How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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sexta-feira, novembro 30, 2007
Abdicação
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa* - Cancioneiro
* no 72º aniversário do seu falecimento
quinta-feira, novembro 29, 2007
Disputas laborais insólitas (II)
Fred Raine foi recompensado com £ 2.300,00 após um tribunal industrial ter reconhecido que o seu antigo empregador, Lee’s Coaches, em Langley Moor, Reino Unido, lhe tinha pago pouco quando ele deixou a companhia devido a doença, em 2005. Nada de extraordinário nesse facto, mas o mesmo não pode ser dito da forma de pagamento escolhida pelo seu ex-patrão, Malcolm Lee. A primeira tranche da indemnização, no montante de mil libras esterlinas, foi paga através de cheque, mas as restantes mil e trezentas libras foram-lhe colocadas à porta de casa numa caixa cheia de moedas, com o peso de 69 quilos e 850 gamas. Raine descreveu o gesto como “inaceitável” e disse que ia consultar o seu advogado.
quarta-feira, novembro 28, 2007
Nasceu há 300 anos
O corpo de Abel encontrado por Adão e Eva - De William Blake
A Poison Tree
I was angry with my friend:
I told my wrath, my wrath did end.
I was angry with my foe:
I told it not, my wrath did grow.
And I watered it in fears,
Night and morning with my tears;
And I sunned it with smiles,
And with soft deceitful wiles.
And it grew both day and night,
Till it bore an apple bright.
And my foe beheld it shine.
And he knew that it was mine,
And into my garden stole
When the night had veiled the pole;
In the morning glad I see
My foe outstretched beneath the tree.
William Blake
O corpo de Abel encontrado por Adão e Eva - De William Blake
A Poison Tree
I was angry with my friend:
I told my wrath, my wrath did end.
I was angry with my foe:
I told it not, my wrath did grow.
And I watered it in fears,
Night and morning with my tears;
And I sunned it with smiles,
And with soft deceitful wiles.
And it grew both day and night,
Till it bore an apple bright.
And my foe beheld it shine.
And he knew that it was mine,
And into my garden stole
When the night had veiled the pole;
In the morning glad I see
My foe outstretched beneath the tree.
William Blake
A falta de Erico Verissimo
Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.
Carlos Drummond de Andrade*
Homenagem ao amigo Erico Verissimo, falecido em 28 de Novembro de 1975
terça-feira, novembro 27, 2007
Uísque e mulher ranzinza
Eu tinha doze garrafas de uísque na minha adega e minha mulher me disse para despejar todas na pia, porque se não...
- Assim seja! Seja feita a vossa vontade, disse eu, humildemente. E comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha ingrata tarefa.
Tirei a rolha da primeira garrafa e despejei o seu conteúdo na pia, com exceção de um copo, que bebi.
Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma maneira, com exceção de um copo, que virei.
Arranquei a rolha da terceira garrafa e despejei o uísque na pia, com exceção de um copo, que empinei.
Puxei a pia da quarta rolha e despejei o copo na garrafa, que bebi.
Apanhei a quinta rolha da pia, despejei o copo no resto e bebi a garrafa, por exceção.
Agarrei o copo da sexta pia, puxei o uísque e bebi a garrafa, com exceção da rolha.
Tirei a rolha seguinte, despejei a pia dentro da garrafa, arrolhei o copo e bebi por exceção.
Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas, que escondi atrás do banheiro, para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço que tinha feito, de acordo com as ordens da minha mulher, a quem não gosto de contrariar, pelo mau gênio que tem.
Segurei então a casa com uma mão e com a outra contei direitinho as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram exatamente trinta e nove. Quando a casa passou mais uma vez pela minha frente, aproveitei para recontar tudo e deu noventa e três, o que confere, já que todas as coisas no momento estão ao contrário.
Para maior segurança, vou conferir tudo mais uma vez, contando todas as pias, rolhas, banheiros, copos, casas e garrafas, menos aquelas duas que escondi e acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca ...
Barão de Itararé
Apparício Torelli, Barão de Itararé, o Brando, (1895/1971), "campeão olímpico da paz", "marechal-almirante e brigadeiro do ar condicionado", "cantor lírico", "andarilho da liberdade", "cientista emérito", "político inquieto", "artista matemático, diplomata, poeta, pintor, romancista e bookmaker", como se definia, era gaúcho e é um dos maiores humoristas de todos os tempos. Dele disse Jorge Amado: "Mais que um pseudônimo, o Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote nacional, malandro, generoso, e gozador, a lutar contra as mazelas e os malfeitos".
