A Benção da
Locomotiva
A obra está
completa. A máquina flameja,
Desenrolando
o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes
de partir mandem chamar a Igreja,
Que é
preciso que um bispo a venha baptizar.
Como ela é
concerteza o fruto de Caím,
A filha da
razão, da independência humana,
Botem-lhe na
fornalha uns trechos em latim,
E
convertam-na à fé Católica Romana.
Devem nela
existir diabólicos pecados,
Porque é
feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da
natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos
nós dos ventres maternais!
Vamos,
esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a
heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de
vir das forjas d'Inglaterra,
E há-de ser
com certeza um pouco protestante.
Para que o
monstro corra em férvido galope,
Como um
sonho febril, num doido turbilhão,
Além do
maquinista é necessário o hissope,
E muita
teologia... além de algum carvão.
Atirem-lhe
uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe
alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na
caldeira um jorro d'água benta,
Que com água
do céu talvez não possa andar.
(Guerra
Junqueiro faleceu faz hoje 92 anos)
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