How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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segunda-feira, novembro 30, 2015
A Ponte
Verte em mim
beijos de orvalho
E virá a madrugada
Pelo
espírito desperto.
Adorna a fronte curvada
Com louro,
para que eu veja,
Mesmo sorrindo em dor, minha sombra
coroada.
Embora a
cabeça penda,
Teus pés, calçados de esp’rança,
Passam e são
eloquentes
No modo em que o passo avança.
Algures na
relva se fundem
Com aquela parte de mim que outros
sentidos alcança.
Sejamos
sempre os amantes
Longe da carne, a ceder,
Amantes de
um modo novo
Onde não há fala ou ver.
Vagos assim
nosso amor
Não nosso já, tão-só um hálito do
Puro Ser.
(Fernando
Pessoa faleceu faz hoje 80 anos)
domingo, novembro 29, 2015
Aconteceu
Aconteceu que até aos vinte e sete
anos de idade tive a alegria
de viver na solidão da casa e da família,
com um belo jardim à minha volta.
Fiquei, assim, um ser não corrompido
e, fazendo justiça à natureza,
sigo o murchar da floresta
ou o destino do jardim.
Gostei de esquecer a tristeza e a ira,
não ter ideias, não dizer palavras
e nas árvores loucas da infância
sofrer o tormento do génio alheio.
Fiquei de repente fina, como a relva,
alma pura, como as outras plantas,
não mais douta do que qualquer árvore,
não mais viva do que até ao nascimento.
Sorria de noite para o tecto,
para o vazio, onde, perto e perceptível,
empalidecia encoberto o óbvio deus
que tem todos os sorrisos e bondades.
Fui tão inevitável paraíso
e estive tão perto da grande bondade divina,
que a trança da testa – para mais levemente beijar –
afastei e dormi profundamente.
Como se por muito tempo, pelos tempos,
eu entrasse mais pela terra e pelas árvores.
Ninguém sabia como o tormento é grande
atrás da porta da minha solidão.
(poetisa russa falecida faz hoje 5 anos)
Tradução de Manuel de
Seabra
sábado, novembro 28, 2015
Espírito
Esta flor
delicada,
De que me vale?
Só lhe devo
o mal !
Esta flor
delicada
Que não veio
do sangue, nem da raça,
É a minha
desgraça.
Quando eu
nasci beijou-me a luz de um astro
Que se
apagou na madrugada …
Ai de mim! e
nasceu esta flor delicada.
(escritor
cernachense falecido faz hoje 50 anos)
sexta-feira, novembro 27, 2015
Rosa Única
As ervas
crescem agora
Em todos os
crepúsculos onde antes sorrias.
As ervas ou
o esquecimento. Tudo igual.
Entre minha
dor e o teu silêncio
Há uma rua
pela qual caminhas lentamente.
Há coisas
que não digo porque certas palavras
São como
embarcar em intermináveis viagens.
Para o meu
amor sempre terás vinte anos.
Ainda que eu
cante nos teus olhos sempre haverá água limpa.
E, para
sempre,
Meu amor te
circunda de cristal.
Podes morrer
mil vezes.
Imutável em
meu canto estais.
Posso
esquecer-te,
Mas,
esquecida, resplandecerás.
Que são os
vagalumes
Senão
remotas luzes
Que, no
passado, amadores incendiaram?
Que são
senão carvões
de fogueiras
que perduram,
até que tuas
faces e bocas se rompam?
Te digo que
nem o orvalho
com teu
rosto se atreverá
Não
envelhecerá a moça
que,
reclinada em meu sangue,
Um dia olhou
uma rosa até fazê-la eterna.
Agora a Rosa
eterna está.
Eu a
distingo como única,
perfeita,
nos jardins.
Pelas
montanhas e encostas
buscam por
elas os índios.
Só meus
olhos que teus olhos viram,
Podem ver.
(escritor
peruano falecido faz hoje 32 anos)
quinta-feira, novembro 26, 2015
Um Grande
Utensílio de Amor
um grande
utensílio de amor
meia laranja
de alegria
dez
toneladas de suor
um minuto de
geometria
quatro rimas
sem coração
dois
desastres sem novidade
um preto que
vai para o sertão
um branco
que vem à cidade
uma
meia-tinta no sol
cinco dias
de angústia no foro
o cigarro a
descer o paiol
a trepanação
do touro
mil bocas a
ver e a contar
uma altura
de fazer turismo
um
arranha-céus a ripar
meia-quarta
de cristianismo
uma prancha
sem porta sem escada
um grifo nas
linhas da mão
uma Ibéria
muito desgraçada
um Rossio de
solidão
(Mário
Cesariny faleceu faz hoje 9 anos)
quarta-feira, novembro 25, 2015
terça-feira, novembro 24, 2015
Poema da
malta das naus
Lancei ao
mar um madeiro,
espetei-lhe
um pau e um lençol.