O Barão de Itararé deixou o nosso convívio em 27 de Novembro de 1971
segunda-feira, novembro 26, 2007
Estação
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça.
Mário Cesariny*
*no primeiro aniversário da sua ausência
Domingo na Praia
Sol de manhã
Galera no cio
Lira do delírio
Lirismo e desvario.
Dialética do Rio
Idílio permitido
Entre Ipanema e Ramos
Todos nós estamos.
Multipli-Cidade!
Cumpli-Cidade!
Sincretismo carnal!
Dos Tupis e Tapuias
Tapioca e paçoca.
Do quilombo d'Angola
Cânhamo e cannabis
Santarém e Bragança
Herança Lusitana.
Lírica do Rio
Larica carioca
Bunda balançando?
Bagunça tropical!
Seios a saçaricar
Pernas a se roçar
Perseguidas a ciscar
Passarinhos atrás de ninhos.
Lúdica paisagem
Mestiça libertinagem
Nem quero saber sua idade.
Quero você por perto
Orgia a céu aberto.
Bocas calam, corpos falam
Falos fluem, periquitas voam.
Musica-lidade!
Multi-cultura-lidade!
Plasti-Cidade!
Simpli-Cidade!
Ricardo Muniz de Ruiz*
*poeta carioca – no dia do seu 51º aniversário
domingo, novembro 25, 2007
Sabia que...(V)
Em Bolder, no Colorado, Estados Unidos, é ilegal matar um pássaro dentro dos limites da cidade e também “ter” animais de estimação – os cidadãos da cidade, legalmente falando, são meros “guarda-costas dos animais de estimação”?
No Vermont, Estados Unidos, as mulheres têm de ter autorização escrita dos maridos para puderem usar dentadura postiça?
Em Londres, é ilegal fazer sinal a um táxi para parar se se tiver a peste?
sábado, novembro 24, 2007
Êxtase
Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carícia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.
Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delírio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.
Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.
Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.
Cruz e Sousa*
*poeta barsileiro
sexta-feira, novembro 23, 2007
Disputas laborais insólitas
Sue Storer, uma professora de 48 anos de idade na Escola Secundária de Bedminster Down, em Bristol, Reino Unido, tentou conseguir, junto do Tribunal de Apelação do Trabalho, uma indemnização por perdas e danos no valor de um milhão de libras por discriminação sexual e por ter sido “obrigada” a resignar, alegando que tinha sido forçada a sentar-se numa cadeira que fazia uns ruídos embaraçosos de cada vez que ela se mexia. “Comentava-se regularmente em tom jocoso que a minha cadeira produzia sons semelhantes a peidos* e com muita frequência tive de pedir desculpas, dado que não era eu, era a minha cadeira”, disse. Disse ainda que os seus pedidos de uma nova cadeira tinham sido repetidamente ignorados, enquanto aos seus colegas homens eram dadas elegantes cadeiras tipo executivo. A sua pretensão foi recusada pelo Tribunal.
*(ventosidade sonora expelida pelo ânus, mas com o acordo ortográfico vai ser peido mesmo, ué!)
quinta-feira, novembro 22, 2007
Bizarrias judiciais (III)
Em 2005, Marina Bai, uma astróloga Russa, processou a NASA em cerca de 250 milhões de euros por “interromper o equilíbrio do universo”. Alegou que a sonda espacial Deep Impact da Agência Espacial dos Estados Unidos, a qual se destinava a colidir contra um cometa para recolher material resultante do impacto, para análise, era um “acto terrorista”. Um tribunal de Moscovo considerou que a Rússia tinha jurisdição para analisar a pretensão, mas esta acabou por ser rejeitada.
