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segunda-feira, abril 30, 2007

Canção do exílio Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas, cubistas, os filósofos são polacos vendendo à prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família tem por testemunha a Gioconda. Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia. Ai quem me dera chupar umas carambolas de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade! Murilo Mendes (Afixado em São Lourenço - Minas Gerais)
LIBERDADE O pássaro é livre na prisão do ar. O espírito é livre na prisão do corpo. Mas livre, bem livre, é mesmo estar morto. Carlos Drummond de Andrade (Afixado em São Lourenço - Minas Gerais)

quarta-feira, abril 25, 2007

Reflexão Há certas almas como as borboletas, cuja fragilidade de asas não resiste ao mais leve contato, que deixam ficar pedaços pelos dedos que as tocam. Em seu voo de ideal, deslumbram olhos, atraem as vistas: perseguem-nas, alcançam-nas, detêm-nas, mas, quase sempre, por saciedade ou piedade, libertam-nas outra vez. Elas, porém, não voam como dantes, ficam vazias de si mesmas, cheias de desalento... Almas e borboletas, não fosse a tentação das cousas rasas; - o amor de néctar, - o néctar do amor, e pairaríamos nos cimos seduzindo do alto, admirando de longe!... Gilka Machado (in Sublimação, 1928) (Afixado no Rio de Janeiro)
Saudades Nas horas mortas da noite Como é doce o meditar Quando as estrelas cintilam Nas ondas quietas do mar; Quando a lua majestosa Surgindo linda e formosa, Como donzela vaidosa Nas águas se vai mirar! Nessas horas de silêncio De tristezas e de amor, Eu gosto de ouvir ao longe, Cheio de magoa e de dor, O sino do campanário Que fala tão solitário Com esse som mortuário Que nos enche de pavor. Então - Proscrito e sozinho - Eu solto aos ecos da serra Suspiros dessa saudade Que no meu peito se encerra Esses prantos de amargores São prantos cheios de dores: Saudades - Dos meus amores Saudades - Da minha terra! Casimiro de Abreu
As Portas que Abril Abriu


Mesmo do outro lado do Atlântico e do outro lado do equador, não posso deixar de recordar a voz pausada de Luís Filipe Costa a ler o comunicado do Movimento das Forças Armadas, na madrugada de 25 de Abril de 1974, tinha eu 24 anos e já lá vão 33.

Para o efeito, escolhi um poema do grande Zé Carlos Ary dos Santos, As Portas que Abril Abriu.

Por mais que os saudosistas recordem o bolor salazarento, por muito que a desilusão se tenha apoderado dos que se lembram, como se fosse hoje, do povo nas ruas, pese embora a muita ignorância que, a respeito dos factos ocorridos, grassa em largas camadas da população, As Portas que Abril Abriu ainda estão entre-abertas. Cabe-nos não deixar que se fechem de todo.

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava

a sua própria pobreza.

...

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!


José Carlos Ary dos Santos

Lisboa, Julho-Agosto de 1975

Devido à sua extensão, o poema completo está em Comentário 1

terça-feira, abril 24, 2007

Ai de mim Copacabana um dia depois do outro numa casa abandonada numa avenida pelas três da madrugada num barco sem vela aberta nesse mar nem mar sem rumo certo longe de ti ou bem perto é indiferente, meu bem um dia depois do outro ao teu lado ou sem ninguém no mês que vem neste país que me engana ai de mim, Copacabana ai de mim: quero voar no concorde tomar o vento de assalto numa viagem num salto (você olha nos meus olhos e não vê nada - é assim mesmo que eu quero ser olhado). um dia depois do outro talvez no ano passado é indiferente minha vida tua vida meu sonho desesperado nossos filhos nosso fusca nossa butique na augusta o ford galaxie, o medo de não ter um ford galaxie o táxi, o bonde a rua meu amor, é indiferente minha mãe, teu pai a lua nesse país que me engana ai de mim, Copacabana ai de mim, Copacabana ai de mim, Copacabana ai de mim. Torquato Neto (Afixado em Copacabana - Rio de Janeiro)
O POETA E A LUA Em meio a um cristal de ecos O poeta vai pela rua Seus olhos verdes de éter Abrem cavernas na lua. A lua volta de flanco Eriçada de luxúria O poeta, aloucado e branco Palpa as nádegas da lua. Entre as esferas nitentes Tremeluzem pelos fulvos O poeta, de olhar dormente Entreabre o pente da lua. Em frouxos de luz e água Palpita a ferida crua O poeta todo se lava De palidez e doçura. ardente e desesperada A lua vira em decúbito A vinda lenta do espasmo Aguça as pontas da lua O poeta afaga-lhe os braços E o ventre que se menstrua A lua se curva em arco Num delírio de volúpia. O gozo aumenta de súbito Em frêmitos que perduram A lua vira o outro quarto E fica de frente, nua. O orgasmo desce do espaço Desfeito em estrelas e nuvens Nos ventos do mar perpassa Um salso cheiro de lua. E a lua, no êxtase, cresce Se dilata e alteia e estua O poeta se deixa em prece Ante a beleza da lua. Depois a lua adormece E míngua e se pazígua... O poeta desaparece Envolto em cantos e plumas Enquanto a noite enlouquece No seu claustro de ciúmes. Vinícius de Morais
O bicho Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Manuel Bandeira (Rio, 27 de Dezembro de 1947)
CANÇÃO MÍNIMA No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta. Cecília Meireles (Afixado no Rio de Janeiro)

sábado, abril 21, 2007

Interregno


Parafraseando o inefável PSL, vou "andar por aí" durante três semanas.

Não sei se, para onde vou, terei possibilidades de afixar alguns textos, mas vou tentar.

De qualquer modo, não terei hipóteses de visitar as "tasquinhas" que me são familiares, pelo que peço relevem a minha ausência.







Amável oferta do autor
Tiradentes


Parte das minhas visitas vêm do Brasil. Do Rio, de São Paulo, de Minas Gerais, do Ceará e de outros Estados desse imenso País.

Por isso, não podia deixar de assinalar o dia de hoje, feriado nacional no Brasil por ser o dia da morte de Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, considerado o Patrono Cívico do País.

Tiradentes foi condenado à morte, decapitado e esquartejado em 21 de Abril 1792, por ordem da nossa Raínha Louca, D. Maria I, porque assumiu a total responsabilidade de um movimento originário de Minas Gerais, chamado Inconfidência Mineira, que visava a independência da colónia portuguesa que, então, o Brasil era.

Sendo um dos Inconfidentes de menor estatuto social, foi atraiçoado, mas não denunciou ninguém. Foi o único condenado à morte, tendo os os restantes participantes no movimento sido condenados ao degredo, em África.

Ao procurar um poema que lhe fosse dedicado, deparei com a página de um poeta relativamente jovem, João Barcellos, que escreveu este primor:

Oh, Tiradentes!

nos lugares por onde passaste e puseste tua fala
ficaram expostas as tuas partes
enforcaram-te porque ao bruto império disseste não

cortadas as partes
salgadas foram

para que o império uno também no além-mar
d’el-rei soubesse e sentisse a mão pesada

cortadas as partes
salgadas foram

enquanto os poetas íam pela vela enfunada na bolina
preencher punição nas partes africanas em danado destêrro
foi-se o romântico bulir da revolução no estêrco
imperial das afonsinas e filipinas ordenações da justiça

cortadas as partes
salgadas foram

com mirradas gotas d’água benta em benção ensanguentada
fúnebre cortejo que a alma brasileira há-de sempre lembrar

cortadas as partes
salgadas foram

se assim o era nos arraiais d’el-rei assim a revolução
foi decepada em todas as partes
e não somente as tuas porque ainda agora ouvimos a tua fala

João Barcellos (Ouro Preto - 1998)

(Tiradentes Esquartejado, quadro de Pedro Américo - 1893)
Sílvio Romero

Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero , nascido a 21 de Abril de 1851, foi um crítico literário, ensaísta, poeta, filósofo, professor e político brasileiro.

