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quinta-feira, abril 30, 2015

Construir

Construir sobre a fachada do luar das nossas terras
Um mundo novo onde o amor campeia, unindo os homens
de todas as terras
Por sobre os recalques, os ódios e as incompreensões,
as torturas de todas as eras.
É um longo caminho a percorrer no mundo dos homens.
É difícil sim, percorrer este longo caminho
De longe de toda a África martirizada.
Crucificada todos os dias na alma dos seus filhos.
É difícil sim, recordar o pai esbofeteado
pelo despotismo dum tirano qualquer,
a irmã violada pelo mais forte, os irmãos morrendo nas minas
Enquanto os argentários amontoam o oiro.
É difícil sim percorrer esse longo caminho
Contemplando o cemitério dos mortos lançados ao mar
Na demência dum louco do poder, caminhando impune
para a frente, sem temer a justiça dos homens.
É difícil sim, perdoar os carrascos
Esquecer as terras donde nos escorraçaram
As galeras transportando nossas avós para outros continentes
Lançando no mar as cargas humanas
Se os navios negreiros têm lastro em demasia, é difícil sim,
Esquecer todos esses anos de torturas e inundar o mundo
De luz, de paz e de amor, na hora fatal do ajuste de contas.
É difícil sim, mas um erro não justifica outro erro igual.
Na construção de um mundo novo à sombra das nossas
Terras maravilhosas, juramos não sofrer uma afronta igual
Mas receber conscientes o amor onde há fraternidade
Espalhando assim o grito potente da nossa apregoada selvajaria
Mas essa hora tarda e os gritos do deserto espreitam
Por sobre as nossas cabeças encanecidas da longa espera
Mas os nossos sonhos hão-de abrir clareiras nos eternos luares
Dos nossos desertos assombrados.


(poetisa são-tomense nascida faz hoje 89 anos)

quarta-feira, abril 29, 2015

Gonzaguinha faleceu faz hoje 24 anos
Definição

Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento
não percorre a tarde com o seu canto alucinado,
que só os loucos pressentem, para que tu
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém,
para quem se decida a reconhecê-los; e os próprios
passos encontram a direcção fácil nos sulcos
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,
entra nesse campo; não receies o horizonte
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente,
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço,
o quarto fechado das sensações,
a respiração que a terra ouve
pelos ouvidos da treva.


(Nuno Júdice faz hoje 66 anos)

terça-feira, abril 28, 2015

Aviso Prévio

o sonho
uma borboleta

quando menos
se espera
a gente acorda

e vai-se
embora
sem deixar
aviso prévio


(poeta cearense falecido faz hoje 3 anos)

segunda-feira, abril 27, 2015

Cinzas

Uma hora virá
de profundo silêncio.

A imobilidade
da anestesia da tarde.

Nem sequer o tremor
de asas de uma libélula.

Por que te amei?
Perguntarei, incoerente.

Mas nenhuma resposta
Nem da brisa.


(poeta paulista nascido faz hoje 94 anos)

domingo, abril 26, 2015

Transmutação

Nascemos carne. E a cada dia
Nos vamos transformando em sonho.
Há sempre um patamar tristonho
Na escada em que antes não havia.

Há sempre um quarto em que vivemos
E nunca vimos. Sempre há um morto
Que bate à porta. Há sempre um porto
Que jamais houve e de onde viemos.

Há uma manhã cinza na feira
Que não se acaba há muitos anos.
Há uma mulher, nua entre panos,
Que não é nossa a vida inteira.

O tempo espera, inalterado
Como um licor, que nós subamos
Por ele abaixo, nós que vamos
Descendo-o acima em passo ousado.

Atrás há a aurora. À frente o nada.
No meio a confusão das luas.
Ah! quem voltasse às mesmas ruas
Em senso inverso, até a entrada.

Quem desse as costas à saída
Certa e voraz, e, dessa sorte,
Fosse afastando-se da morte
Até a primeira hora da vida
E seu mistério, e se encarnasse
Nos seus eus idos, e fugisse
Por si acima, até que ouvisse
O choro antigo, e ainda o passasse.

Nascemos carne, e ao sonho vamos.
Somos o fio que desfaz
Toda a tapeçaria, mas
Quem é que o puxa, nem sonhamos.

Vamos fazendo-nos de ar
De crianças rijas que já fomos,
Vamos como explodindo em gomo
De ser, um fruto a se espalhar.

Nossos amigos são de vento
Cada vez mais. As nossas casas
Grãos que o sol doura. Soam asas
No nosso cofre mais sedento.

Para isso apenas nos gerastes,
Para ser sonho, mães de sonho.
Há sempre um pássaro medonho
Nos nomeando entre umas hastes.

Há sempre um baile de sumidos
Na íntima praça inexistente.
Há um branco sol sempre presente
Na noite em que vamos perdidos.

Há um rosto cruel que nos exorta.
E escadas. E a manhã na feira
Que vai durando a vida inteira.
Há o patamar. E um beijo. E a porta.


(poeta carioca que hoje faz 52 anos)

sábado, abril 25, 2015

Abril

Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.