***
Em 2005, o Tribunal de Apelação do Massachusetts foi chamado a decidir se uma técnica sexual era perigosa. Uma bela manhã, bem cedo, um homem e uma mulher, com uma relação duradoira, estavam entretidos a ter relações sexuais. Durante o acto apaixonado e sem o consentimento do homem, a mulher retorceu-se repentinamente de tal forma que provocou ao homem uma ruptura do pénis, o que requereu uma cirurgia de emergência. O tribunal decidiu que, embora uma conduta sexual “temerária” talvez possa ser objecto de acção judicial, uma conduta “simplesmente negligente” não o era, pelo que encerrou o caso.
quarta-feira, novembro 21, 2007
O Bem Supremo
Muito discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (...) Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal são quimeras. Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.
Fortuna: - O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia: - Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: - Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude: - Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.
Teve o pomo a Virtude.
A fábula é engenhosa, mas não resolve o problema absurdo do supremo bem. Virtude não é bem, senão dever. Pertence a um plano superior. Nada tem que ver com as sensações dolorosas ou agradáveis. Com cálculos e gota, sem arrimo, sem amigos, privado do necessário, perseguido, agrilhoado por um tirano voluptuoso aboletado no fausto, o homem virtuoso é infelicíssimo, e o perseguidor insolente que acaricia uma nova amante no seu leito de púrpura, felicíssimo. Podeis dizer ser preferível o sábio perseguido ao perseguidor impertinente. Podeis dizer amar a um e detestar o outro. Mas esqueceis-vos de que le sage dans les fers enrage. Se não concordar o sábio, engana-vos: é um charlatão.
Voltaire - in Dicionário Filosófico
Retirado do Citador
terça-feira, novembro 20, 2007
Onde estão os mártires? (II)
Menos de uma mês decorrido sobre a “fantochada” encenada em Roma para a beatificação de 498 padres e freiras espanhóis mortos durante a Guerra Civil Espanhola, todos afectos ao Caudilho, o presidente da Conferência Episcopal Espanhola apresentou, ontem, um pedido de desculpas sem precedentes pelo papel da Igreja Católica naquela Guerra Civil.
Até agora, a Igreja Católica sempre tinha realçado o seu papel de vítima na guerra que, ao fim de quatro anos, acabou com a vitória de Francisco Franco e marcou o início da ditadura fascista em Espanha, que durou até à morte do ditador, em 20 de Novembro de 1975.
Mas ontem, o presidente da Conferência Episcopal afirmou que a Igreja deve pedir perdão por “actos concretos” ocorridos durante o dilacerante período de guerra. “ Em muitas ocasiões temos razões para agradecer a Deus por aquilo que foi feito e pelas pessoas que agiram, mas, provavelmente, noutros momentos... deveríamos pedir perdão e mudar de direcção”, disse à Conferência Episcopal Ricardo Blauez, bispo de Bilbau.
Muitos bispos, na assistência, pareceram ficar estupefactos com o inesperado pedido de desculpas, entre eles António Maria Rouco Varela, bispo de Madrid , antecessor de Ricardo Blauez e reconhecido defensor da “linha dura” no seio da Igreja.
O bispo de Bilbau também enfureceu os conservadores ao elogiar um bispo que é tido como figura chave na transição da Espanha da ditadura para a democracia, nos anos 70. Vicente Enrique y Tarancon – o chamado “Bispo Vermelho”, vituperado por muitos conservadores pelos seus esforços de distanciar a Igreja de Franco após a morte do ditador - foi qualificado por Ricardo Blauez como “um eficiente instrumento de reconciliação”.
É caso para dizer: mais vale tarde do que nunca!
segunda-feira, novembro 19, 2007
Amanhecer
Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas,
saem vespas, abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste, onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.
Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam, despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.
Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã...
João Guimarães Rosa* (in Magma)
*poeta brasileiro, no 40º aniversário do seu falecimento
domingo, novembro 18, 2007
Sabia que...(IV)
No Reino Unido é um acto de traição colar um selo postal com a efígie do(a) monarca de cabeça para baixo?
De acordo com as Tax Avoidance Schemes Regulations de 2006, no Reino Unido é ilegal não dizer ao cobrador de impostos algo que não se quer que ele saiba, embora não seja obrigatório dizer-lhe coisas que não tem importância que ele saiba?
