How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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domingo, agosto 31, 2008
Sisuda Acidez
Escavacou abismos,
Abriu-se à realidade,
Morreu de impaciência.
Viveu a insignificância
Dos contratempos,
Buscou-se no que
Sobrou de si mesmo.
Desentendeu-se,
Se foi, serenamente,
Para a terra dos
Esquecidos.
Entregou-se às
Divergências,
Desacelerou-se,
Pensou nas atitudes
Que o reduziram
Às migalhas
De toda solidão.
Aroldo Ferreira Leão*
*poeta brasileiro
sábado, agosto 30, 2008
Keep going
Harriet Tubman, também conhecida como Moisés Negro, foi uma heroína estado-unidense, abolicionista e humanitarista, nascida escrava em 1822, no Maryland, e falecida como mulher livre, em 1913.
Aos 35 anos conseguiu fugir para Filadélfia, mas rapidamente voltou à sua terra para libertar os seus familiares.
Ao longo da sua vida trabalhou como criada de lavoura, lenhadora, lavadeira, cozinheira, organizadora de refugiados, líder de incursões, espia na guerra da secessão, enfermeira, curandeira, incentivadora, feminista, angariadora de fundos e condutora de escravos em fuga.
Arriscou a sua vida centenas de vezes, conduzindo os escravos ao longo da célebre Underground Railroad, rota de fuga constituída por vias secretas e casas de acolhimento seguras utilizadas pelos escravos para escaparem dos Estados esclavagistas para os Estados livres e para o Canadá. Nas sua próprias palavras, “eu libertei milhares de escravos. E poderia ter libertado muitos milhares mais, se eles tivessem sabido que eram escravos”.
Embora a citação seja disputada por uma das suas biógrafas, são-lhe atribuídas as seguintes palavras de incentivo aos fugitivos que conduzia:
If you are tired, keep going;
if you are scared, keep going;
if you are hungry, keep going;
if you want to taste freedom, keep going.
No seu discurso de apoio sem reservas ao candidato democrata na passada terça-feira, outra mulher estado-unidense e admiradora incondicional da Harriet Tubman, parafraseou-a, dizendo:
If you hear the dogs, keep going.
If you see the torches in the woods, keep going.
If they're shouting after you, keep going.
Don't ever stop. Keep going.
If you want a taste of freedom, keep going.
No dia do teu 26º aniversário, minha filha, o que julgo mais apropriado para te dizer aqui, antes de ir pôr o avental de cozinha para as quase três horas que levará a preparar o almoço que me pediste, é que, contra todos as dificuldades e adversidades, continues a lutar pelos objectivos que desejas alcançar.
sexta-feira, agosto 29, 2008
Três trabalhos atraentes
Ler é trabalho. Eleger um livro, livrar-se do tempo para ter tempo de percorrer suas linhas, penetrar nas entrelinhas. Ler é trabalho trabalhoso. Comer a carne da leitura, sugar-lhe o sangue, roer-lhe o osso. Suportar o que há de insosso até chegar ao poço de água viva. Mais: saborear o insosso. Sentir no insosso o gosto que poderia ter.
Ler dá trabalho. Guardar da leitura a palavra exata, a frase contundente, a imagem certeira, a metáfora nova, a idéia paradoxal, o personagem mais vivo que os próprios vivos. Ler é trabalhar sem salário, sem recompensa material. Ler é trabalho puro, trabalho duro, trabalho divino.
Ler é também trabalho sujo. Ler é lamber os séculos, digerir tudo o que há em outras mentes. Leitura suja. Leitura suja de vida. E por isso é trabalho limpo. Trabalho decente, atraente.
Pensar é trabalho. Raciocinar é pouco, apenas racionar idéias, contar os passos, evitar falácias, economizar processos. Pensar mesmo, que cansa, é transbordamento, perda do tempo que não temos. Pensar é imaginar e relembrar, transgredir e transcender.
Pensar dá trabalho. É virar do avesso o que já estava certo. Pensar é misturar. Bom senso com não-senso, senso prático com senso moral, senso comum com senso estético.
