Transmutação
Nascemos
carne. E a cada dia
Nos vamos
transformando em sonho.
Há sempre um
patamar tristonho
Na escada em
que antes não havia.
Há sempre um
quarto em que vivemos
E nunca
vimos. Sempre há um morto
Que bate à
porta. Há sempre um porto
Que jamais
houve e de onde viemos.
Há uma manhã
cinza na feira
Que não se
acaba há muitos anos.
Há uma
mulher, nua entre panos,
Que não é
nossa a vida inteira.
O tempo
espera, inalterado
Como um
licor, que nós subamos
Por ele
abaixo, nós que vamos
Descendo-o
acima em passo ousado.
Atrás há a
aurora. À frente o nada.
No meio a
confusão das luas.
Ah! quem
voltasse às mesmas ruas
Em senso
inverso, até a entrada.
Quem desse
as costas à saída
Certa e
voraz, e, dessa sorte,
Fosse
afastando-se da morte
Até a
primeira hora da vida
E seu
mistério, e se encarnasse
Nos seus eus
idos, e fugisse
Por si
acima, até que ouvisse
O choro
antigo, e ainda o passasse.
Nascemos
carne, e ao sonho vamos.
Somos o fio
que desfaz
Toda a
tapeçaria, mas
Quem é que o
puxa, nem sonhamos.
Vamos
fazendo-nos de ar
De crianças
rijas que já fomos,
Vamos como
explodindo em gomo
De ser, um
fruto a se espalhar.
Nossos
amigos são de vento
Cada vez
mais. As nossas casas
Grãos que o
sol doura. Soam asas
No nosso
cofre mais sedento.
Para isso
apenas nos gerastes,
Para ser
sonho, mães de sonho.
Há sempre um
pássaro medonho
Nos nomeando
entre umas hastes.
Há sempre um
baile de sumidos
Na íntima
praça inexistente.
Há um branco
sol sempre presente
Na noite em
que vamos perdidos.
Há um rosto
cruel que nos exorta.
E escadas. E
a manhã na feira
Que vai
durando a vida inteira.
Há o
patamar. E um beijo. E a porta.
(poeta
carioca que hoje faz 52 anos)
Bela série.
ResponderEliminarGostei de conhecer este poeta e , sim, a vida é uma escada que se sobe , descendo.
Bom domingo