Os barcos da Royal Navy que entram no Porto de Londres têm de dar um barril de rum ao Constable da Torre de Londres?
sábado, novembro 17, 2007
Bizarrias judiciais (II)
Em 2004, um advogado alemão, Dr. Juergen Graefe, representou uma pensionista idosa de St Augustin, perto de Bona, a quem tinha sido enviada uma notificação para pagamento de impostos no montante de 287 milhões de euros, apesar de os rendimentos da senhora serem apenas de 17 mil euros. O Dr. Graefe resolveu o problema com uma simples “carta chapa” enviada às autoridades fiscais, mas a lei Alemã permite-lhe calcular os seus honorários com base no montante da redução de impostos obtida, pelos que os fixou em € 440,234,00, que irão ser pagos pelo estado. Não há provas de que tenha tentado a sua sorte escrevendo uma carta de agradecimento.
***
Em 2005, uma brasileira processou o seu companheiro, culpando-o pelo facto de ela não conseguir atingir o orgasmo. A mulher, de 31 anos de idade, de Jundiai, argumentou, no seu processo, que o companheiro, de 38 anos, acabava habitualmente a relação sexual após ele próprio ter atingido o orgasmo. Após um início promissor, a acção acabou numa espécie de anti-clímax para a senhora, quando as suas pretensões foram rejeitadas pelo Tribunal.
sexta-feira, novembro 16, 2007
...e António Aleixo...
...deixou-nos há 58 anos.
Mote
Morre o rico, dobram sinos;
Morre o pobre, não há dobres...
Que Deus é esse dos padres,
Que não faz caso dos pobres?
António Aleixo
In memoriam
Jose Saramago...
...completa hoje 85 anos.
Eu luminoso não sou
Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.
José Saramago
Longa vida, José!
quinta-feira, novembro 15, 2007
Lugar
La luz agria de tu barrio
me ronda con tus cristales.
Por entre mis manos fluye
el agua añil de la tarde.
El aire queda vencido
en la pared de mi carne.
Las esquinas giran locas
alrededor de mi talle.
Pájaros perdidos cantan
porque mi lengua no hable.
La llama de mis cabellos
negra se tuerce en el aire.
Por el cielo va deshecha
la flor de mis voluntades.
¡Ay, se me corta la vida
en el cristal de esta tarde!.
Joaquín Romero Murube*
*poeta sevilhano
quarta-feira, novembro 14, 2007
Metamorfose
Repara: - a imóvel crisálida
Já se agitou, inquieta,
Cedo, rasgando a mortalha,
Ressurgirá borboleta.
Que misteriosa influência
A metamorfose opera!
Um raio de sol, um sopro!
Ao passar, a vida gera.
Assim minh’alma, inda ontem
Crisálida entorpecida,
Já hoje treme, e amanhã
Voará cheia de vida.
Tu olhaste - e do letargo
Mago influxo me desperta:
Surjo ao amor, surjo à vida
À luz de uma aurora incerta.
Júlio Dinis – 1 de Maio de 1860
(Obras completas - Círculo de Leitores - Dezembro de 1992)
terça-feira, novembro 13, 2007
Sabia que...(III)
No Ohio, Estados Unidos, é contrário à lei estadual embebedar um peixe?
No Alabama, Estados Unidos, é ilegal vendar os olhos de um condutor, quando este for a conduzir um veículo?
No Reino Unido é ilegal morrer nas Casas do Parlamento (Houses of Parliament), mais conhecidas por Palácio de Westminster?
Em São Salvador, os condutores embriagados podem ser punidos com a morte perante um pelotão de fuzilamento?
segunda-feira, novembro 12, 2007
Todas as crianças
"Todas as crianças querem a paz no mundo, mas nem todas são educadas livres da ótica da discriminação, do preconceito, em condições de encarar, como dotados de igual dignidade, brancos, negros, amarelos e indígenas.
Todas as crianças gostam de falar com Deus, mas nem todas aprendem que Deus ama, sem distinção, muçulmanos, judeus, cristãos, adeptos do candomblé, do Santo Daime, e até mesmo quem não crê.
Todas as crianças necessitam brincar, mas nem todos os pais têm condições de evitar que enveredem pela senda do trabalho precoce, do ponto de esmola na esquina, da exploração sexual, das sendas do crime.
Todas as crianças adoram perder tempo com seus amigos e amigas, mas algumas tornam-se adultas antes do tempo, devido à agenda sobrecarregada imposta pela família, com aulas de balé e natação, de idiomas e de música, sem nunca terem se sujado no barro. Ou, empobrecidas, são obrigadas a lutar desde cedo pela sobrevivência.