Pensar é trabalhão. Emagrece a alma. É sempre hora extra, hora extensa, hora extrema. Pensar é pensar nas horas mortas e nas horas vivas, nas horas vagas e perdidas, em cima da hora, pela hora da morte.
Escrever é outro trabalho e tanto! Escrever é ser escravo das letras. Trabalhar de sol a sol, de lua a lua, de segunda a segunda, de hora em hora, de chaga em chaga, de ano em ano, tudo e nada, com leitor ou sem, com editora ou sem, com dinheiro ou sem.
Escrever dá trabalho. Dá medo, dá dor, dá dó. Catar palavras nas areias, correr atrás de algumas, que fogem. Ou fugir das que nos perseguem, repetidas, redundantes, replicantes.
Escrever, trabalho braçal, trabalho de cão, trabalho de Hércules, trabalho de Sísifo, trabalho de parto que nos parte ao meio, trabalho forçado que liberta.
Ler, pensar e escrever. Três trabalhos que atraem, subtraem, maltratam e enriquecem. Trabalhos ocultos, solitários. Trabalhos que aumentam a fome de trabalhar. Trabalhos impunes. Trabalhos sem perdão, sem a devida remuneração. Trabalhos que não têm preço. Que não têm fim. Que não têm jeito.
Gabriel Perissé*
*professor e escritor
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
quinta-feira, agosto 28, 2008
Cultura
O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.
O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.
O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.
O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.
A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.
O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.
O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.
O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.
Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.
Arnaldo Antunes*
*poeta brasileiro
quarta-feira, agosto 27, 2008
Procurando Tu
Quando foi a São Paulo, Zezinho Mutamba foi na primeira oportunidade conhecer a Rua Aurora, onde se concentravam as casas de prostituição. Estava parado numa esquina, vendo as mulheres, mexendo com uma, discutindo preço com outra, quando deu de cara com seu Jeremias, velho moralista que também tinha ido à capital paulista e aproveitava para comprar umas válvulas para rádio, por coincidência – mera coincidência mesmo – na região das prostitutas.
Não deu tempo nem de desviar do velho.
– Procurando uma vagabunda aí, né? – já foi falando seu Jeremias entre conselheiro e repreensor.
– Não, não, tô não. Tô procurando uma bunda vaga.
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
terça-feira, agosto 26, 2008
Agonia de uma noite infecunda
Como a flor cortada rente e desfolhada
ou os olhos vazados da criança
e o seu fio de pranto tênue e impotente
assim a noite caminha com os astros todos em vertigem
até que se atinge o ponto da mudez
a pesada mó triturando a sílaba
a garganta com as cordas dilaceradas
e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida
Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro
tanto assim que a flor desfeita
não embala o coração do poeta
oh não
porque a flor defunta
se voa
não sobe nunca
e só dura
o espaço breve duma nota
Assim o canto se detém imóvel
como se da flauta
falhando súbito
na boca do poeta
ficasse o hiato
ou a saliva
de um tempo devassado por insectos cor de cinza
A voz suspensa e negada
cede a vez à letra amorfa
inscrita no silêncio
com seu peso
de chumbo e olvido
acaba o poema
e um ponto final selando tudo.
Arménio Vieira*
*poeta cabo-verdiano
segunda-feira, agosto 25, 2008
A Mentira
Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. Por isso Swift diz: «Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte». Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer directamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a inocência.
Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'
domingo, agosto 24, 2008
Bem no Fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Paulo Leminsk*
*poeta brasileiro
sábado, agosto 23, 2008
Noite
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.
Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.
No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
Menotti Del Picchia*
*poeta ítalo-brasileiro
sexta-feira, agosto 22, 2008
Trema nunca mais
Em breve, o trema deixará de ser uma preocupação. Muitos já nem davam importância à sua presença. Agora é oficial, e haverá comemoração: o novo acordo ortográfico prevê seu desaparecimento. Decreta, melhor dizendo, o seu desaparecimento, a sua extinção, a sua inexistência.
