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quarta-feira, dezembro 31, 2014

A Lua e a rosa

No silêncio estrelado
a Lua se dava à rosa
e o aroma da noite
enchia - sedenta boca -
o paladar do espírito,
que adormecendo sua angústia
se abria ao céu nocturno
de Deus e sua Mãe toda...

Toda cabelos tranquilos,
a Lua, tranquila e só,
acariciava a Terra
com seus cabelos de rosa
silvestre, branca, escondida...
A Terra, desde suas rochas,
soprou suas entranhas
fundidas de amor, seu aroma ...

Entre os arbustos, seu ninho,
era outra lua a rosa,
toda cabelos enrolados
no berço, sua corola;
as cabeleiras enroladas
da Lua e da rosa
e no cadinho da noite
fundidas numa só...

No silêncio estrelado
a Lua se dava à rosa
enquanto a rosa se dava
à Lua, quieta e só.


(Miguel de Unamuno faleceu a 31 de Dezembro de 1936)

terça-feira, dezembro 30, 2014

Brecht

Em verdade, ele viveu em tempo de trevas.
Os tempos ganharam em luz.
Os tempos ganharam em trevas.
Quando a luz diz: Eu sou as trevas,
Disse a verdade.
Quando as trevas dizem: Eu sou
A luz, não mentem.


(escritor alemão falecido faz hoje 19 anos) 

Tradução de João Barrento

segunda-feira, dezembro 29, 2014

Verdes serenos verdes  

verdes perfis
serenas estradas
rotas
palavras que dormem como barcos
pela metade das casas  

brancas              mágicas
suspensas 
por  asas.

palavras miraculosas
que
nos chamam devagar  

palavras -diamantes
ru-
mo
rosas  

num amplexo de ar


(poetisa coimbrã que hoje faz 69 anos)

domingo, dezembro 28, 2014

Pelo dever

PELO DEVER

de resistir e caminhar
pelos destroços da nossa utopia,
eis-nos aqui de novo, acocorados,
aqui onde o tempo pára
e as coisas mudam.

E PARA QUE O NOSSO SONHO RENASÇA

com a levitação do vento e do grão,
eis-nos aqui de novo,
passivos como os espelhos,
no tear da nossa existência.

ESTE SEMPRE SERÁ

O nosso amanhecer.
E a nossa perseverança
é como a da erva daninha
que lentamente desponta na pedra nua.


(poeta moçambicano que hoje faz 52 anos)

sábado, dezembro 27, 2014

MORTE: SUAS CONTAS DE DIVIDIR

O horizonte divide-nos nas suas mentiras:
ou é uma árvore ou um rio e todos os anzóis que engoliu
ou uma mandíbula de peixe ou o sol: o velho incendiário ambulante.
A morte essa é um maravilhoso número indivisível.


(poeta amarantino nascido a 27 de Dezembro de 1923)

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Jean Ferrat nasceu faz hoje 84 anos
A Encomenda do Silêncio

Já reparaste que tens o mundo inteiro
dentro da tua cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu mundo
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da minha cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu mundo
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos
mas através dos nomes
pois o que tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu tenho dentro da minha cabeça
são os nomes do mundo em brutal compressão
como um filtro ou coador
de forma que nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu que conheço o mundo
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra em ti e o qual entra em mim
através dos nomes que já tem
de forma que o que entra pelos meus olhos não pode
entrar pelos teus olhos
mas só pela tua cabeça através
dos nomes dados pela minha cabeça
àquilo que entrou pelos meus olhos já com nomes
e do mesmo modo
o que entra pelos teus olhos não pode
entrar pelos meus olhos
mas só pela minha cabeça através
dos nomes dados pela tua cabeça
àquilo que entrou pelos teus olhos já com nomes
e assim o que tu vês
já está normalmente dentro de ti antes de tu o veres
e assim o que eu vejo
já está normalmente dentro de mim antes de eu o ver
e tudo quanto tu possas ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de ti
e tudo quanto eu possa ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de mim
e é assim que vamos construindo a nós mesmos pela segunda vez
tu a ti e eu a mim...
construindo urna consciência irrepetível e intransmissível
cada vez mais intensa e em si
tu em ti eu em mim
no entanto continuando a falar um com o outro
tu comigo e eu contigo
cada um
tentando dizer ao outro
como é o mundo inteiro que tem dentro da cabeça
e porque é e para que é
tu o teu mundo que tens dentro da tua cabeça
eu o meu mundo que tenho dentro da minha cabeça
até que morra um de nós
e depois o outro...