Todas as crianças são dotadas de incomensurável fantasia, mas muitas não têm sonhos próprios, porque delegaram à TV o direito de imaginar por elas. Assim, crescem saturadas de (des)informações que não processam, vulneráveis em seu código de valores e confusas quanto aos princípios éticos a serem abraçados.
Todas as crianças são generosas, mas nem sempre há quem lhes ensine partilhar o que acumulam nos armários, na lancheira e no coração.
Todas as crianças precisam de muito amor, mas nem todas conhecem quem preste atenção no que falam e fazem, passeie com elas nos fins de semana, evite barganhar o carinho sonegado por presentes e promessas.
Todas as crianças gostam de doces, mas nem todas são educadas para apreciar frutas e verduras, evitando desde cedo preencher com a boca o que lhes falta no coração.
Todas as crianças adoram ouvir histórias, mas nem todas conhecem quem se disponha a contar-lhes o mundo da carochinha ou a ler para elas os textos sagrados.
Todas as crianças imitam adultos que admiram, mas nem todas aprendem a conhecer Jesus e Francisco de Assis, Gandhi e Che Guevara, e crescem empolgadas com o exterminador do passado, do presente e do futuro.
Todas as crianças são sedentas de alegria, mas como esperar que sorriam se os adultos discutem na frente delas ou expressam seu racismo, seu ódio e sua ganância por dinheiro e bens?
Todas as crianças ignoram a morte como ameaça real, e nenhuma delas se propõe a matar o semelhante, a fabricar ou comercializar armas, a bombardear populações civis. Se uma criança rouba, droga-se ou mata é porque o mundo dos adultos condenou-a a ser o reverso de si mesma.
Todas as crianças adoram sonhar, mas se não encontram pelo caminho quem infle os seus sonhos, como um balão que voa rumo à utopia, correm o risco de buscar na química das drogas o que lhes falta em auto-estima.
Todas as crianças são convencidas de que, entregue nas mãos delas, o mundo seria bem melhor, pois nenhuma delas suporta ver o semelhante com fome, na miséria ou vítima de guerras.
Todos nós deveríamos cultivar para sempre a criança que um dia fomos."
Frei Betto
Retirado daqui
Nota: Este é um texto dedicado a todas as crianças, de ambos os sexos. Decidi reproduzi-lo aqui depois de ter lido os insultos que um anónimo me dirigiu na caixa de comentários do blogue da minha amiga bianca castafiore, apenas porque não alinhei nas louvaminhices a uma pseudo defensora de alguns “meninos” portugueses.
domingo, novembro 11, 2007
Bizarrias judiciais
Em 2004, Timothy Dumouchel, de Fond du Lac, Wisconsin, Estados Unidos, processou uma companhia de televisão por fazer com que a mulher engordasse e por transformar os seus filhos em “surfistas de canais mandriões”. Disse: “Eu creio que a razão pela qual fumo e bebo todos os dias e a minha mulher é obesa é porque temos vistos TV diariamente nos últimos quatro anos”. O caso manteve ocupados, durante uns tempos, pelo menos dois dos então 1.058.662 advogados existentes nos Estados Unidos, mas não chegou ao Supremo Tribunal.
****
Em 2007, um tribunal da Índia foi chamado a decidir se um preservativo vibrador é um anticonceptivo ou um brinquedo sexual. Os preservativos contêm um dispositivo em formato de anel que funciona a pilhas e, para evitar dúvidas, é comercializado com a nome de Crezendo. Os oponentes argumentam que é um brinquedo sexual e, como tal, ilegal na Índia, ao passo que a empresa produtora afirma que é um contraceptivo e um meio de promover a saúde pública. O processo ainda decorre.
Nota: Quem estiver interessado, pode procurar no Google e descobrir que em Portugal é vendido com o mesmo nome, em pacotes de 3, pelo menos numa grande superfície.
sábado, novembro 10, 2007
Como um archote
Vem tudo à superfície.
Como se
dentro da casa
um maremoto levantasse
as pedras todas, uma a uma; como se
no centro, iluminadas,
as esferas rodassem
no seu eixo - tudo
de repente se inclina, tudo arde
nesta fogueira acesa
como um archote de sangue, uma lua
de enxofre.