Sentirei falta dele. Eu que, professor e escritor, lutei durante a vida inteira pelo trema sem temor já posso prever profundas mudanças ao nosso redor. Sem este duplo ponto, nada mais será como antes.
O qüinqüênio ficará mais curto.
O liqüidificador perderá força e eficiência.
A nota de cinqüenta reais ficará desvalorizada.
O poliglota qüinqüelíngüe não dominará tão bem os seus cinco idiomas.
Os qüiproquós estarão para sempre resolvidos.
O pingüim, perplexo, andará menos charmoso.
O antiqüíssimo se tornará banalidade sem data, velharia sem graça.
Quantas conseqüências serão esquecidas por aí, no banco de praça, dentro do táxi, no meio do caminho!
A ambigüidade menos misteriosa, menos atraente, a arte se empobrecerá.
A própria Lingüística deixará de ser aquela ciência que outrora foi.
Os ungüentos abandonados, inúteis, inócuos, nas estantes e nos dicionários.
Tudo o que era subseqüente não terá mais razão de viver.
A lingüiça sem cor e sem gosto.
A eqüidade arruinada.
A tranqüilidade perdida.
O alcagüete, envergonhado de fazer o que faz, murmura: "Sem trema... que pena!".
Ninguém mais dará crédito ao eqüestre.
Vamos rir do seqüestrador, finalmente desarmado.
Nada mais deixará seqüelas, no corpo ou na alma, no papel ou na mente.
Não haverá mais argüições, e redargüir a ninguém caberá.
Contigüidade, coisa do passado.
A delinqüência mais freqüente.
A grandiloqüência desmoralizada, sem ter o que dizer.
Meu tipo sangüíneo se esvairá.
Ninguém agüentará coisa alguma.
Deus perderá ubiqüidade.
A iniqüidade ganhará mais espaço, na rua e na mídia.
O aqüífero morrerá de sede.
O eqüidistante inalcançável.
O triângulo eqüilátero cairá no chão e se quebrará em mil pedaços.
A eqüissonância desafinará.
Como transitar pela Rodovia Anhangüera outra vez?
Os sagüis se esconderão de nós, temendo que deles arranquemos mais alguma coisa, além do trema. Aliás, o fim do trema traz à mente alguns receios. Nada impede que, daqui a algumas décadas, a cedilha seja removida sem dó nem piedade. O til também. E o circunflexo...
Desmilingüido, o trema se despede de todos. Alguns lhe dizem: "já vai tarde!". O trema estremece de medo. Abre a porta dos fundos, e some.
Gabriel Perissé*
*professor e escritor
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
quinta-feira, agosto 21, 2008
Cão
Cão passageiro, cão estrito
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara-lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão ali, e sempre cão.
Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal de poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moído de pancada
e condoído do dono,
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção,
cão pré-fabricado,
cão espelho, cão cinzeiro, cão botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!
Alexandre O’Neill
in Abandono Vigiado
quarta-feira, agosto 20, 2008
Largura
Santina largou tudo e foi para São Paulo, trabalhar em escritório, ganhar dinheiro, voltar rica e respeitada. Pelo menos era o que imaginava.
Dois anos depois, estava de volta, mãe solteira e com a esperada riqueza reduzida a um automóvel velho, que para chegar a Santa Rita foi conhecendo todos os mecânicos do caminho.
Seu tio não considerou um fracasso a sua ida para São Paulo. Ao contrário, achou que ela tinha era muita sorte:
- Ô Santina, cê é larga mesmo, hem? Foi pra São Paulo, em pouco tempo arranjou um menino bonito e inda voltou com uma condução. Vai sê larga assim lá diante!
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
terça-feira, agosto 19, 2008
A Ignorância
O povo julga bem as coisas, porque está na ignorância natural, que é o verdadeiro lugar do homem. A ciência tem duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os homens podem saber, acham que nada sabem e voltam a encontrar-se nessa mesma ignorância da qual tinham partido; mas é uma ignorância sábia que se conhece. Os do meio, que saíram dessa ignorância natural e não puderam chegar à outra, têm umas pinceladas dessa ciência suficiente, e armam-se em entendidos. Esses perturbam o mundo e julgam mal de tudo. O povo e os verdadeiramente sábios compõem a ordem do mundo; estes desprezam-na e são desprezados.