Com palpite
marinheiro
medi a
altura do sol.
Deu-me o
vento de feição,
levou-me ao
cabo do mundo.
Pelote de
vagabundo,
rebotalho de
gibão.
Dormi no
dorso das vagas,
pasmei na
orla das praias,
arreneguei,
roguei pragas,
mordi
peloiros e zagaias.
Chamusquei o
pêlo hirsuto,
tive o corpo
em chagas vivas,
estalaram-me
as gengivas,
apodreci de
escorbuto.
Com a mão
direita benzi-me,
com a
direita esganei.
Mil vezes no
chão, bati-me,
outras mil
me levantei.
Meu riso de
dentes podres
ecoou nas
sete partidas.
Fundei
cidades e vidas,
rompi as
arcas e os odres.
Tremi no
escuro da selva,
alambique de
suores.
Estendi na
areia e na relva
mulheres de
todas as cores.
Moldei as
chaves do mundo
a que outros
chamaram seu,
mas quem
mergulhou no fundo
Do sonho,
esse, fui eu.
O meu sabor
é diferente.
Provo-me e
saibo-me a sal.
Não se nasce
impunemente
nas praias
de Portugal.
(Rómulo
Vasco da Gama de Carvalho nasceu a 24 de Novembro de 1906)
segunda-feira, novembro 23, 2015
No Sorriso
Louco das Mães
No sorriso
louco das mães batem as leves
gotas de
chuva. Nas amadas
caras loucas
batem e batem
os dedos
amarelos das candeias.
Que
balouçam. Que são puras.
Gotas e
candeias puras. E as mães
aproximam-se
soprando os dedos frios.
Seu corpo
move-se
pelo meio
dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos
mergulhados,
e as calmas
mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças
filiais.
Sentam-se, e
estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando
as imagens, alimentando as imagens
enquanto o
amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes
nas caras, o amor leve.
O amor
feroz.
E as mães
são cada vez mais belas.
Pensam os
filhos que elas levitam.
Flores
violentas batem nas suas pálpebras.
Elas
respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara
está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das
candeias. No contínuo
escorrer dos
filhos.
As mães são
as mais altas coisas
que os
filhos criam, porque se colocam
na combustão
dos filhos, porque
os filhos
estão como invasores dentes-de-leão
no terreno
das mães.
E as mães
são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se,
através deles, como jactos
para fora da
terra.
E os filhos
mergulham em escafandros no interior
de muitas
águas,
e trazem as
mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza
de toda a sua vida.
E o filho
senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através
dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas
e nos garfos.
E através da
mãe o filho pensa
que nenhuma
morte é possível e as águas
estão
ligadas entre si
por meio da
mão dele que toca a cara louca
da mãe que
toca a mão pressentida do filho.
E por dentro
do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser
possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
(Herberto
Hélder faria hoje 85 anos)
domingo, novembro 22, 2015
Regresso
Esperei que
viesses.
E chegaste
do lado onde as dunas
acrescentam
ao vento os sobressaltos da noite
que trazias
escondida nos cabelos.
A linha das
águas cabia toda nos teus olhos.
Como se as
nascentes da montanha
cobrissem a
tua sombra.
Escolhi
então a face nómada das sílabas
mais
incertas para dizer: palavra a palavra
edifiquei a
casa.
Pelo
silêncio a ocupei no teu olhar.
(poetisa
figueirense que faz hoje 69 anos)
sábado, novembro 21, 2015
Nossas
microbiografias
Às vezes
acontece
do acaso
inconfortável
abrir uma
brecha
na rasteira
do presente
e alguma
imagem
que estava
presa
se libertar.
Do silêncio
escapa um
rumor
de risos e
vozes
(talvez na
ponte
sobre um
velho ribeirão)
e braços
longos e desajeitados
de uma
garota
longa e
desajeitada
se acomodam
sobre as coxas
e outra
garota
esconde a
timidez
de uma
gargalhada
colocando a
mão na boca.