Era Abril.

Havia um vento
que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto das mães cansadas.

Era Abril
que descia aos tropeções
pelas ladeiras da cidade.

Abril
tingindo de perfume os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.

Era Abril
o mês imprescindível que trazia
um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.

Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um mês.

Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.

Ardiam as palavras
Nesse mês
e foram vistos
dicionários a voar
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.

Era Abril que veio e que partiu.

Abril
a deixar sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.

José Fanha

sexta-feira, abril 24, 2015

Formosura ideal

Esta visão que em sonhos me aparece,
e que, mesmo sonhando, me resiste,
por que foge, por que desaparece,
mal eu desperto, apaixonado e triste?

Por que, branca e formosa resplandece
como uma estrela, e a torturar-me insiste,
se é certo, - oh! dor cruel que me enlouquece!...
que ela somente no meu sonho existe?

Cheia de luz e de pureza e graça,
- alma de flor e coração de estrela -
ela, sorrindo, nos meus sonhos passa...

E sempre a mesma angústia dolorida:
branca e formosa dentro d´alma tê-la,
sem poder dar-lhe forma e dar-lhe vida!


(poeta gaúcho nascido a 24 de Abril de 1870)

quinta-feira, abril 23, 2015

Les Evenements

Havia o céu - eis tudo
(e um azul
incompatível
com a minha dignidade
de poeta
sufocado
pelos acontecimentos)

No teu seio, de pé, o Minotauro,
e a paz que me ofertavas - tão impura -
mergulhava no mundo das raízes.
Havia a catalogar os nomes,
(desde Adão ao último da Silva)
os dias,
(amontoados à sombra de uma solitária inquietude)
as raças,
(segundo as suas características mais pronunciadas:
o estúpido, o neutro, o bem-amado).
Havia a considerar o trágico e o grotesco
(as cartas,
os aniversários,
o velho álbum de fotografias
onde ao virar da página
perdia-se a fralda e a castidade)
os fantasmas,
(rigorosamente classificados segundo a ordem e a hierarquia)
as doenças,
(observadas pela maior ou menor frequência dos desesperos
ou diagnosticadas pela relativa fidelidade
ao último poema)

Depois o abandono,
completo,
absoluto,
(nem um sopro de fé para deter-me,
nem um lenho de cruz para deitar-me)


(poeta paraense falecido faz hoje 25 anos)

quarta-feira, abril 22, 2015

Fruta

Quitanda de fruta verde,
dá-me um gomo de laranja
para matar a sede.

Ou, então, será melhor
dar-me um veneno qualquer
porque eu ando perturbado
e o meu sonho anda queimado
por uns olhos de mulher!

- Minha senhora, laranja,
limão, fresquinho, caju,
ananás ou abacate!...

E a quitandeira passou,
saudável, viva, graciosa,
com uma flor desfolhada
no seu sorriso escarlate.

E no ar um som de música ficou
e um perfume de fruta
que não matou minha sede

Oh agridoce quitanda
da fruta verde!...


(poeta constanciense nascido a 22 de Abril de 1900)

terça-feira, abril 21, 2015

Nina Somone faleceu faz hoje 13 anos
Olha-me de novo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta


Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.


(poetisa paulista nascida faz hoje 85 anos)

segunda-feira, abril 20, 2015

O labirinto dos dias

Perco-me
no labirinto
dos dias

Ganho-me
no labirinto
dos dias

A poesia
é o perde-ganha

E o labirinto
dos dias
é o labirinto
dos dias


(Adília Lopes faz hoje 55 anos)

domingo, abril 19, 2015

Minha Grande Ternura

Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos;
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser.
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite de um túmulo.


(poeta pernambucano nascido a 19 de Abril de 1886)

sábado, abril 18, 2015

Ars poética

Enquanto procuravam conceituar a poesia
E velavam sua face
Com palavras perfeitas,
Enquanto marcavam com sinais agudos
As fronteiras do domínio poético,
Enquanto a inteligência perseguia o mistério -
Veio descendo a tarde
E uma doçura mortal
Envolveu a rua e o mundo.
No céu quase roxo,
No céu incerto e delicado,
Asas escuras fugiam
Do noturno próximo
E, subitamente, sinos
Soluçaram.


(poeta carioca nascido faz hoje 109 anos)

sexta-feira, abril 17, 2015

Indo ao Fundo das Coisas

A nossa morada terrena
contrair-se-á progressivamente
até cada antípoda ficar
sobre o seu antípoda.


(cientista e poeta dinamarquês falecido faz hoje 19 anos) 

(tradução de Natália Bebiano e F. J. Craveiro de Carvalho)

quinta-feira, abril 16, 2015

Selena faria hoje 44 anos. Foi assassinada aos 23
Medo da morte

Medo da morte?
Acordarei de outra maneira,
Talvez corpo, talvez continuidade, talvez renovado,
Mas acordarei.
Se até os átomos não dormem, por que hei-de ser eu só a dormir?