Blaise Pascal, in "Pensamentos"
segunda-feira, agosto 18, 2008
Templo dos desejos
Era um lugar paradisíaco. Estaria eu a sonhar ou sob efeito de uma droga involuntariamente ingerida? Eu caminhava pausadamente naquele simulacro do Jardim do Éden. Ali não havia pecado e nenhum de seus efeitos: miséria, violência, fealdade, imundície ou medo. Tudo absolutamente clean: o brilho das luzes, a beleza dos objetos, o requinte high-tech dos equipamentos.
À minha volta, todos pareciam felizes, traziam aspecto saudável. Ninguém descalço, desdentado, estendido em calçadas ou com o olhar precocemente ameaçador. Sentia-me inteiramente seguro naquela pirâmide dourada, cujos túneis me conduziam a nichos de esplendor.
À minha disposição, os mais suaves calçados para os pés, roupas de colorido vivo, agasalhos de lã ou couro, camisas e ternos bem cortados, computadores de última geração, máquinas digitais, celulares de multiuso... No piso superior, iguarias importadas e refinados manjares, de sanduíches pantagruélicos a panquecas adocicadas, sem que se aspirasse o menor odor de gordura ou existissem pedintes ou gatos e cães vadios a espreitar sobras. Todos os veneráveis objetos eram acolitados por belíssimas sacerdotisas, e a contemplação de tão sofisticados artefatos enlevava a alma.
Ao fundo, uma delicada música que não agredia os ouvidos e contribuía à paz de espírito. Não havia trânsito nem o cheiro asfixiante de gases emanados de motores. Desprovidas de ruídos, nas alamedas feericamente iluminadas os transeuntes caminhavam sem pressa, atentos às maravilhas circundantes. Podiam subir de um piso ao outro sem o menor esforço; bastava pousar os pés numa esteira que os içava ao topo sem desprenderem energia.
O ambiente impregnava-se de leve odor de perfume; todos ali pareciam muito felizes, livres do assédio de crianças de rua, do espectro de maus encarados, da presença intimidadora de viaturas policiais. Viam-se expostos inúmeros talismãs capazes de nos imprimir valor e suscitar a inveja alheia. Bastava pagar por um deles e ver consagrada a felicidade de tornar-se portador daquelas preciosidades, como se o mago houvesse se desprendido da lâmpada de Aladim.
Fascinava-me a inventividade dos seres humanos. Não que os artefatos fossem incomuns; pelo contrário, eram instrumentos para a escrita e equipamentos esportivos, objetos de cutelaria e precisão ótica, uma infinidade de frascos contendo o poder de, abertos, exalar beleza e fascínio. A diferença residia no designer arrojado, na estética atrativa, na sofisticação de peças como um simples abridor de garrafa.
Estaria eu num conto de Borges? Estaria a sonhar ou seria eu o resultado de um sonho? Estar ali era como se todos os dias fossem domingo, momento de ócio e distração, seduzido por aquele espaço lúdico que me permitia evadir da realidade e acreditar pertencer ao seleto clube dos eleitos a penetrarem o nirvana.
Eu não queria acordar, resistia a ser expulso do Paraíso e, como Lúcifer, precipitar-me na infernal rotina do trabalho árduo, da vida medíocre, da paisagem incolor, da insegurança das ruas e da atmosfera poluída contaminada pelo medo. Queria permanecer ali para sempre, guardado no ventre acrílico daquela imensa catedral habitada por ídolos de minha devoção, cultuados por desmedidas ambições.
Ali eu me sentia próximo ao céu, ao mundo dos que foram poupados do sofrimento, à esfera dos premiados pela fortuna. Estava redimido dessa pobre humanidade que nos priva do encanto, da magia, do universo onírico onde se volatilizam todas as dores e angústias. Ali se me acercavam o Olimpo e todos os bens capazes de realçar uma pessoa acima de seus semelhantes.