(poeta
paulista nascido em França que hoje faz 51 anos)
Nós não
Somos deste Mundo
Para a
solidão nascemos. Outras vozes
nos chamam e
invocam, outros corpos
se perfilam
radiosos contra a noite.
Nós não
somos daqui. Num intervalo
de campanhas
esquecidas nos dizemos,
abrindo o
coração aos de passagem.
Mas quando a
manhã chega nós partimos,
mais livre o
coração, longa a viagem.
(poeta
egitanense que hoje faz 65 anos)
sexta-feira, novembro 20, 2015
Contra Senso
Oh! meu
amor, escuta, estou aqui,
pois o teu
coração bem me conhece,
eu sou
aquela voz que, em tanta prece
endoideceu,
chorou, gemeu por ti!
Sou eu, sou
eu que ainda não morri.
Nem a morte
me quer, ao que parece,
e vinha
renovar se ainda pudesse
as horas
dolorosas que vivi.
Oh! que
insensato e louco é quem se ilude!
Quiz fugir,
esquecer-te, mas não pude...
Vê lá do que
teus olhos são capazes!
Deitando a
vista pelo mundo além
desisto de
encontrar na vida um bem
que valha o
mal que tu me fazes!
(poetisa
portuense falecida faz hoje 35 anos)
quinta-feira, novembro 19, 2015
O Filho
A
Eduardo e Antônio Campos
Que seja
assim:
alegre sem
desconhecer
a tristeza,
capaz
de uma
ilusão.
Forte sem
apedrejar
derrotas,
rebelde,
sem destruir
a mansidão.
Servo apenas
do ideal e sonho,
e rei de sua
vontade.
Amando as
pessoas sem
deixar que
nenhum medo
o faça
desconhecer a liberdade.
(escritor
pernambucano nascido faz hoje 74 anos)
quarta-feira, novembro 18, 2015
Café Orfeu
Nunca tinha
caído
de tamanha
altura em mim
antes de ter
subido
às alturas
do teu sorriso.
Regressava
do teu sorriso
como de uma
súbita ausência
ou como se
tivesse lá ficado
e outro é
que tivesse regressado.
Fora do teu
sorriso
a minha vida
parecia
a vida de
outra pessoa
que fora de
mim a vivia.
E a que eu
regressava lentamente
como se
antes do teu sorriso
alguém (eu
provavelmente)
nunca
tivesse existido.
(Manuel
António Pina nasceu faz hoje 72 anos)
terça-feira, novembro 17, 2015
segunda-feira, novembro 16, 2015
domingo, novembro 15, 2015
Tarde de
Novena
Ingenuidade
macia das tardes de novena,
com os sinos
dos Passos batendo,
pausado,
molengo,
sobre o
poente que pegou fogo.
Fervores
honestos gemendo
sobre o
poente que se alarga e se estende,
congesto,
pela noite
adentro,
pondo rubras
palpitações
nas trevas
do ocidente,
- grandes
borboletas de fogo
espanejando
cegas sobre as essas.
(escritor
goiano nascido faz hoje 100 anos)
sábado, novembro 14, 2015
sexta-feira, novembro 13, 2015
quinta-feira, novembro 12, 2015
Mecanismos
Havia um
azul sereno
naquele roxo
florindo,
o jardim
dava no tempo
e o tempo
passava rindo.
É tudo de
que me lembro.
Quase nada
do que sinto.
Deu-se a
flor ao pensamento
entre a
memória e o instinto.
O mais é
aquilo que invento,
as músicas
que mal digo,
orvalhos que
ficam sendo
daquele
jardim antigo.
(poeta
carioca nascido a 12 de Novembro de 1940)
quarta-feira, novembro 11, 2015
Sermão
dominical de astronomia
Quando a
conversa se volta para as nossas desgraças -
fome,
homicídios, assassinatos, etc. -
Garantido!
Uma casa de loucos!
Mas, por
favor, permitam-me
ressalvar,
sem falsas modéstias
que apesar
de tudo
é um planeta
bastante favorável
este, no
qual nos encontramos,
uma pérgula
rosa,
comparado
com Neptuno
(menos 212
graus centígrados,
velocidade
do vento de mais de 600 mph
e uma pipa
de metano
na
atmosfera).
Só para que
se saiba que noutros lugares
é muito
menos confortável.