(Alberto Caeiro “nasceu” em Lisboa faz hoje 126 anos)

quarta-feira, abril 15, 2015

Terra de ninguém

A sala recende
A terra molhada,
A caule úmido e raiz apodrecida.

As flores sobre o cadáver
Contraem pétalas enregeladas.
A figura de cera no caixão bordado
Sorri como um cego sorri
Com ar de náusea.

Os convidados expandem uma tristeza festiva.
O defunto recusa
Qualquer comunicação com a humanidade
Que lhe é de todo indiferente agora.
(Ele que morreu "pela Causa" e recebe honras fúnebres.)

Em sua torre de marfim,
Sob o céu absoluto da paisagem devastada,
Reina, altivo. (Há coroas, há bandeiras na sala.)

Passante! descobre-te e não rias,
Respeita a morte e o fedor de sua glória.


(poeta carioca falecido faz hoje 24 anos)
A Mais Bela Noite do Mundo

Hoje,
será o fim!

Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!

Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
- Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!

- Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!

(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).

Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.

- Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.

Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.

(Era esta a voz do papão
que acendia a vela, tinha regaço de sombra
e velava
as noites da minha rua e a minha vida
e pintava-se de belo
na máscara de papelão).

Hoje,
será o fim!

Hoje,
nem a sombra do que há-de vir,
nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
nem a fragilidade dos meus pés
feitos de barro e cansaço!
Todas as minhas revoltas domadas,
todos os meus gestos em meio
e as minhas palavras sufocadas
terão a sua hora de viver e amar!

Hoje,
nem o cadáver a sorrir na morgue,
nem as mãos que ficaram angustiosas,
arrepiadas
no seu medo de findar!

Hoje,
será a mais bela noite do mundo!


(Fernando Namora nasceu faz hoje 96 anos)

terça-feira, abril 14, 2015

In Memoriam
Percy Sledge faleceu hoje, aos 73 anos

Colunas do tempo

Ardem meus pés na turfa da existência,
pés doridos de avanços e recuos,
nem há como atenuar a dor intensa
que é látego de nervos e perguntas.

Sinto-me planta um plátano partido
pés fincados no chão,
estaca lavrada e fria
relegada à beira do caminho.

É o que resta da vida em labirinto
esgalhada em mil aspirações,
vida barroca incerta e retorcida
à sombra de arabescos e ouropéis.

Como as colunas dóricas perduram!
Esguias retilíneas intocáveis
em sua heráldica forma para o alto,
sem frisos ou volutas perturbando
a serena ascensão vertical.

Quem já se lembra dos antigos ritos
à luz do templo-templo eleusínio
na secreta unidade da semente
donde brotam vitórias e derrotas
que são vaidade e cruz da espécie humana?

É tarde, é muito tarde!
Nem há mais púlpito ou monge que o proclame
para que as horas voltem à sua fonte
na comunhão dos homens e dos deuses.

 (escritor paulista falecido faz hoje 9 anos)

segunda-feira, abril 13, 2015

O mestre

Ele vivia em si próprio
como um corvo numa torre sem telhado.

Para me aproximar eu tinha de escalar
longas e agrestes muralhas desertas
e não estremecer, nem erguer o olhar
à procura de um olhar vigilante
no canto onde ele tivesse o seu retiro.

Deliberadamente ele abria
o seu livro do segredo
uma página de cada vez
e nada era arcana, só as velhas regras
que todos tínhamos inscrito nas lousas.
Cada carácter estampado no pergaminho, seguro
no seu volume e medida.
A cada máxima dado o seu espaço.

Diz a verdade. Não tenhas medo.
Noções duradouras, obstinadas,
como martelos e cunhas de pedreiros
comprovados pelos rigores do seu uso.
Quais cumeeiras onde se repouse
no refrigério de uma nascente.

Como me senti frágil ao descer
as escadas sem protecção, contra a muralha,
escutando o propósito e a empresa
lá em cima, num golpe de asa.


(poeta irlandês nascido faz hoje 76 anos – Nobel 1995) 

Tradução de Rui Carvalho Homem

domingo, abril 12, 2015

Regresso

Andam no ar
Poemas negros
De cor amarga
Misturados à voz rouca
Dos camiões.
Desertas
Frias
Despidas
As cubatas esperam:
Mulheres e homens,
Nas cubatas,
Vozes
Riem
Escutam
Choram
Histórias iguais a muitas.

Nalgumas
O pranto
Inda é maior.


(poeta angolano nascido faz hoje faz 79 anos)

sábado, abril 11, 2015

Minha Terra

Minha Terra embalada pelas ondas,
Lindo país de mouras encantadas,
Onde o amor tece lendas e onde as fadas
Em castelos de lua dançam rondas…

Oh meu Algarve, quero que me escondas…
Que na treva da morte haja alvoradas!
Hei-de sonhar com moiras encantadas,
Se eu dormir embalado pelas ondas…

Quando o sol emergir detrás da Serra,
Sempre será o sol da minha terra
A fecundar-me o chão da sepultura…

Ao pé dos meus, na minha aldeia querida,
A morte será quase uma ventura,
A morte será quase como a vida…


(poeta altense falecido faz hoje 62 anos)