Contudo, chegou a hora de cerrar vitrines e baixar portas. Fui avisado pelo vigilante que dentro de cinco minutos o shopping seria fechado.
Frei Betto*
*escritor brasileiro
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
domingo, agosto 17, 2008
Cortar o Tempo
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no
limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e
entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra
vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra
diante vai ser diferente.
Carlos Drummond de Andrade
sábado, agosto 16, 2008
10 reflequições
I - Todo mundo viaja. Poucos chegam Lá.
II- As guerras acabam. Mas as ruas nunca ficam prontas.
III- Tinha um ar soberbo. Totalmente poluído.
IV- Dizia "Minha cara metade", como quem reclama do preço.
V- Confesso: sou pior sozinho do que mal acompanhado.
VI- Repara: quando você aprende uma palavra nova, ela aparece em todos os lugares.
VII- Solitário dorme sozinho. Rejeitado acorda sozinho.
VIII- Mostrei-lhe a lua no horizonte, redonda, linda. Mas ela prefere o Faustão.
IX- Não há pessoa mais chata do que você mesmo. Fuja da solidão.
X- Fica frio, amigo, não foi o brasileiro o inventor da corrupção. Baseado no mais profundo ensinamento da minha religião, a corrupção começou no Princípio dos Princípios, justamente no Jardim do Éden. Quando os dois proto-Safados, corrompidos pela Serpente, desrespeitaram a Lei do Senhor e comeram o Fruto da Ciência do Bem e do Mal, o desrespeito espantoso ficou conhecido como A Queda. Mas não passou assim pelo Todo (como era conhecido o Todo-Poderoso), que condenou os três culpados por uso indevido de bem público e formação de quadrilha. Logo o Anjo Gabriel, executor das ordens do Supremo, expulsou Adão e Eva do Paraíso, obrigando-os a viver na periferia, a leste do Éden. Mas a Serpente, misteriosamente, nunca foi punida.
Millôr Fernandes
sexta-feira, agosto 15, 2008
O corpo
Acrobata enredado
Em clausura de pele
Sem nenhuma ruptura
Para aonde me leva
Sua estrutura?
Doce máquina
Com engrenagem de músculos
Suspiro e rangido
O espaço devora
Seu movimento
(Braços e pernas
sem explosão)
Engenho de febre
Sono e lembrança
Que arma
E desarma minha morte
Em armadura de treva.
Armando Freitas Filho*
*poeta carioca
quinta-feira, agosto 14, 2008
Dificuldade de governar
1
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.
2
E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.
3
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
É só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.
4
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?
Bertolt Brecht*
*no 52º aniversário da sua morte
(Tradução de Arnaldo Saraiva)
quarta-feira, agosto 13, 2008
terça-feira, agosto 12, 2008
Auto-retrato
O que eu fui sempre, o que eu sou, e o que eu serei, é um artista, um homem e um revolucionário. Na medida em que sou artista, quero um mundo onde a beleza seja o vértice da pirâmide. Na medida em que sou homem, quero que nesse mundo os indivíduos sejam livres e conscientes. E na medida em que sou revolucionário, quero que a revolução traga à tona as grandes massas, e que nunca acabe de percorrer o seu caminho perpétuo, sem estratificações e sem dogmas.
Miguel Torga
In Diário IV, 1979
segunda-feira, agosto 11, 2008
domingo, agosto 10, 2008
O jornalista precisa mudar!
Sempre defendi que o jornalismo não se presta a adjetivos, tais como jornalismo policial, econômico, político, etc... O jornalismo é feito de um único pacote: análise do dia, investigação, contexto, impressão de repórter. Pode-se fazer isso nas mais diferentes áreas, mas é sempre o mesmo fazer contextualizado, partindo de uma situação singular e buscando narrar os fatos de maneira a levar ao leitor/espectador/ouvinte a universalidade do fenômeno, para que cada um possa fazer sua interpretação e chegar a suas próprias conclusões. Narrativas abertas, que respeitam a inteligência do receptor, mas que não se furtam a deixar bem claro o ponto de vista a partir do qual o repórter está narrando. Isso é jornalismo, feito de forma honesta e respeitosa.