A sua poesia enquadra-se na terceira geração do romantismo, influenciada por Vitor Hugo.

Autor de vasta obra, foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras.



A alma

Aqui da fronte é que desponta a aurora,
Aqui do peito só que o amor se exala;
Grega sublime, Psiquê formosa,
Num sonho doce quem te ouvira a fala,
O riso meigo, o harmonioso anseio
Dos teus enlevos!... Nas madeixas tuas
Ah! quem pousara de um suspiro, ao menos,
O tênue mimo... nas espáduas nuas!

Mas, sonhadora, que altivez é essa?
Deixando os lábios, vais beijar as flores?
Dá que o teu seio deslumbrante e meigo
Nos mostre a vida dentro em seus fervores,
O vento fresco das manhãs saudosas,
O azul da vaga, que desperta agora,
Todo o sussurro, que os jasmins ondeiam,
Por tuas graças é que tudo adora.

Oh! bela imagem das ternuras brandas,
O teu perfume pelo céu foi feito;
Tu, que acordaste de uma cisma aos frocos
Envolta, e nua do sidéreo leito,
Lindo o teu corpo, que as paixões desfolhas
Já de cansadas de te ver ausente,
Dize - nas dobras de teu seio - oculta
Também uma alma não palpita e sente?

Como que a vida se evapora em risos,
Lá no sacrário dessa noiva santa!,
As nuvens louras dos cabelos soltos,
Rosada a boca, que as manhãs encanta,
Inda mais bela se às estrelas fala,
Não... não é tudo... mas o puro espanto
Dos seus olhares, que refletem mudos
A glória e a sorte em divinal quebrando?!

Sim, ver-lhe o corpo, na expressão de um sonho,
Tingida a neve pela cor das rosas,
Tão transparente, que a sua alma em êxtase
Mostra-se toda nas feições mimosas,
Ver como um susto lhe descora a face,
Como um anelo lhe intumesce o seio,
É ter a fronte sepultada em brilhos
Longe os mistérios desvendando a meio.

Sentir-lhe a vida perfumosa, em ondas
Rolando cheia, borbulhando em flores,
E sob o colo lhe ver a alma aberta
Em seus eflúvios, lá nos seus fulgores,
Belo espetáculo! E como todo o riso
São devaneios, são caprichos vagos,
Como os desejos os ondulamentos
De alguma idéia que suspira afagos!...

O céu brilhante dessa plaga helênica
Sopra a bafagem perfumosa e amena,
E lá dos astros desce o encanto fúlgido,
A paz, a calma, a mansidão serena.
E com os enleios de sereia lânguida,
E com os arroubos de bacante louca,
Todos os sonhos, palpitantes, túmidos,
Abrem as asas... A amplidão é pouca!

É da alma a empresa. Que expansões suaves!
Assim Homero devassara a sorte,
Platão entrava na surtida, às vezes,
Trazendo sempre mais um raio forte.
Aqui da América na agitada arena
Cada um suspiro traz um céu no fundo,
A cada idéia não sacia um astro,
Que nós sentimos vacilar o mundo.

Sim,nós provamos que o tufão que passa
Traz-nos de longe alguma nova infinda;
Que a flor aberta à madrugada amável
Sabe um segredo que não disse ainda.
Voai desejos! aquecei-vos todos
À luz sagrada deste sol que brilha
Mas que parece também procura
D´outras grandezas a sonhada trilha

Sílvio Romero

(Em Cantos do fim do século,1878)

sexta-feira, abril 20, 2007

Augusto dos Anjos


Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, nascido a 20 de Abril de 1884, foi um poeta brasileiro que fez a transição do simbolismo e do parnasianismo para o modernismo, sendo classificado por muitos críticos literários como pré-moderno.

Tendo vivido apenas 30 anos (morreu de pneumonia em 1914), deixou um único livro de poemas editado, a que chamou Eu, e alguma poesia dispersa por periódicos em que colaborou. Após a sua morte, o seu amigo Órris Soares organizou uma edição chamada Eu e Outras Poesias, que incluiu poemas até então não publicados.

Famoso pela originalidade temática e vocabular, Augusto dos Anjos recorreu a uma infinidade de termos científicos, biológicos e médicos ao escrever os seus poemas, nos quais expressa, por princípio, um pessimismo atroz.

Quer em vida quer quando morreu, ninguém o reconheceu . Ninguém o compreendeu, ninguém lhe leu os versos nos cafés superficialmente afrancesados do Rio de Janeiro, e é até conhecida a cena de um dos seus raros admiradores que leu um soneto de Augusto dos Anjos a Olavo Bilac e recebeu a resposta desdenhosa: "É este o seu grande poeta? Fez bem ter morrido!"

Quem salvou a fama póstuma de Augusto dos Anjos foi o seu povo, do Nordeste e do interior do Brasil. A abundância de estranhas expressões científicas e de palavras esquisitas existente nos seus versos atraiu os leitores semi-cultos que, muito provavelmente, não compreendiam nada da sua poesia, mas ficavam fascinados pelas metáforas de decomposição dos seus versos, tal e qual como estavam em decomposição as suas vidas.

Nada menos do que 31 edições do seu livro Eu dão testemunho dessa imensa popularidade, que repeliu os leitores exigentes ( e os pseudo cultos), de tal modo que, até durante a fase modernista da literatura brasileira, os versos de Augusto dos Anjos passaram por exemplos de mau gosto.Foram alguns poucos leitores dedicados que conseguiram reivindicar e restabelecer a verdadeira grandeza de Augusto dos Anjos: Álvaro Lins, Antônio Houaiss, Francisco de Assis Barbosa e alguns outros.

Constitui uma curiosidade o facto de um exemplar do Eu fazer parte da Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por causa dos termos científicos que utilizou na sua obra.

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -

Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


Augusto dos Anjos

quinta-feira, abril 19, 2007

Lord Byron


George Gordon Byron, sexto Lord Byron, falecido em Missolonghi, na Grécia, a 19 de Abril de 1824, apenas com 36 anos de idade, foi um poeta inglês, considerado um dos escritores mais versáteis e importantes do Romantismo. A sua fama não advém, apenas, da sua escrita, mas também da sua vida repleta de escândalos, como por exemplo as suas numerosas amantes, dívidas e acusações de incesto e sodomia.

Escritor prolífico, publicou o seu primeiro livro de poesia, Horas de Ócio, aos 19 anos, o qual não foi muito bem recebido pela crítica. Aos 21 anos ingressou na Câmara dos Lordes e, em seguida, empreendeu uma viagem de 2 anos por vários países da Europa, entre os quais Portugal, Espanha, Albânia, Malta e Grécia.

A sua passagem por Portugal foi marcada por um infortúnio amoroso causado por um marido ciumento, o que, segundo biógrafos seus, está na origem das depreciativas referências que faz, não só a Portugal mas também aos Portugueses, numa das sua obras primas A Peregrinação de Childe Harold.