Albano Martins*
*poeta português contemporâneo
sexta-feira, novembro 09, 2007
Sabia que...(II)
Em França é proibido chamar Napoleão a um porco?
Na cidade de Londres é ilegal um táxi transportar cães raivosos ou cadáveres?
A cabeça de qualquer baleia encontrada morta na costa Britânica é, legalmente, propriedade do Rei e, por seu lado, a cauda pertence à Rainha, no caso de ela necessitar dos ossos para o corpete?
Na Indonésia, a punição para a masturbação é a decapitação?
quinta-feira, novembro 08, 2007
Especulação
Todos os dias somos confrontados com novos máximos do preço do petróleo nos mercados de Nova Iorque e Londres, o qual se aproxima perigosamente dos 100 dólares por barril, se é que não os ultrapassou já no momento em que escrevo.
Os motivos apresentados pelos jornalistas e pelos vários “especialistas” ouvidos ou lidos de quando em vez variam desde o aumento da procura por parte da China e da Índia, à insuficiência das reservas dos Estados Unidos, passando pela guerra no Iraque, as sanções ao Irão ou o receio de invasão do Curdistão iraquiano por parte da Turquia, sem esquecer as tempestades no golfo do México.
Mas a verdadeira causa pode ser apenas uma e tem o nome de especulação. Há alguns meses, andava o barril pelos 70 dólares, ouvi uma entrevista de Hugo Chaves a afirmar que 50 dólares seria um preço justo. Agora, o ministro do petróleo da Índia, Sr. M. S. Srinivasan, que não consta que tenha inclinações socialistas, fez uma recomendação pouco ortodoxa e quase blasfema para os ouvidos dos neo-liberais paladinos da economia de mercado sem controlo. Retirar o crude das Bolsas de Mercadorias de Nova Iorque e Londres, eliminando pura e simplesmente os intermediários.
“Não há, neste momento, constrangimento no fornecimento e a procura não está fora de controlo”, disse o Sr. Srinivasan numa entrevista em Nova Deli, acrescentando que a sua comercialização em mercados como o Nymex (New York Mercantile Exchange) está a contribuir “enormemente” para os preços altos. Se o crude fosse eliminado das mercadorias (ou commodities, como dizem os tais especialistas) transaccionadas no Nymex, o mundo “assistiria a uma redução drástica do preço”, referiu ainda.
A recomendação do Sr. Srinivasan está baseada na crença, altamente difundida, de que os investidores estão a inflacionar artificialmente os preços. Bancos, Fundos de Pensões e Hedge Funds investiram, nos últimos anos, rios de dinheiro no comércio do petróleo, apostando num aumento da procura. Embora não haja consenso entre os analistas sobre o aumento do preço que poderá ser imputado a tais investidores, as estimativas variam entre 10 e 30 dólares por barril.
E o Sr. Srinivasan não está sozinho. Vozes tão díspares como Mohammad Alipour-Jeddi, responsável pela análise de mercado da OPEP, e William F. Galvin, secretário de estado no Massachusetts, responsabilizaram os especuladores pelo aumento dos preços. “Existe crude suficiente nos mercados”, disse o Sr. Alipour-Jeddi na segunda-feira. Problemas na refinação e “actividades especulativas” estão a forçar o aumento dos preços, acrescentou.
E assim, enquanto alguns enchem os bolsos em actividades que, mesmo sendo perfeitamente legais, não deixam de ser eticamente condenáveis, a maioria do planeta sufoca com os aumentos dos preços, quer o do petróleo em si quer o de todos os bens cujos preços são enormemente influenciados por aquele.
(Fontes: The New York Times e The Washington Post)
A Nuvem
Sulcas o ar de um rastro perfumoso
Que os nervos me alvoroça e tantaliza,
Quando o teu corpo musical desliza
Ao hino do teu passo harmonioso.
A pressão do teu lábio saboroso
Verte-me na alma um vinho que eletriza,
Que os músculos me embebe, e os nectariza,
E afrouxa-os, num delíquio langoroso.
E quando junto a mim passas, criança,
Revolta a crespa, luxuosa trança,
Na espádua arfando em túrbidos negrumes,
Naufraga-me a razão em sombra densa,
Como se houvera sobre mim suspensa
Uma nuvem de cálidos perfumes!