Embora a autora se refira à realidade brasileira, em Portugal a “gosma” é a mesma ou ainda pior, pelo que vale a pena ler na íntegra este artigo de Elaine Tavares, publicado no jornal digital Adital.
sábado, agosto 09, 2008
As palavras
As palavras saltitam, pululam,
estão soltas, sem amarras.
Palavras vivas.
Sons, movimentos, sentimentos.
Se não, estão
petrificadas,
feitas de letras
- arquiteturas banais.
As palavras não representam,
elas são,
estão além dos significados
- ou seria, mais, bem,
aquém?
Libertadas dos dicionários
pelos campos
pelas fábricas, pelos lugares
de sua gestação.
Originárias, necessárias.
Elas exercem um poder
tanto porque podemos com elas
apoderar-nos do mundo
(ou conhecer)
quanto elas nos governam
e orientam.
As palavras são a música
das coisas nomináveis;
as formas das coisas:
o próprio som
que elas emitem.
Podemos dar às palavras
o sentido que se queira
aprisiona-las em obras
de fina urdidura.
Mas nem sempre
-e felizmente –
as palavras levam à Razão,
vão ao imaginário
à beleza de sua condição:
as ondas equilibram o movimento
do mar, marmorizado nas palavras.
Podemos transformá-las
em textos decifráveis.
Esgarçá-las, montá-las
sobre uma superfície
limitante, e fria.
Não obstante, as palavras
estarão livres
vivificadas
quando poesia.
António Miranda*
*poeta brasileiro
sexta-feira, agosto 08, 2008
Oitos malucos
As 8 horas e 8 minutos da tarde do dia 8 do mês 8 do ano 08 que assinalaram, hoje, a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim têm sido motivo das mais variadas análises sobre a simbologia do número 8 na cultura chinesa.
Quando estive em Hong Kong, há 10 anos, passámos ao lado da mansão de um chinês conhecido como “o rei do arroz” que, pelos vistos, era podre de rico. Informou-nos a guia que as matrículas dos automóveis eram leiloadas, sendo que as que continham o número 8 atingiam valores astronómicos.
O tal “rei do arroz” tinha adquirido a matrícula 888 e a sua frota automóvel era constituída por 8 reluzentes Rolls Royce e parece que outros tantos Bentley. Quando estávamos numa estrada sobranceira à mansão, víamos mais de uma dezena de automóveis, todos topo de gama, e fomos informados de que os cozinheiros, mordomos e outros serviçais se deslocavam de e para o trabalho em Mercedes Classe E e que os seguranças do “rei do arroz” o acompanhavam em Ferraris e Porches. “Esquisitices” de um indivíduo que tinha nascido pobre e ganhou uma fortuna colossal à custa do “suor do rosto”...dos outros.
Mas a mania dos 8 não é exclusiva dos chineses. O bizarro imperador romano Heliogábalo - tão bizarro que, tendo sido coroado imperador aos 14 anos e assassinado aos 18, teve tempo para violar uma virgem vestal, casar com cinco mulheres, ter um sem número de amantes masculinos e oferecer somas astronómicas a médicos para mudar de sexo -, tinha um prazer perverso relativamente aos 8 e presidia a festas para as quais convidava:
8 homens velhos
8 homens carecas
8 homens cegos de um olho
8 homens coxos por causa da gota
8 homens surdos
8 homens muito altos
8 homens negros
8 homens roucos
8 homens com nariz adunco
8 homens morbidamente obesos
8...
Parece que gostava de se rir às gargalhadas porque os muito gordos ou muito altos, por exemplo, não cabiam nos divãs onde os romanos se reclinavam para comer. Também surpreendia frequentemente os seus convidados interesseiros com “chuva” de pétalas de rosas, em tal quantidade que muitos deles morriam sufocados.