De regresso a Inglaterra, em 1812, publicou os dois primeiros cantos de A Peregrinação de Childe Harold, uma espécie de diário poético que revela os seus estados de alma. Este poema obteve êxito estrondoso e tornou famoso Lord Byron, tanto pela sua forma de cultivar o oriental e o exótico como pela sua meditação filosófica de ordem romântica. Nele, o poeta apresenta-se a si mesmo como um característico filho do seu tempo, um janota misterioso e homem fatal para si mesmo e para os outros. Os terceiro, quarto e quinto cantos serão escritos, entre 1816 e 1818, em Itália, onde continua a sua vida caracterizada pelo escândalo e pelo abuso do álcool.

Entre 1818 e 1824 escreveu a outra sua obra prima, embora inacabada, Don Juan, obra satírica em tom burlesco. Em 1833, 9 anos após a sua morte, o seu editor publicou 17 volumes de toda a sua obra, incluindo a biografía de Thomas Moore. Don Juan, em 17 cantos, foi um dos mais importantes grandes poemas publicados em Inglaterra, depois de O Paraíso Perdido, de John Milton. Don Juan teve influência a nível social, político, literário e ideológico e serviu de inspiração para os autores vitorianos.

Foi admirado por muitos dos seus contemporâneos , como Goethe, e pelas gerações seguintes, como Edgar Allan Poe.

Soneto de Chillon

Alma eterna da mente sem cadeias!
De mais brilho em masmorras. Liberdade!
Pois lá é o coração a tua herdade -
Ela a quem só por ti o amor enleia;

E quando acorrentados ao relento
Teus filhos em grilhões, cela sombria,
Sua terras conquistam na agonia
E a Liberdade acha asa em cada vento.

Chillon! tua prisão é um santo espaço
E, altar, teu solo triste - pois pisado,
Até que o próprio andar deixasse um traço

Gasto, tal fosse o chão frio um relvado,
Por Bonnivard! Não sumam esses passos!
A tirania, a Deus, têm revelado.


Lord Byron

(tradução de José Lino Grünewald)

quarta-feira, abril 18, 2007

Antero de Quental

Antero Tarquínio de Quental é um dos nomes grandes da literatura portuguesa. Nascido em Ponta Delgada, Açores, a 18 de Abril de 1842, destacou-se, desde jovem, pelas suas opiniões revolucionárias e pela forma de estar na vida: lutador e muito congruente com os seus ideais socialistas.

Antero espalhou saber pela poesia, filosofia e política. Tendo estudado direito em Coimbra, onde brilhou como líder estudantil, esteve envolvido na famosa Questão Coimbrã.

A conhecida disputa literária, ocorrida nos anos de 1865-66, é um marco na nossa literatura. Tudo começou quando António Feliciano de Castilho (velho mestre de Antero) criticou, numa carta-prefácio ao livro Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, a nova geração de poetas, especialmente Antero de Quental e Teófilo Braga. Os dois responderam com outros poemas instigando o sentimento contrário às tradições românticas, políticas e religiosas. Isso fez com que os intelectuais e estudantes se dividissem: de um lado, os defensores de António Feliciano de Castilho, Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão (românticos); do outro, os defensores de Antero de Quental e Teófilo Braga (realistas). A polémica só terminou com um duelo entre Antero e Ramalho, que se saldou por ferimentos ligeiros nos dois. A honra das partes estava salva e Antero e Ramalho tornaram-se amigos.

Juntamente com Eça, Ramalho, João de Deus, Manuel de Arriaga e tantos outros fundou, em 1869 o chamado grupo do Cenáculo, uma espécie de tertúlia onde se discutiam as novas ideias que chegavam da França.

Integrou a redacção de jornais de orientação socialista, como “A República” e o “Pensamento Social” e ajudou a fundar a Associação Fraternidade Operária, representante em Portugal da Primeira Internacional Operária.

Dentro do mesmo espírito de intervenção, participou, em 1871, na organização das “Conferências do Casino”, tendo sido autor de um dos textos mais célebres da série – Causas da Decadência dos Povos Peninsulares .

Antero é considerado o guia espiritual da geração de 70, um agitador político a tempo inteiro, que se afirmou pelo desejo de intervenção e renovação da vida política e cultural portuguesa. Tinha uma personalidade complexa, que oscilava entre a euforia e a mais profunda depressão (o que é hoje conhecido como “doença bipolar”), acabando por se suicidar, com um tiro de revólver, em 11 de Setembro de 1881.

Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Antero de Quental

terça-feira, abril 17, 2007

Chavela Vargas

Isabel Vargas Lizano, mais conhecida como Chavela Vargas, celebra hoje 88 anos de idade; nascida na Costa Rica a 17 de Abril de 1919, fugiu para o México aos 14 anos, tendo adoptado a nacionalidade mexicana e sendo um dos expoentes máximos da tradição”ranchera” daquele país.

A canção “ranchera” é um género musical muito masculino e sensual, cantado, geralmente, por homens. Chavela costumava cantar canções normalmente interpretadas por homens sobre o seu desejo pelas mulheres. Vestia-se como homem, fumava charuto, bebia muito, andava de pistola à cintura e era reconhecida pelo seu característico “poncho” vermelho. Numa entrevista à televisão colombiana, em 2000, expressou abertamente a sua qualidade de lésbica.

O seu primeiro álbum apareceu em 1961 e, desde então, gravou mais de 80 discos. Retirou-se parcialmente em finais dos anos setenta, mas regressou em todo o seu esplendor em 1991.

Em 2002 apareceu no filme Frida, cantando o seu grande clássico Paloma Negra. Na sua juventude ela mesma teve, supostamente, um idílio com a pintora mexicana Frida Kahlo, retratada no referido filme. Também apareceu em Babel, cantando "Tú Me Acostumbraste", imortal bolero de Frank Domínguez.

Paloma Negra

Ya me canso de llorar y no amanece,
ya no se si maldecirte o por ti rezar.
Tengo miedo de buscarte y de encontrarte
donde me aseguran mis amigos que te vas.

Hay momentos en que quisiera mejor rajarme
y arrancarme ya los clavos de mi penar,
pero mis ojos se mueren sin mirar tus ojos
y mi cariño con la aurora te vuelve a buscar.

Ya agarraste por tu cuenta la parranda,
paloma negra, paloma negra ¿dónde andarás?
ya no juegues con mi honra, parrandera,
si tus caricias deben ser mias, de nadie más.

Y aunque te amo con locura: ya no vuelvas,
paloma negra, eres la reja de un penal.
Quiero ser libre, vivir mi vida con quien yo quiera,
Dios dame fuerzas que estoy muriendo por irla a buscar.

Ya agarraste por tu cuenta las parrandas.

(Tomás Mendez Sosa)

segunda-feira, abril 16, 2007

Data Tempo de solidão e de incerteza Tempo de medo e tempo de traição Tempo de injustiça e de vileza Tempo de negação Tempo de covardia e tempo de ira Tempo de mascarada e de mentira Tempo que mata quem o denuncia Tempo de escravidão Tempo de coniventes sem cadastro Tempo de silêncio e de mordaça Tempo onde o sangue não tem rastro Tempo de ameaça Sophia de Mello Breyner Andresen - Livro Sexto, 1962 (CEM POEMAS DE SOPHIA – Secção de José Carlos de Vasconcelos – Visão JL - 2004)

domingo, abril 15, 2007

O Mozart da Matemática


Hoje é mais um dia grande para os amantes da Matemática. Com efeito, há exactamente 300 anos (15 de Abril de 1707), nasceu em Basileia, na Suiça, Leonhard Euler, um dos maiores matemáticos de todos os tempos, a quem alguns têm chamado O Mozart da Matemática.

