as avenidas que percorro aclamado e feliz.

Antes o sol no seu mais novo raio,
O acordar cotidiano para o ensaio do céu,
Preto e branco e girando: andorinha e terral.
Depois a noite de cristal e tria,
A noite das estrelas e das súbitas sanfonas afastadas,
Tontura de esperanças: essa mistura de beijos e de danças
                                               pela estrada
Numa eterna chegada ao condado do Amor.


(poeta catarinense nascido faz hoje 93 anos

segunda-feira, dezembro 14, 2015

 Amores antigos

Quando em tua presença falei de amores antigos
olhava-os com a mesma visão distante de sementes
                            que murcharam na terra.
Meu amor és só tu
e não o comparo à luz do sol que essa todas as noites
                                               se esconde:
é antes luz vegetal, interior, sempre idêntica
                                               a si mesma,
peixe cego subido do chão do oceano sobrenadando
                                     atônito na superfície.  


(escritor maranhense nascido faz hoje 101 anos)

domingo, dezembro 13, 2015

Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois.  Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.


(poetisa mineira que hoje faz 80 anos)

sábado, dezembro 12, 2015

Nos Teus Gestos

Nos teus gestos há animais em liberdade
e o brilho doce que só têm as cerejas.
É neles que adormeço, e dos teus dedos
retiro a luz azul dos arquipélagos.

Os teus gestos são letras, sílabas, poemas.
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

São os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silêncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo.

Joaquim Pessoa 

Posta dedicada à minha companheira, com quem casei faz hoje 38 anos

sexta-feira, dezembro 11, 2015

Revolução Orbital

Revolução orbital: vai-se a rosa transformando
na coisa múltipla, amante e amada, na acção
que assim a faz e nos acidentes mínimos – paisagens,
estações dos dias e das noites, dos anos da história.
Ondula no cérebro a fronteira que as margens da luz
desenham. E a rosa é uma hélice que vibra
no ar que a respirar obriga(s): torção dos pulmões,
do tronco e do sexo, dos nomes e dos vocativos
que se respondem: como um coração que deflagra
a rosa faz do ar que te falta a terra de onde nasces
e o chão sobre que danças.


(poeta eborense que hoje faz 70 anos)

quinta-feira, dezembro 10, 2015

Cássia Eller faria hoje 53 anos. Faleceu aos 39
Hierarquia

o acto de perguntar é uma confiança expectante,
a veterania de um exemplo acaba por matá-lo,
mas pouco disto é essencial para já:
na poesia, enquanto dilúvio da existência, as
influências do poeta são as veias do seu poema homicida,
veias que carregam químicos dispostos livremente
no corpo, mudando de lugar,
subindo aos olhos que lêem e que tentam
colonizar hemorragias
nos ouvidos puramente visuais.
mas haverá sempre alguém na audiência
que pergunta,
que questiona directamente o poema e o seu exemplo,
alguém que interpela a
legitimidade de quem redige e assina o que é, afinal, da natureza,
alguém que pressente muros de berlim, ouvidos, narizes, ilhas,
simulacros do dessonhado, do oculto.
e nesse momento eu sorrio e não deixa de me ocorrer
que pressentir nem sempre te levará
à infância de um sentimento.


(poetisa farense que hoje faz 31 anos)

quarta-feira, dezembro 09, 2015

Saudade

Saudade é um pouco como fome. 
Só passa quando se come a presença. 
Mas às vezes a saudade é tão profunda
 que a presença é pouco: 
quer-se absorver a outra pessoa toda.
 Essa vontade de um ser o outro 
para uma unificação inteira 
é um dos sentimentos mais urgentes 
que se tem na vida.


(poetisa brasileira de origem ucraniana, falecida a 9 de Dezembro de 1977)

terça-feira, dezembro 08, 2015

John Lennon foi assassinado faz hoje 35 anos