Várias outras curiosidades sobre o número 8 podem ser encontradas aqui.
quinta-feira, agosto 07, 2008
O quereres
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim
Caetano Veloso*
*no dia do seu 66º aniversário
quarta-feira, agosto 06, 2008
A morte do folião
“Vadinho caiu no samba com aquele exemplar entusiasmo, característico de tudo quanto fazia, exceto trabalhar. Rodopiava em meio ao bloco, sapateava em frente à mulata, avançava para ela em floreios e umbigadas, quando, de súbito, soltou uma espécie de ronco surdo, vacilou nas pernas, adernou de um lado, rolou no chão, botando uma baba amarela pelo boca onde o esgar da morte não conseguia apagar de todo o satisfeito sorriso do folião definitivo que ele fora”.
Jorge Amado
Dona Flor e seus dois maridos
(Colecção Mil Folhas – Junho de 2002)
A Rosa de Hiroshima
Foi há 63 anos, mas é imperioso não esquecer, por maioria de razão quando se fala de forma demente num novo holocausto nuclear que vitimaria dezenas de milhões de pessoas.
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada
Vinícius de Moraes
terça-feira, agosto 05, 2008
É preciso ler um pouco
É preciso ler um pouco de tudo.
É preciso ler um pouco de psicologia, para descobrir o poço sem fundo da alma.
É preciso ler um pouco de poesia, para penetrar nesse poço sem fundo, e nele afundar até o gozo.
É preciso ler um pouco de teologia, para descobrir que indo mais fundo no poço sem fundo encontraremos a Deus.
É preciso ler um pouco do jornal do dia, para descobrir que o mundo já chegou ao fundo do poço, mas ainda continua descendo.
É preciso ler um pouco de geologia, para descobrir novos poços sem fundo nesse mundo fecundo.
É preciso ler um pouco de magia, para descobrir no fundo do poço mais fundo o enigma mais profundo.
É preciso ler um pouco de filosofia, para descobrir que o mundo não é imundo, é apenas um poço sem fundo dentro de outro poço ainda mais fundo.
É preciso ler um pouco de biologia, para descobrir a vida se debatendo no fundo, no fundo mais fundo do poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de antropologia, para descobrir que somos esse próprio poço sem fundo, fundamento de tudo o que somos.
É preciso ler um pouco de arqueologia, para descobrir uma cidade no poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de astronomia, para descobrir que o céu é também um poço sem fundo, oceano negro em que nadam estrelas e interrogações.
É preciso ler um pouco de espeleologia, para descobrir que a caverna sem fundo guarda outros tantos poços sem fundo.
É preciso ler um pouco de filologia, para decifrar a linguagem do poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de metodologia, para descobrir os caminhos que há dentro do poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de etruscologia, grafologia, nefrologia, opsologia, ovniologia, papirologia, parapsicologia, piretologia, pomologia, psefologia, selenologia e todas as logias possíveis, para descobrir o poço sem fundo da nossa curiosidade.
É preciso ler um pouco de tudo, embora seja muito pouco. Que esse pouco, porém, seja suficiente para nos fazer vislumbrar no poço sem fundo a ausência desse fundo.
Ler um pouco de tudo, mas ler a fundo esse pouco.
Ler um pouco, tendo como pano de fundo a sede de saber.
Ler um pouco, mas, mesmo sendo pouco, ler contrafundo.
Ler um pouco, a fundo perdido.
Gabriel Perissé*
*professor e escritor
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
segunda-feira, agosto 04, 2008
Não há Vagas
Buscamos vagas
nas casas, nas mágoas
no ofício de Gente
no prato do irmão
Buscamos as vagas
nos muros, na arte
e nos arremates
de vida e de sorte
E na morte
buscamos a paz
e as chagas das vagas
das quais poucas jazem
Mas os senhores da ordem
justos e prestos
buscam informatizar
as alas do inferno
E, ao menos, poderemos
morrer mais tranqüilos
sem enfrentar filas
nos barrancos, estradas, asilos
Antônio Massa*
*poeta brasileiro
domingo, agosto 03, 2008
Prematuro?