Em 1727 foi para a Rússia, a convite de Catarina I, viúva de Pedro, O Grande, a quem os irmãos Bernoulli - seus amigos e filhos de Johann Bernoulli, com quem tinha estudado - tinham convencido a chamá-lo. E assim, aos 20 anos, começou a leccionar Física e Matemática na Academia de São Petersburgo.

Viveria na Rússia durante mais de 30 anos, até à sua morte em 1783, em dois períodos de tempo interrompidos pelos 25 anos que trabalhou na Academia das Ciências de Berlim, a convite de Frederico II.

Durante a sua vida escreveu mais de 800 trabalhos, entre livros e ensaios. Em 1775, por exemplo, já praticamente cego, publicou, em média, um ensaio por semana, com uma extenção entre 10 e 50 páginas (para um matemático moderno, a publicação de 20 ensaios durante toda a vida já é considerado um bom resultado)

Em 1988, o jornal The Mathematical Intelligencer, que publica artigos sobre matemática, os matemáticos, e a história e cultura da matemática, pediu aos seus leitores para listar as mais bonitas equações da matemática. Nas 5 primeiras ficaram 3 de Euler (que se podem ver na fotografia), sendo as outras 2 de Euclides.

A número 1 foi a chamada Identidade de Euler, na fotografia (clicar na imagem para aumentar), em baixo, à esquerda. A beleza desta equação reside no facto de ela reunir 5 dos mais curiosos e interessantes números da matemática: O "0" e o "1" ( que são as bases da aritmética por serem os elementos neutros respectivamente da soma e da multiplicacção) ,o "pi" (o número mais importante da geometria), o "i" (número imaginário e o número mais importante da álgebra) e o e (a base dos logarítmos naturais e o número mais importante da análise matemática).

No meio, à direita, podemos ver a o Teorema dos Poliedros de Euler, que nos dá, para qualquer Poliedro, a relação entre o número de vértices, o número de faces e o número de arestas ( o número de vértices mais o número de faces = ao número de arestas + 2).

Por último, em cima, à esquerda,temos a soma dos inversos dos quadrados, numa série infinita. Para além da soma dos inversos dos quadrados, Euler encontraria, também, a fórmula da soma dos inversos de potência 4 e 6.

sábado, abril 14, 2007

Um poeta na revolução


Valdimir Vladimirovich Maiakovski, falecido em Moscovo a 14 de Abril de 1930, influenciou profundamente todo o desenvolvimento da moderna poesia russa. Haroldo de Campos, poeta brasileiro, disse dele, em comentário publicado no livro “Maiakovski – Poemas” ( Editora Perspectiva -1982) o seguinte:

Vladimir Maiakovski é o maior poeta russo moderno, aquele que mais completamente expressou, nas décadas em torno da Revolução de Outubro, os novos e contraditórios conteúdos do tempo e as novas formas que estes demandavam.
Maiakovski deixa descortinar em sua poesia um roteiro coerente, dos primeiros poemas, nitidamente de pesquisa, aos últimos, de largo hausto, mas sempre marcados pela invenção. "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária", era o seu lema, e nesse sentido Maiakovski é um dos raros poetas que conseguiram realizar poesia participante sem abdicar do espírito criativo
”.

Politicamente comprometido com a Revolução de Outubro, entrou frequentemente em choque com os “burocratas” e com os que pretendiam reduzir a poesia a fórmulas simplistas. Homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico ao mesmo tempo, pôs termo à vida com um tiro no peito, aos 37 anos, pensa-se que devido a desgostos amorosos.

Parte da sua obra poética encontra-se traduzida para o português do Brasil. Da que consegui encontrar, escolhi o poema “Estrela”:

Escutai! Se as estrelas se acendem
será por que alguém precisa delas?

Por que alguém as quer lá em cima?
Será que alguém por elas clama,
por essas cuspidelas de pérolas?
Ei-lo aqui, pois, sufocado, ao meio-dia,
no coração dos turbilhões de poeira;
ei-lo, pois, que corre para o bom Deus,

temendo chegar atrasado,
e que lhe beija chorando
a mão fibrosa.Implora!
Precisa absolutamente
duma estrela lá no alto!
Jura! Que não poderia mais suportar

essa tortura de um céu sem estrelas!
Depois vai-se embora,
atormentado, mas bancando o gaiato
e diz a alguém que passa:
"Muito bem! Assim está melhor agora, não é?
Não tens mais medo, hein?"

Escutai, pois! Se as estrelas se acendem
é porque alguém precisa delas.
É porque, em verdade, é indispensável
que sobre todos os tetos, cada noite,
uma única estrela, pelo menos, se alumie.

(Tradução E. Carrera Guerra)

sexta-feira, abril 13, 2007

La Fontaine

Jean de La Fontaine, falecido a 13 de Abril de 1695, em Paris, foi um poeta, moralista, dramaturgo, libretista e romancista francês.

É, sobretudo, conhecido pelas suas fábulas, que povoaram o imaginário da nossa meninice, embora a maioria tenha um sentido profundo, bem mais adequado à compreensão adulta. Escreveu e reescreveu mais de duas centenas (a minha colectânea tem 240 e não sei se estão todas), entre elas algumas de Esopo, como A Lebre e a Tartaruga, O Homem, O Menino e a Mula, O Leão e o Rato, O Carvalho e o Caniço, A Reunião dos Ratos, A Cigarra e a Formiga, A Raposa e as Uvas ou O Pavão Invejoso.

Mas a sua obra poética é digna de destaque. Lamentavelmente, não encontrei qualquer referência a eventuais traduções da sua poesia para o português, mesmo o do Brasil. Como julgo que as pessoas que se dão ao trabalho de me visitar entenderão francês, arrisco a versão original do poema O Amor e a loucura.

L’Amour et la folie

Tout est mystère dans l'Amour,
Ses flèches, son carquois, son flambeau, son enfance:
Ce n'est pas l'ouvrage d'un jour
Que d'épuiser cette science.
Je ne prétends donc point tout expliquer ici:
Mon but est seulement de dire, à ma manière,
Comment l'aveugle que voici
(C'est un dieu), comment, dis-je, il perdit la lumière;
Quelle suite eut ce mal, qui peut-être est un bien
J'en fais juge un amant, et ne décide rien.
La Folie et l'Amour jouaient un jour ensemble:
Celui-ci n'était pas encor privé des yeux.
Une dispute vint : l'Amour veut qu'on assemble
Là-dessus le conseil des Dieux;
L'autre n'eut pas la patience;
Elle lui donne un coup si furieux,
Qu'il en perd la clarté des cieux.
Vénus en demande vengeance.
Femme et mère, il suffit pour juger de ses cris:
Les Dieux en furent étourdis,
Et Jupiter, et Némésis,
Et les Juges d'Enfer, enfin toute la bande.
Elle représenta l'énormité du cas;
Son fils, sans un bâton, ne pouvait faire un pas:
Nulle peine n'était pour ce crime assez grande:
Le dommage devait être aussi réparé.
Quand on eut bien considéré
L'intérêt du public, celui de la partie,
Le résultat enfin de la suprême cour
Fut de condamner la Folie
A servir de guide à l'Amour.