(escritor portuense que hoje faz 77 anos)

quinta-feira, dezembro 25, 2014

Natal

O
que
a palavra
Natal
quis dizer é
o que continua
a querer dizer: a
celebração dum nascimento.
A celebração
porque um nascimento é
uma afirmação de vida, uma
afirmação de continuidade
de vida. O nascimento duma criança
deveria ser sempre ocasião para
alegria, júbilo, confiança. Mas a palavra
Natal-nascimento, que durante gerações
simbolizou o renascer da esperança
da salvação, hoje tem cada vez mais uma contrapartida
excessivamente dramática, pois hoje,
quantas são as crianças cujo nascimento é símbolo
de esperança e quantas são aquelas cujo nascimento
é símbolo de miséria, decadência, abandono? Para que
nascem as crianças hoje? Quem as faz nascer? Porque as
fazem nascer? Para quê as fazem nascer? Para que mundo?
Para que destino? Para que esperança? Para que lutas? Para que
sofrimentos? A misericórdia divina precisa do apoio dos homens.
Sejamos instrutivos para os que fazem nascer as crianças sem saberem
porquê e impiedosos para os que as fazem nascer para o desespero
e para o terror. Se o culto do Natal é o culto da criança salvadora da espécie,
da sociedade e do destino dos homens, então que se cuide da criança cuidando
do mundo para onde ela é trazida,
para o mundo onde ela terá de
viver, para que ela possa ser a continuada
afirmação da vida e da esperança.
Não se pode celebrar o símbolo
e descurar o seu fundamento.

 Ana Hatherly
Bach - Jesu, Joy Of Man's Desiring

The Edinburgh Singers

quarta-feira, dezembro 24, 2014

o eterno retorno

me lembro bem, eu já fui um deus
daqueles que moviam mundos e fundos
bastava rir para ver tudo florir
mas aqueles que eu chamava de meus
aqueles que deveriam ter fé
foram virando as costas
e, sem mais nem menos, me largaram a pé
sem perguntas e sem respostas

eu sabia que a sensação de estar só
como tudo nesse mundo
um belo dia, retornaria ao pó
e assim me tornei um vagabundo
um inútil pária das estrelas
um monumento ao nada que sirva
um sinônimo de ovelha
não de pastor ou cristo ou shiva

o mundo era meu, estava escrito,
no entanto, não tomei posse
e nem deixei o bem dito pelo maldito
mas se a luz é sombra até que se mostre
encontrei no breu o farol da volta
a poesia me pegou na veia
e, com mil poetas como escolta,
voltei à vida com a caneta cheia!


(poeta paranaense nascido a 24 de Dezembro de 1950)

terça-feira, dezembro 23, 2014

Foz

Com água no bico
aves marinhas combatem
o incêndio do crepúsculo

Sete da manhã
o sol acorda
com olheiras enormes


(poeta vila-verdense que hoje faz 57 anos)

segunda-feira, dezembro 22, 2014

PARA

TODOS OS AMIGOS DA BLOGOSFERA

UMAS




In Memoriam
Joe Cocker faleceu hoje, aos 70 anos de idade
Gemo

Gemo em tom menor
no acorde rouco
de um plangente violino.

Gemo a sensação
de estar bem leve,
a soltar brados
de gemido rouco.

Gemo bem baixinho
e nesse meu gemido
eu ponho todo o coração.

Gemo, enfim,
na madrugada fria
em boa companhia.

E gemendo continuo
trocando êxtases,
vivendo fôlegos,
amando sôfrego.

Gemo.


(poeta pernambucano que hoje faz 67 anos)

domingo, dezembro 21, 2014

Vida
A Paula Romero
Después de todo, todo ha sido nada,
a pesar de que un día lo fue todo.
Después de nada, o después de todo
supe que todo no era más que nada.
Grito «¡Todo!», y el eco dice «¡Nada!».
Grito «¡Nada!», y el eco dice «¡Todo!».
Ahora sé que la nada lo era todo,
y todo era ceniza de la nada.
No queda nada de lo que fue nada.
(Era ilusión lo que creía todo
y que, en definitiva, era la nada.)
Qué más da que la nada fuera nada
si más nada será, después de todo,
después de tanto todo para nada.