Serafim foi ao cartório registrar seu primeiro filho. Precisava de duas testemunhas e chamou Pedro Fiscal e Orico do Bar, que iam passando. Os dois aceitaram o convite, mas Pedro Fiscal comentou malicioso:
- Ô, Serafim, você casou só faz um mês. Esse teu filho não nasceu meio adiantado não?
- Não, não. Ele nasceu no prazo certo, o casamento é que foi meio atrasado.
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
sábado, agosto 02, 2008
Apologia do extermínio
Benny Morris é um historiador israelita, que parece mover-se bem nos meios políticos e militares do estado judaico e ter acesso privilegiado aos planeadores estratégicos de Israel.
Apesar de se considerar a si próprio politicamente de esquerda, publicou no jornal de referência estado-unidense The New York Times, em 18 de Julho passado, um artigo significativamente intitulado Utilizar Bombas para Evitar a Guerra, no qual advoga nada mais nada mesmo que o holocausto nuclear do Irão.
A leitura do artigo é arrepiante, como o é o facto de ter sido publicado no respeitável jornal da elite bem pensante nova-iorquina, facto que constitui uma espécie de aval a todas as loucuras dos falcões israelitas.
Não seria a primeira vez que as palavras de Benny Morris cheiram a premonição. Em entrevista publicada em 9 de Janeiro de 2004 no jornal israelita liberal Haaretz, curiosamente intitulada “A Sobrevivência dos mais Aptos? ”, o Sr. Morris afirmou, entre muitas outras enormidades acerca do povo palestino, o seguinte: algo como uma jaula tem de ser construído para eles. Eu sei que isso soa horrivelmente. Isso é realmente cruel. Mas não há escolha. Há um animal selvagem por aí que tem de ser enjaulado de uma forma ou de outra. Logo a seguir foi o que se viu e ainda vê: construção do muro da vergonha, bloqueio marítimo e terrestre, privação de electricidade...
Depois de toda a campanha desenvolvida pelo inefável Sr. W. contra o Irão, com o apoio incondicional de Israel e a política da “Maria vai com as outras” do resto do ocidente, principalmente da União Europeia, é sintomático que a auto-proclamada imprensa “livre” não tenha feito qualquer abordagem crítica dos postulados de Morris, cujo alcance está bem patente neste artigo de David Bromwich, professor da universidade de Yale, ou neste outro do sociólogo James Petras.
Por cá, moita carrasco! Ou os patrões habituais mandaram silenciar os arautos da "imprensa livre", ou a Maddie, a Quinta da Fonte e até mesmo a Esmeralda são bem mais importantes do que setenta milhões de iranianos ameaçados de extermínio.
sexta-feira, agosto 01, 2008
Evocação
Lembram-se do célebre programa O Planeta dos Homens, com os grandes Jô Soares, Paulo Silvino e Agildo Ribeiro, em que este último interpretava um professor de mitologia que falava “axim” e tinha um mordomo a quem insultava, chamando-o de "múmia paralítica" e outros impropérios, sempre que ele tocava uma sineta quando o professor se desviava frequentemente dos temas das suas aulas e começava a suspirar por uma tal Brrruunna?
Pois parece que a Bruna, um espanto de modelo que virou actriz (excelente) e escritora (que dizem ser muito boa e injustamente ignorada), está bem e recomenda-se.
Como testemunho de que uma cara bonita também pode saber escrever bem, no dia do seu 56º aniversário aqui fica o poema “Princípio”:
Na paixão de um homem, na inquietude
das feras, no vermelho
que o fio da lâmina provoca
o olho acostumado a perscrutar
as máscaras, as almas, o que não se confessa.
Na origem profunda do ser
Onde tudo começa
na sua luta contra o tempo
e contra a natureza
em tudo há o desgaste
em tudo o conflito se apresenta
raiz do ataque e defesa
há o mar, a fúria do mar
e a força da rocha que o enfrenta.
Bruna Lombardi