quinta-feira, abril 12, 2007

Jon Sobrino: companheiro de tribulação Jon, amigo e irmão: A "notificação" da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) condenando opiniões suas sobre Cristo porque não se coadunariam com a fé cristã, me encheu de profunda tristeza. Vi funcionar contra você o mesmo método e a mesma forma de argumentação usados contra mim com referência à doutrina sobre a Igreja. O método é o do pastiche que consiste em pinçar partes de frases, combinadas com outras e assim criar um sentido que não corresponde mais ao que o autor escreveu. Ou então fazem-se distorções de textos de forma que o autor não se sente mais nele representado. Entendo e apoio sua decisão corajosa:"não me sinto representado em absoluto no juízo global da notificação; por isso não me parece honrado subscrevê-la; ademais seria uma falta de respeito aos teólogos que leram minha obra e nela não acharam erros doutrinais nem afirmações perigosas". De fato, eminentes especialistas na área analisaram, a seu pedido, suas obras, Sesboué da França, Gonzáles Faus da Espanha, Carlos Palacio do Brasil entre outros. Todos foram unânimes em reafirmar sua ortodoxia. Por que não contaram estas opiniões? Isso nos faz suspeitar que sua condenação é apenas um álibi para golpear, uma vez mais, a teologia da libertação comprometida com o povo crucificado, coisa que não agrada ao Vaticano. Mas o que mais me dói foi escolher exatamente a você para esse intento espúrio. Você é um sobrevivente do martírio, quando em Novembro de 1989, em El Salvador, toda sua comunidade de seis jesuítas e mais a empregada e sua filha foram assassinados por elementos das forças armadas. Você fora me substituir num cursinho de cristologia na Tailândia que eu não podia atender e assim escapou de ser também assassinado. O seu depoimento "Os seis jesuítas mártires de El Salvador" é uma das mais belas páginas de espiritualidade e de comoção refletida escritas na Igreja da América Latina. Escolheram a você que eu considero como o nosso mais profundo teólogo latino-americano, aquele que melhor articula espiritualidade e teologia, inserção no povo crucificado e reflexão, aquele que (sinceramente o digo) mais apresenta as virtudes insignes que caracterizam a santidade. Separaram sua obra de sua vida, doente e ameaçada, como se pudessem separar corpo de alma. Só autoridades "carnais" que perderam todo o sentido do Espírito, para falar como São Paulo, poderiam perpetrar tamanha agressão. Mas há uma razão mais profunda. Sua teologia incomoda autoridades religiosas que se assentaram sobre o poder sagrado e aí se fossilizaram. Você sempre tem insistindo que a Igreja deve dizer a verdade da realidade que em nosso Continente é brutal para com os pobres porque os mata de fome e de exclusão. Por isso a Igreja tem que ser aqui libertadora, articular fé e justiça, teoria e praxis e fazer-se fundamentalmente Igreja dos pobres e dos povos crucificados. Bem disse Dom Oscar Romero também assassinado em El Salvador a quem você tanto assessorou: "Mata-se aquele que estorva". Você participa, de certa forma, deste destino. Sei que você continuará trabalhando e escrevendo para que os crucificados possam ressuscitar. No fundo sei que você se alegra no Espírito de poder participar um pouco da paixão do povo sofredor. Companheiros de tribulação, entendemos que o serviço último não é à Igreja mas na Igreja a Deus, às pessoas, especialmente, aos pobres que um dia irão julgar se nossa teologia foi apenas ortodoxa e não ortoprática, aquela que, de fato, corrobora na libertação. Leonardo Boff Publicado no site do autor em 30/03/2007 e aqui afixado com sua autorização

quarta-feira, abril 11, 2007

Para que o mundo não esqueça


Sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, onde esteve desde 11 de Fevereiro de 1944 até ser libertado pelo exército vermelho em 27 de Janeiro de 1945, Primo Levi, celebrado escritor italiano, faleceu há 20 anos.

Regressado a Itália depois de ter recuperado da escarlatina que o tinha acometido (e que o salvou da marcha da morte), dedicou o resto da sua vida a tornar conhecida, no mundo inteiro, a existência dos campos de concentração nazis, ao mesmo tempo que tinha uma carreira de sucesso na indústria química, como cientista (era diplomado em Química).

Queria, sobretudo, que os jovens nascidos livres, que nada sabiam de racismo, de anti-semitismo ou de massacre de inocentes, entendessem que os campos de extermínio eram o epílogo necessário de qualquer sistema de pensamento baseado no dogma da desigualdade. Queria que se entendesse o abismo a que necessariamente conduzem o ofuscar do raciocínio, o ódio pelo diferente, a intolerância, o fanatismo, o desprezo pelo Outro.

O poema que tanscrevo encontra-se no romance Se non ora,quando?, interrogação que o autor repete - juntamente com outras interrogações - no final de cada estrofe, porque é, na realidade, a letra de uma música, aliás, da marcha que um personagem toca e canta em baixo tom: diz ele ser esta uma música sua e que, por não estar escrita em lugar nenhum, muda sempre um pouco, mas a letra tinha sido escrita por um prisioneiro judeu, que cantava e tocava as canções que ele escrevia. Foi preso e revistado por um soldado alemão que encontrou no seu bolso uma pequeníssima flauta e, como amava a música, lhe concedeu um último desejo. O judeu pediu meia hora de tempo para escrever uma canção; passada a meia hora, o alemão ficou com a canção e matou o judeu. Depois disso, o soldado alemão foi morto pelos colegas do judeu que recuperaram a canção e passaram a cantá-la quando se sentiam tristes.

Reconhecei-nos? Somos as ovelhas do gueto,
Tosadas por mil anos, resignadas à ofensa.
Somos os alfaiates, os copistas e os cantores
Secos à sombra da Cruz.
Agora aprendemos os caminhos da floresta,
Aprendemos a disparar e atiramos directo.
Se não for eu para mim, quem será por mim?
Se não assim, como? E se não agora, quando?

Os nossos irmãos subiram ao céu
Pelos caminhos de Sobibór e de Treblinka,
Cavaram-se um túmulo ao ar livre
Somente poucos de nós sobrevivemos
Pela honra do nosso povo submerso
Pela vingança e testemunho
Se não for eu para mim, quem será por mim?
Se não assim, como? E se não agora, quando?

Somos filhos de David e os obstinados de Massada,
Cada um de nós leva no bolso a pedra
Que quebrou a testa de Golías.
Irmãos, vamos embora da Europa dos túmulos:
Subimos juntos em direcção à terra
Onde seremos homens entre os outros homens
Se não for eu para mim, quem será por mim?
Se não assim, como? E se não agora, quando?