(poeta
alemão que hoje faz 85 anos)
(tradução de
João Luís Barreto Guimarães)
terça-feira, novembro 10, 2015
Pórtico
Eu quisera,
em meus versos, a alvorada
de todas as
belezas triunfais...
que eles
tivessem a auréola imaculada
do sol de
madrugada...
e que neles
cantassem sabiás...
que fossem
álacres como pensamentos
de crianças
em férias, mais vibrantes
que pendões
de palmeiras drapejantes
às carícias
brutais, bruscas dos ventos
e mais
ardentes do que dois amantes
no seu beijo
melhor... deslumbramentos
de
meios-dias tropicais fulgissem
em suas
estrofes como luz das gemas...
que ora
murmurassem, rugissem...
e semeassem
bênçãos e anátemas...
(poeta
paraense nascido faz hoje 107 anos)
Literato
cantabile
agora não se
fala mais
toda palavra
guarda uma cilada
e qualquer
gesto pode ser o fim
do seu
início
agora não se
fala nada
e tudo é
transparente em cada forma
qualquer
palavra é um gesto
e em minha
orla
os pássaros
de sempre cantam assim,
do
precipício:
a guerra
acabou
quem perdeu
agradeça
a quem
ganhou.
não se fala.
não é permitido
mudar de
idéia. é proibido.
não se
permite nunca mais olhares
tensões de
cismas crises e outros tempos
está vetado
qualquer movimento
do corpo ou
onde quer que alhures.
toda palavra
envolve o precipício
e os
literatos foram todos para o hospício
e não se
sabe nunca mais do mim. agora o nunca.
agora não se
fala nada, sim. fim. a guerra acabou
e quem
perdeu agradeça a quem ganhou.
(poeta
piauiense falecido faz hoje 43 anos)
segunda-feira, novembro 09, 2015
Explicação
do fato
Impossível
envergonhar-me de ser homem.
Tenho rins e
eles me dizem que estou vivo.
Obedeço a
meus pés
e a ordem é
seguir e não olhar à frente.
Minúsculo
vivente entre rinocerontes
me reconheço
e falho
e insisto.
E insisto
porque insistir é minha insígnia.
O meu brasão
mostra dois pés escalavrados
e sobram-me
algumas forças: sei-me fraco
e choro.
E choro e
nem assim me excedo na postura humana:
sofro o
corpo inteiro, pendo e não procuro
a arma em
minhas mãos.
Sei que
caminho. É só.
Joelhos
curvam-se, amasiam ao chão que queima
e me penetra
e eu decido que não posso
envergonhar-me
de ser homem.
A criança
antiga é dique barrando o meu escôo
e diz que
não, não me envergonhe.
Não me
envergonho.
Tenho rins mãos
boca órgão genital e
glândulas de
secreção interna:
impossível.
No entanto
sinto medo
e este é o
meu pavor.
Por isso a
minha vida, como o meu poema,
não é canto,
é pranto
e sobre ela
me debruço
observando a
corcunda precoce
e os olhos
banzos.
(poeta
piauiense nascido faz hoje 71 anos)
domingo, novembro 08, 2015
Tudo é feito
de lembrança
Que saudades
eu sinto desta flor,
Que vai
murchar!
E desta gota
de água e de esplendor,
Um pequenino
mundo que é só mar.
E desta
imagem que por mim passou
Misteriosamente.
E desta
folha pálida e tremente
Que
tombou...
Da voz do
vento que me deixa mudo,
E deste meu
espanto de criança.
Que saudades
de tudo eu sinto, porque tudo
É feito de
lembrança...
(Teixeira de
Pascoaes nasceu a 8 de Novembro de 1877)
sábado, novembro 07, 2015
sexta-feira, novembro 06, 2015
Canção de
Matar
Do dia nada
sei
O teu amor
em mim
Está como o
gume
De uma faca
nua
Ele me
atravessa
E atravessa
os dias
Ele me
divide
Tudo o que
em mim vive
Traz dentro
uma faca
O teu amor
em mim
Que por
dentro me corta
Com uma faca
limpa
Me
libertarei
Do teu
sangue que põe
Na minha
alma nódoas
O teu amor
em mim
De tudo me
separa
No gume de
uma faca
O meu viver
se corta
Do dia nada
sei
E a própria
noite azul
Me fecha a
sua porta
Do dia nada
sei
Com uma faca
limpa
Me
libertarei.
(Sophia de
Mello Breyner Andresen nasceu faz hoje 96 anos)