Teófilo Dias *
*poeta brasileiro
Do livro Fanfarras (1882)
quarta-feira, novembro 07, 2007
Sabia que...
Há leis mesmo ridículas, em qualquer parte do mundo. Por cá, já houve a célebre proibição de utilizar isqueiro, a menos que fosse “debaixo de telha”, o que levou muito boa alma a andar com um pedaço de telha partida no bolso, para fugir à punição.
Mas, sabia mesmo que:
No Reino Unido, uma mulher grávida pode “aliviar-se” onde muito bem lhe der na gana, inclusive, se assim o solicitar, dentro do capacete de um polícia?
No mesmo Reino Unido, um homem que se veja forçado a urinar em público pode fazê-lo, desde que aponte para a sua roda traseira e mantenha a mão direita sobre o seu veículo?
Na cidade de York é legal assassinar um Escocês dentro dos muros da cidade antiga, mas só se ele for portador de arco e flecha?
Metamorfose
Súbito pássaro
dentro dos muros
caído,
pálido barco
na onda serena
chegado.
Noite sem braços!
Cálido sangue
corrido.
E imensamente
o navegante
mudado.
Seus olhos densos
apenas sabem
ter sido.
Seu lábio leva
um outro nome
mandado.
súbito pássaro
por altas nuvens
bebido.
Pálido barco
nas flores quietas
quebrado.
Nunca, jamais
e para sempre
perdido
o eco do corpo
no próprio vento
pregado.
Cecília Meireles*
*poetisa carioca
terça-feira, novembro 06, 2007
Poesia
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu - eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.
Sophia de Mello Breyner Andresen*
*no 88º aniversário do seu nascimento
segunda-feira, novembro 05, 2007
Viagem
Vida: vagão de um trem
a qualquer hora
a soltar-se pelos trilhos.
Se fendem as trancas
na ferrugem das peças,
nenhuma alavanca detém a carga.
Sigo. Passageira sem estação de rota.
Quando vou, estou indo de volta
como se por mim tudo fosse outra vez
sem ter sido nunca a primeira.
Meu corpo é minha bagagem
arma atenta à cicatriz
que não fecha
e a que se cava
em tua ausência
materializada na cadeira vazia.
Ao meu lado, o passado:
sentença do efêmero,
algema sem trancas.
Sigo como um vagão
desgarrado do comboio,
querendo ainda obedecer
ao freio das alavancas
Aíla Sampaio*
*poetisa brasileira
domingo, novembro 04, 2007
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
Carlos Marighella*
São Paulo, Presídio Especial, 1939
*poeta e político brasileiro, assassinado em São Paulo pela Junta Militar, em 4 de Novembro de 1969.
sábado, novembro 03, 2007
Não me deixes!
Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
"Ai, não me deixes, não!
"Comigo fica ou leva-me contigo
"Dos mares à amplidão;
"Límpido ou turvo, te amarei constante;
"Mas não me deixes, não!"
E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não!"
E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não!"
Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.
A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não!"
Gonçalves Dias*
*poeta brasileiro
sexta-feira, novembro 02, 2007
Poeta
Quando a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.
Humildes, pobres cousas, como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou -
Em num, o antigo tempo é nova idade.
Sou fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.
Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.
Teixeira de Pascoaes
quinta-feira, novembro 01, 2007
MAIS UMA VEZ
o menino chora no meio da noite
no meio da praça
no meio do coração.
o menino chupa laranjas e abismos
as bombas caem.
está sozinho no meio do oceano
no meio de cem milhões
no meio do infinito.
o menino desenha navios submersos
enquanto chovem granadas
enquanto mais uma vez
o povo é saqueado.
o menino chora sob um turbilhão
de cavalos em febre
sob um teia de equívocos e fracassos.
estamos no meio da noite barroca
no meio da praça
onde os tiranos engolem o ouro
no meio do coração torturado
por mil punhais envenenados
e um punho de sombra redigindo lei imóveis.
o menino uiva um labirinto
(não há pai nem mãe
nem lembrança de ternura
para consolar o pranto).
o menino uiva uma farpa de cristal
um relâmpago de estrelas podres
o abandono definitivo
(não há luz no quarto
onde o menino chora
sob um fedor de sinfonia
estarrecida).
no meio da fome
no meio da morte
no meio do coração.
Afonso Henriques Neto*
*poeta brasileiro