(Tradução retirada daqui)
Não me chames estrangeiro No me llames extranjero, por que haya nacido lejos, O por que tenga otro nombre la tierra de donde vengo No me llames extranjero, por que fue distinto el seno O por que acunó mi infancia otro idioma de los cuentos, No me llames extranjero si en el amor de una madre, Tuvimos la misma luz en el canto y en el beso, Con que nos sueñan iguales las madres contra su pecho. No me llames extranjero, ni pienses de donde vengo, Mejor saber donde vamos, adonde nos lleva el tiempo, No me llames extranjero, por que tu pan y tu fuego, Calman mi hambre y frío, y me cobije tu techo, No me llames extranjero tu trigo es como mi trigo Tu mano como la mía, tu fuego como mi fuego, Y el hambre no avisa nunca, vive cambiando de dueño. Y me llamas extranjero por que me trajo un camino, Por que nací en otro pueblo, por que conozco otros mares, Y zarpé un día de otro puerto, si siempre quedan iguales en el Adiós los pañuelos, y las pupilas borrosas de los que dejamos Lejos, los amigos que nos nombran y son iguales los besos Y el amor de la que sueña con el día del regreso. No me llames extranjero, traemos el mismo grito, El mismo cansancio viejo que viene arrastrando el hombre Desde el fondo de los tiempos, cuando no existían fronteras, Antes que vinieran ellos, los que dividen y matan, Los que roban los que mienten los que venden nuestros sueños, Los que inventaron un día, esta palabra, extranjero. No me llames extranjero que es una palabra triste, Que es una palabra helada huele a olvido y a destierro, No me llames extranjero mira tu niño y el mío Como corren de la mano hasta el final del sendero, No me llames extranjero ellos no saben de idiomas De límites ni banderas, míralos se van al cielo Por una risa paloma que los reúne en el vuelo. No me llames extranjero piensa en tu hermano y el mío El cuerpo lleno de balas besando de muerte el suelo, Ellos no eran extranjeros se conocían de siempre Por la libertad eterna e igual de libres murieron No me llames extranjero, mírame bien a los ojos, Mucho más allá del odio, del egoísmo y el miedo, Y verás que soy un hombre, no puedo ser extranjero. Rafael Amor Rafael Amor é um poeta, compositor e cantor de música de intervenção, nascido na Argentina em 1948. Depois de ter estado em Espanha durante 2 anos, decidiu voltar à Argentina em finais de 1975. Num país sob férrea ditadura militar, o seu compromisso político fez com que sofresse enormes pressões e ameaças, pelo que regressou a Espanha em Março de 1976. Foi em Madrid que gravou o seu terceiro álbum, intitulado No me llames extranjero, do qual faz parte a faixa homónima acima reproduzida. Ainda gravaria mais 3 álbuns em Espanha, até poder regressar à Argentina, o que veio a verificar-se em finais de 1983, com a abertura democrática ocorrida no seu país. Desde então, tem continuado a constituir uma referência como artista de intervenção social em toda a América Latina, tendo gravado mais de uma dezena de álbuns desde o seu regresso do exílio.

terça-feira, abril 10, 2007

As Crianças Gibran Khalil Gibran , falecido a 10 de Abril de 1931, em Nova Iorque, foi um ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa, que produziu uma obra literária marcada pelo misticismo oriental, a qual alcançou popularidade em todo o mundo. A obra literária de Gibran, acentuadamente romântica e influenciada pela Bíblia, Nietzsche e William Blake, trata de temas como o amor, a amizade, a morte e a natureza, entre outros. Do seu livro mais famoso, O Profeta, uma passagem sobre as: Crianças E uma mulher que segurava uma criança contra o seu peito, disse: “Fala-nos de Crianças”. E ele disse: “Os teus filhos não são teus filhos. São filhos e filhas da Vida sedenta de si mesma. Eles vêm através de ti mas não vêm de ti. E embora estejam contigo, não te pertencem. Tu podes dar-lhes amor, mas não os teus pensamentos, Pois eles têm os seus próprios pensamentos. Tu podes abrigar os seus corpos mas não as suas almas, Pois as suas almas vivem na casa do amanhã, que tu não podes visitar, nem mesmo nos teus sonhos. Tu podes lutar para ser como eles, mas não procures torná-los iguais a ti. Pois a vida não volta para trás, nem espera pelo passado. Tu és o arco de onde os teus filhos são lançados como flechas vivas. O arqueiro vê o alvo no caminho do infinito, e curva-te com o Seu poder, para que as Suas flechas possam ir longe e rápidas. Deixa que o teu curvar na mão do arqueiro seja pela alegria: Pois assim como ama a flecha que voa, Ele também ama o arco que é firme.” Gibran Khalil Gibran (como não encontrei uma tradução de que gostasse, arrisquei a minha)
Teixeira de Melo José Alexandre Teixeira de Melo, falecido há exactamente um século (Rio de Janeiro, 10 de Abril de 1907), foi um médico, jornalista e escritor brasileiro. Tendo trabalhado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro durante 24 anos, os últimos 6 como seu director, é considerado um pesquisador meticuloso, tendo parte da sua produção literária sido voltada para a historiografia, e as suas pesquisas nos documentos sob a sua guarda serviram de apoio e prova para os embates territoriais enfrentados pelo Brasil face aos seus vizinhos. Entre essa produção técnica destacam-se "Efemérides Nacionais" e "Limites do Brasil com a Confederação Argentina". Como poeta, pertenceu à geração romântica de Casimiro de Abreu, Luís Delfino e Luís Guimarães. No prefácio às suas Poesias (1914), Sílvio Romero qualificou-o como "um lirista de primeira ordem no Brasil", que se distingue por "certa singularidade, certa elevação graciosa e delicada das frases, além da completa correcção da língua e da forma métrica, características que o tornam um precursor do Parnasianismo".
Não te amo, ó Sol, senão como rascunho Da luz de Deus! Senão como lembrança Da mão que te acendeu, lâmpada de ouro, Por sobre o abismo em que eu trema da morte, A teus pés pela vida às tontas erro.
Verme que esconde um átomo da essência
Que te anima e renova! Átomo mesmo
Do pó da eternidade em frágil vaso
Amassado de sangue e pranto e orgulho!
(Excerto do poema "Ao Sol" que, pela sua extenção, reproduzi no comentário 1)

segunda-feira, abril 09, 2007

As flores do mal

Nascido em Paris a 9 de Abril de 1821,
Charles-Pierre Baudelaire , poeta e crítico frances, é o mais influente dos chamados poetas malditos. Considerado um dos precursores do Simbolismo, a sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do seculo XIX.

Famoso, sobretudo, pelas suas Flores do mal, influenciou toda a poesia simbolista mundial e lançou as bases da poesia moderna. Da sua obra derivaram os procedimentos anticonvencionais de Rimbaud e Lautréamont, a musicalidade de Verlaine, o intelectualismo de Mallarmé, e a ironia coloquial de Laforgue.
De Flores do mal, Tristezas da Lua:

Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.

No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.

Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer,
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,

No côncavo das mãos toma essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no seu peito.

domingo, abril 08, 2007

O humor do Rodrigo
















Amável oferta do autor
VEM, POESIA Vem, poesia, vem! . . . Asas de Primavera estende sobre o Mundo!! As tuas asas brancas, Anjo meu, celeste! E fica de asas brancas, estendidas, brancas, Olhando para o céu azul donde vieste! Vem, Poesia, vem! Brotaram pelos campos, montes e ribeiros, Os lírios duma nova, branca Primavera! Vem, Poesia, vem! Enche de nova luz a de bondade a vida, E sobre um trono de almas, cândidas, erguida, Estende as tuas asas, sobre o mundo impera!! Vem, Poesia, vem!... Brisa de Deus eterna Sopra no mundo e deixa em ânsias de infinito Mil anjos a sofrer em faces de luar E lábios a sorrir a nostalgia ardente, A fome desse Amor, esse outro Bem ausente Que neste mundo em vão tentamos abraçar!! Almas irmãs da minha, o mesmo fogo a arder Sonâmbulos sofrendo a dor do mesmo Bem, Unamos num abraço o mesmo sonho eterno!! Vem, Poesia, vem!... Cassiano Guimarães

sábado, abril 07, 2007

O desafio amazônico O tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica do Brasil desta Quaresma, é sobre a Amazônia. Milhões de fiéis, durante as quatro semanas, irão refletir sobre sua importância para nós e para o futuro da Terra. A Amazônia abriga o maior patrimônio hídrico e genético do Planeta. De um de nossos melhores estudiosos, Eneas Salati, sabemos:"Em poucos hectares da floresta amazônica existe um número de espécies de plantas e de insetos maior que em toda a flora e fauna da Europa". Mas esta floresta luxuriante é extremamente frágil, pois se ergue sobre um dos solos mais pobres e lixiviados da Terra. Se não controlarmos o desmatamento, em dezenas de anos a Amazônia pode se transformar numa imensa savana. Ela não é terra virgem e intocável. Em milhares de anos, dezenas de povos indígenas que ali viveram e vivem, atuaram como verdadeiros ecologistas. Grande parte de toda floresta amazônica, especialmente de várzea, foi manejada pelos índios, promovendo "ilhas de recursos", criando condições favoráveis para o desenvolvimento de espécies vegetais úteis como o babaçu, a palmeira, o bambu, os bosques de castanheiras e frutas de toda espécie, plantadas ou cuidadas para si e para aqueles que, por ventura, por lá passassem. As famosas "terras pretas de índios" remetem para esse manejo. A idéia de que o índio é genuinamente natural, representa uma ecologização errônea dele, fruto do imaginário urbano, fatigado pela artificialização da vida. Ele é um ser cultural. Como atesta o antropólogo Viveiros de Castro:"A Amazônia que vemos hoje é a que resultou de séculos de intervenção social, assim como as sociedades que ali vivem são resultado de séculos de convivência com a Amazônia". O mesmo diz em seu instrutivo livro E. E. Moraes, "Quando o Amazonas corria para o Pacífico" (Vozes 2007): "Resta pouca natureza intocada e não alterada pelos humanos na Amazônia". Por 1.100 anos os tupi-guarani dominaram vastíssimo território que ia dos contrafortes andinos do rio Amazonas até às bacias do Paraguai e do Paraná. Índio e floresta, portanto, se condicionam mutuamente. As relações não são naturais mas culturais, numa teia intrincada de reciprocidades. Eles sentem e vêem a natureza como parte de sua sociedade e cultura, como prolongamento de seu corpo pessoal e social. Para eles a natureza é um sujeito vivo e carregado de intencionalidades. Não é como para nós modernos, algo objetal, mudo e sem espírito. A natureza fala e o indígena entende sua voz e mensagem. Por isso ele está sempre auscultando a natureza e se adequando a ela num jogo complexo de inter-retro-relações. Encontraram um sutil equilíbrio sócio-cósmico e uma integração dinâmica, embora houvesse também guerras e verdadeiros extermínios como aqueles dos sambaquieiros e de outras tribos. Mas há sábias lições que precisamos aprender deles face às atuais ameaças ambientais. Importa entender a Terra, não como algo inerte, com recursos ilimitados, disponíveis ao nosso bel prazer. Mas como algo vivo, a Mãe do índio a ser respeitada em sua integridade. Se uma árvore é derrubada, faz-se um rito de desculpa para resgatar a aliança de amizade. Precisamos de uma relação sinfônica com a comunidade de vida, pois como foi comprovado, Gaia já ultrapassou seu limite de suportabilidade. Se deixarmos as coisas correrem e não fizermos nada as ameaças se tornarão devastadora realidade. Leonardo Boff Publicado no site do autor em 23/02/2007 e aqui afixado com sua autorização

sexta-feira, abril 06, 2007

Este é o tempo Este é o tempo Da selva mais obscura Até o ar azul se tornou grades E a luz do sol se tornou impura Esta é a noite Densa de chacais Pesada de amargura Este é o tempo em que os homens renunciam. Sophia de Mello Breyner Andresen - Mar Novo, 1968 CEM POEMAS DE SOPHIA – Selecção de José Carlos de Vasconcelos – Visão JL - 2004
La Pietà


(Lá Pietà de Michelangelo)

Já lívido repousa em seu regaço.
Já não escuta, não vê, não ri, não fala.
Aquele que foi Seu filho, Ela o embala
Morto, alheia a tempo e espaço.

O mistério parou no limiar dos assombros.
Dos irados profetas, das rígidas escrituras
Sobra um Deus morto; e os únicos escombros
São a atónita aflição das criaturas.

Eles choram, vários, como vários são
Sua revolta e sua dor. Absorto,
O olhar da Mãe escorre, inútil, no chão.
Ela, o que chora? O Deus parado - ou o filho morto?

Reinaldo Ferreira

quinta-feira, abril 05, 2007

A última ceia

(A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci)

Conferência à Imprensa

O processo
- O que importa é virá-lo do avesso,
Mudar as intenções,
Interpretar,
Sofismar -
Deve ser rápido e sumário.
Termos, preceitos, norma,
É tudo forma,
Matéria de processo e convenção.
Ao cabo, é o Calvário
Que é preciso atingir.
Alguém tem de subir.
Eu não quis, sou juiz.

Aos senhores,
Mais propagadores
De tudo o que acontece
- De todo o que parece
Que acontece
E passa a acontecer -
E disto e daquilo
- E da Verdade, às vezes -

Reinaldo Ferreira

(Reinaldo Ferreira foi um poeta Moçambicano, falecido com 37 anos de idade, filho do jornalista homónimo, o célebre Repóter X)

Allen Ginsberg


Falecido a 5 de Abril de 1997 - há 10 anos, portanto - Allen Ginsberg constitituiu, com Jack Kerouac e William S. Burroughs, o trio mais importante da chamada Beat Generation.

Homossexual assumido e defensor de muitas causas, desde os direitos dos homossexuais à liberdade de expressão, esteve na linha da frente da luta contra a Guerra do Vietname, inspirou profundamente a cultura americana e mundial e a sua influência ainda hoje se faz sentir. Positivamente, dirão uns; negativamente, ripostarão os mais conservadores. Para mim, que fui seu contemporâneo durante quase 50 anos, um pouco das duas coisas, com influências muito positivas em alguns aspectos (luta conta a Guerra do Vietname, pela liberdade de expressão, pelos direitos das minorias, pela libertação de tabus, pela denúncia da caça às bruxas) e algumas (poucas) negativas (apologia das drogas como libertadoras, nomeadamente o LSD, por exemplo).

Existem dele vários poemas traduzidos para o português do Brasil, incluindo um da obra Kaddish and Other Poems, dedicado ao também poeta americano Vachel Lindsay (1879-1931) que se suicidou bebendo uma garrafa de Lysol, um detergente de limpeza doméstica.

Mas, para se traduzir poesia, é necessário, além de ser muito bom poeta, dominar na perfeição as línguas original e de destino. Com os meus escassos conhecimentos, considerei que as traduções não fazem jus ao original, pelo que optei por mantê-lo.

To Lindsay

Vachel, the stars are out
dusk has fallen on the Colorado road
a car crawls slowly across the plain
in the dim light the radio blares its jazz
the heartbroken salesman lights another cigarette
In another city 27 years ago
I see your shadow on the wall
you’re sitting in your suspenders on the bed
the shadow hand lifts up a Lysol bottle to your head
your shade falls over on the floor.

