How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
quarta-feira, setembro 19, 2007
A bacia de Pilatos
A nação está perplexa e indignada. Na cara da maioria dos políticos e, particularmente, dos jornalistas que acompanharam o caso do Senador Renan Calheiros e sabiam as manobras escusas que usava a partir de seu cargo de presidente da Casa, para se manter no poder, se estampava decepção e abatimento. E com razão, pois o Senado se transformou num sinédrio, cheio de herodianos, aliados do poder dominante. Esses votaram a favor e 6 se abstiveram. Exatamente o número que Renan precisava para escapar-se da punição. Abster-se é dizer não à cassação. Supõe-se que muitos destes votos, secretos, vieram do PT e aliados. O Senador Mercadante revelou seu voto de abstenção. A líder do PT no Senado, Ildeli Salvati, cabalava votos em favor de Renan e deve ter se abstido, facilitando a vitória do acusado.
A propósito de falta de decoro por permitir que um lobista pagasse suas contas pessoais referentes ao filho que tivera com sua amante isso se chamava antigamente de adultério público - descobriram-se muitas outras irregularidades graves, atestadas pela polícia federal e pelo jornalismo investigativo da televisão. Esta foi ao local, em Alagoas, documentou em som e em cores as mentiras e falsas alegações de Calheiros, o que comprovava ainda mais sua falta de decoro. Além do mais, mentiu aos Senadores e sonegou informações e documentos ao conselho de ética.
Aliados do absolvido falaram em vitória da democracia. Que democracia? Esta, convencional no Brasil, encurtada e farsesca, montada em cima de conchavos, do uso do poder público em benefício próprio, infectada de tráfico de influência e de desvio de dinheiros públicos?
O que envergonha os cidadãos é verem Senadores, alguns velhos provectos, sem qualquer dignidade, verdadeiros mafiosos do poder, voltarem as costas à sociedade e fazerem-se cegos e surdos ao clamor das ruas. Estão tão enjaulados em seus privilégios na redoma do Senado que nem lhes importa o que a mídia e a opinião pública pensam deles.
Mas, o que envergonha mesmo é a recaída de membros do PT. São pecadores públicos contumazes. Já haviam antes enviado a ética nem sequer para o limbo, mas diretamente para o inferno. Agora repetiram o ato pecaminoso. Por isso, são desprezíveis como Pilatos. Este se acovardou diante do povo e condenou Jesus. Mas, antes fez um gesto que passou à história como símbolo de pusilanimidade, de covardia e de falta de caráter. Diante do povo, lavou as mãos com água. Essa bacia de Pilatos foi ressuscitada no Senado. Mas a água não é água. São lágrimas dos indignados, dos cansados de ver injustiças e dos dilacerados diante da contínua impunidade.
A "onorebile famiglia Calheiros" tem novos membros em sua máfia. Todos os que se abstiveram, podem acrescentar a seus nomes o sobrenome de Calheiros. Como revelou publicamente seu voto, o Senador Aloísio Mercadante merece agora ser chamado de Aloisio Mercadante Calheiros. Pelo esforço da argumentação em favor da não cassação de Renan, a Senadora Ildeli Salvatti merece que lhe apodemos de Ideli Salvatti Calheiros. Ela fez a figura inversa da mulher do covarde Pilatos que o advertiu: "não te comprometas com este justo, pois sofri muito hoje em sonhos por causa dele". Ela e outros devem estar sofrendo muito, sim, roídos pela má consciência. Esse sofrimento transparece em seus olhos revirados e em seus rostos desfigurados.
O povo não merece ser representado por espíritos menores, faltos de ética, desavergonhados e esquecidos de que são meros delegados do poder popular. Que mostrem a cara, que falem ao povo, que se expliquem por quê, diante de tantas provas, dos relatórios da comissão de ética e do clamor das ruas, puderam agir de forma tão traiçoeira.
Leonardo Boff
Retirado daqui
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