(poeta madrileno falecido faz hoje 12 anos)

sábado, dezembro 20, 2014

Poesia

é a visita do tempo nos teus olhos,
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...


(poeta português nascido em Lourenço Marques a 20 de Dezembro de 1927 e falecido em Espanha em 1975, de acidente de viação)

sexta-feira, dezembro 19, 2014

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


(Alexandre O'Neill nasceu faz hoje 90 anos)
O poeta é o portador

O poeta é o portador. Carrega tudo,
Mas ele mesmo é a carga e o encarregado,
Tal, na aldeia dos sãos, é o surdo-mudo,
Cheio deles e de si, triste pasmado.

A força do Sentido o faz escudo
Do fogo que não pode ser roubado
Enquanto ofereça o coração agudo
À guerra em que nasceu para soldado.

Sua coragem na palavra o espera,
Aguardado silêncio pensativo,
Como a hora que a torre negra dera
Além da meia-noite e antes da hora
Prima, que a madrugada álgida chora,
Lágrima a tempo, átono som cativo.


(Vitorino Nemésio nasceu faz hoje 113 anos)

quinta-feira, dezembro 18, 2014

Cantos de Pisac – III

Astronauta,
A mil millas del mundo que los hombres crearan
Para nunca conducir,
Algo conoces de esta tierra
Y algo olvidas,
Algo conoces de las aguas,
Y relatas solitario a tus espacios:
En Atlántida, cuando se hunde océano
Brillan oxidadas las máscaras de los esclavos.
Piensa ahora que te anudas a las tardes
Con el limo en los ojos.
Piensa, con un niño en el pómulo celeste:
A la vuelta está el viento,
El paisaje deleznable de las nieves.
No temas nunca el mar
Que también tiembla.
No juzgues la carrera del Sol
Coronado por los zorros.
Suelta tus manos en los vuelos ajados del alambre:
En la última esquina del tiempo,
Mendigando en retorno, condenado,
Hallarás las mil fases de lo eterno.


(poeta peruano que hoje faria hoje 73 anos)

quarta-feira, dezembro 17, 2014

Solidão

solidão...

não creio como eles crêem,
não vivo como eles vivem,
não amo como eles amam...

morrerei
como eles morrem.


(Marguerite Yourcenar faleceu faz hoje 27 anos) 

Tradução de Maria da Graça Morais Sarmento
Inverno

Na alva neve,
A rígida mancha azul
Da ave morta.


(Érico Veríssimo nasceu faz hoje 109 anos)

terça-feira, dezembro 16, 2014

Jason Molina faria hoje 41 anos. Faleceu aos 39-
Rosas

Ah! Se eu soubesse
florir rosas no teu coração…
encontraria talvez a paz no mundo


(poetisa cabo-verdiana nascida faz hoje 87 anos)

segunda-feira, dezembro 15, 2014

São assim os meus dias

Pus-me à janela
a ver passar os barcos
carregados de espuma.
Navegavam nos teus olhos verdes
com as flâmulas agitadas
pelos ventos alísios.
Só depois de passarem
reparei que estavas
tão longe de mim
como eu estava dos barcos
carregados de espuma.
São assim os meus dias à janela
enquanto espero pelo teu regresso.


(escritor amadorense que hoje faz 66 anos)

domingo, dezembro 14, 2014

Janelas no Mar

- No meio do mar, há janelas sobre janelas.
- A rede.
Adivinhação africana

Há sobre o mar janelas e janelas:
são redes, são cantigas e são velas.

Panos-da-costa vão se desdobrando
no mistério das águas flutuando.

A floresta é vencida pela areia
mas o mar só se curva à lua cheia.

Anda comigo, amada. O amor humano
pode descer ao fundo chão do oceano.

E ressurgir das águas e sobre elas
caminhar bem mais leve do que as velas.

O céu morreu nas mãos donas do espaço.
Resta a Terra. Tão só! Dá-me teu braço.

Vem comigo. O mar se abre à nossa dor
e os peixes pasmarão com o nosso amor.

E no silêncio móvel copiarão
nossos gestos contidos de paixão.


(escritor maranhense nascido faz hoje 100 anos)

sábado, dezembro 13, 2014