Paris, Maio de 1958
ESPERANÇA Só a leve esperança em toda a vida disfarça a pena de viver, mais nada; nem é mais a existência resumida que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada, sonho que a traz ansiosa e embevecida, é uma hora feliz, sempre adiada e que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos árvore milagrosa que sonhamos toda arriada de dourados pomos existe sim; mas nós não n’a encontramos, porque está sempre apenas onde a pomos e nunca a pomos onde nós estamos. Vicente de Carvalho (no 141º aniversário do seu nascimento)

quarta-feira, abril 04, 2007

e...outro grande português














Morreu jovem, há 15 anos, a 4 de Abril de 1992. E provavelmente amargurado, pelo facto de a sua acção não ter sido reconhecida como merecia.

Chamava-se Fernando José Salgueiro Maia e tinha apenas 29 anos quando, pelas 3H30 do dia 25 de Abril de 1974, a porta de armas da Escola Prática de Cavalaria (EPC) , de Santarém, foi atravessada por uma coluna sob o seu comando, composta por dez viaturas blindadas, doze de transporte, duas ambulâncias, um jipe e uma viatura civil de exploração. Objectivo principal: Toledo ou, descodificando, o Terreiro do Paço (em Lisboa) e os seus ministérios.

Foi ele que, na Rua do Arsenal, avançou a pé e sozinho, de braços erguidos e agitando um lenço branco, em direcção aos blindados pertencentes às forças fiéis à ditadura, comandadas por um brigadeiro. Para seu bem e de todos nós, os operacionais dos blindados não obedeceram às ordens de fogo dadas pelo brigadeiro em pânico.

Tomado o Terreiro do Paço, dirigiu-se ao quartel da GNR no Largo do Carmo, onde Caetano se tinha refugiado. Deu ordem de rendição, foi dialogar com Caetano e, depois, esperou que Spínola fosse colher os louros.

Como sublinha Carlos Loures em Vidas Lusófonas, “tudo se pode resumir a uma breve legenda: Salgueiro Maia, soldado português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da generosidade dos capitães de Abril”.

terça-feira, abril 03, 2007

Um grande português


Há 53 anos, em 3 de Abril de 1954, morreu, pobre e desonrado, um grande português a sério, Aristides de Sousa Mendes.

Tão pobre que, pai de 12 filhos vivos, mas todos emigrados devido à pobreza em que aqui viviam, no momento da morte teve apenas a presença de uma sobrinha e, por não possuir fato próprio, tiveram de vestir-lhe uma túnica dos frades da Ordem Terceira, em cujo hospital faleceu.

Tão desonrado, que a democracia portuguesa demorou 14 anos para o reabilitar oficalmente. E só depois de muita pressão dos seus filhos e de muitos americanos, entre os quais o congressista Tony Coelho, de ascendência lusa.

E tudo isto porquê? Por se ter recusado a obedecer a um ditador mesquinho que, para vergonha de tantos portugueses, alguns milhares de saudosistas e acéfalos elegeram como o maior português de sempre. E por, com essa desobediência, ter salvo a vida a dezenas de milhares de judeus e outras minorias vítimas da demência do nazismo.

Seria bom que a memória não se apagasse. Mas, com a nossa burocracia, continua ao abandono a Casa do Passal, que em tempos foi um palácio. O abutre de Santa Comba deve estar a rir-se no túmulo.

segunda-feira, abril 02, 2007

Críticos, criativos, cuidantes Já se disse acertadamente que educar não é encher uma vasilha vazia mas acender uma luz. Em outras palavras, educar é ensinar a pensar e não apenas ensinar a ter conhecimentos. Estes nascem do hábito de pensar com profundidade. Hoje em dia conhecemos muito mas pensamos pouco o que conhecemos. Aprender a pensar é decisivo para nos situar autonomamente no interior da sociedade do conhecimento e da informação. Caso contrário, seremos simples caudatários dela, condenados a repetir modelos e fórmulas que se superam rapidamente. Para pensar, de verdade, precisamos ser críticos, criativos e cuidantes. Somos críticos quando situamos cada texto ou evento em seu contexto biográfico, social e histórico. Todo conhecimento envolve também interesses que criam ideologias que são formas de justificação e também de encobrimento. Ser crítico é tirar a máscara dos interesses escusos e trazer à tona conexões ocultas. A crítica boa é sempre também auto-crítica. Só assim se abre espaço para um conhecimento que melhor corresponde ao real sempre cambiante. Pensar criticamente é dar as boas razões para aquilo que queremos e também implica situar o ser humano e o mundo no quadro geral das coisas e do universo em evolução. Somos criativos quando vamos além das fórmulas convencionais e inventamos maneiras surpreendentes de expressar a nós mesmos e de pronunciar o mundo; quando estabelecemos conexões novas, introduzimos diferenças sutis, identificamos potencialidades da realidade e propomos inovações e alternativas consistentes. Ser criativo é dar asas à imaginação, "a louca da casa" que sonha com coisas ainda não ensaiadas mas sem esquecer a razão que nos segura ao chão e nos garante o sentido das mediações. Somos cuidantes quando prestamos atenção aos valores que estão em jogo, atentos ao que realmente interessa e preocupados com o impacto que nossas idéias e ações podem causar nos outros. Somos cuidantes quando não nos contentamos apenas em classificar e analisar dados, mas quando discernimos atrás deles, pessoas, destinos e valores. Por isso, somos cuidantes quando distinguimos o que é urgente e o que não é, quando estabelecemos prioridades e aceitamos processos. Em outras palavras, ser cuidante é ser ético, pessoa que coloca o bem comum acima do bem particular, que se responsabiliza pela qualidade de vida social e ecológica e que dá valor à dimensão espiritual, importante para o sentido da vida e da morte. A tradição iluminista de educação tem enfatizado muito a dimensão crítica e criativa e menos a cuidante. Esta é hoje urgente. Se não formos coletivamente cuidantes esvaziaremos a crítica e a criatividade e podemos pôr tudo a perder, o bem viver em sociedade com justiça mínima e paz necessária e as condições da biosfera sem as quais não há vida. Albert Einstein despertou para a dimensão cuidante de todo o saber quando Krishnamurti o interpelou: Em que medida, Sr. Einstein, a sua teoria da relatividade ajuda a minorar o sofrimento humano? Einstein, perplexo, guardou nobre silêncio. Mas mudou. A partir daí se comprometeu pela paz e contra as armas nucleares. Em todos os âmbitos da vida, precisamos de pessoas críticas, criativas e cuidantes. É condição para uma cidadania plena e para uma sociedade que sempre se renova. Tarefa da educação hoje é criar tal tipo de pessoas. Leonardo Boff Publicado no site do autor em 23/04/2006 e aqui afixado com a sua autorização

domingo, abril 01, 2007

Escuto Escuto mas não sei Se o que oiço é silêncio Ou deus Escuto sem saber se estou ouvindo O ressoar das planícies do vazio Ou a consciência atenta Que nos confins do universo Me decifra e fita Apenas sei que caminho como quem É olhado amado e conhecido E por isso em cada gesto ponho Solenidade e risco Sophia de Mello Breyner Andresen - Geografia, 1967 CEM POEMAS DE SOPHIA – Seleção de José Carlos de Vasconcelos – Visão/ JL - 2004