How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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quarta-feira, agosto 31, 2016
Intangível
Quero-te
como quero à abóbada nocturna,
Ó vazo de
tristeza, ó grande taciturna!
E tanto mais
te quero, ó minha bem amada,
Por te ver a
fugir, mostrando-te empenhada
Em fazer
aumentar, irónica, a distância
Que me
separa a mim da celestial estância.
Bem a quero
atingir, a abóbada estrelada,
Mas, se
julgo alcançar, vejo-a mais afastada!
Pois se eu
adoro até - ferro monstro, acredita! -
O teu frio
desdém, que te faz mais bonita!
(Charles
Baudelaire faleceu a 31 de Agosto de 1867)
Tradução de
Delfim Guimarães
terça-feira, agosto 30, 2016
Não Te
Rendas Jamais
Procura
acrescentar um côvado
à tua
altura. Que o mundo está
à míngua de
valores
e um homem
de estatura justifica
a existência
de um milhão de pigmeus
a navegar na
rota previsível
entre a
impostura e a mesquinhez
dos
filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se
derrama sobre a areia
e busca as
profundezas, o tumulto
do sangue a
irromper na veia
contra os
diques do cinismo
e os
rochedos de torpezas
que as
nações antepõem a seus rebeldes.
Não te
rendas jamais, nunca te entregues,
foge das
redes, expande teu destino.
E caso
fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te
lamber a mão,
atira-te
contra as escarpas
de tua
angústia e explode
em grito, em
raiva, em pranto.
Porque desse
teu gesto
há de nascer
o Espanto.
(poeta
carioca)
Poema dedicado à minha filha, no dia do aniversário.
segunda-feira, agosto 29, 2016
Orgulho
Caboclo
Tenho
orgulho de haver nascido no sertão,
na terra em
que o vaqueiro, intrépido, se estriba
no dorso de
um cavalo, e de um soco derriba
no coração
da mata o touro barbatão.
Tenho
orgulho de ser filho da Paraíba,
irmão do
cearense indômito, que não
perdeu o
amor à terra e só daqui arriba,
quando na
seca os céus lhe negam água e pão.
Orgulho
deste sol, cujos beijos ardentes
dão à terra
molhada e igualmente às sementes
o mágico
poder de uma ressurreição.
Dos que
fecham com ferro e com cimento e terra
as gargantas
do rio, os boqueirões de serra,
conquistando
destarte a nossa redenção!
(poeta
paraibano falecido faz hoje 41 anos)
domingo, agosto 28, 2016
Perfeição
Tanto
esforço perdido em ser perfeito,
em ser
superno, tanto esforço vão!
Sonho
efêmero! acordo, e em torno ao leito,
a mesma
inércia, a mesma escuridão!
Vejo,
através das sombras, um defeito
em cada
cousa, e as cousas todas são
para os meus
olhos rútilos de Eleito
prodígios da
impureza e imperfeição.
Fico-me,
noites adentro, insone e mudo,
pensando em
Ti... que dormes esquecida
do teu
amargurado Sonhador...
Ah! mas, ao
menos, se imperfeito é tudo,
salve-se, às
mil imperfeições da Vida,
a humilde
perfeição do meu Amor!
(poeta
brasileiro nascido faz hoje 128 anos)
sábado, agosto 27, 2016
Uma
Recordação
Não há homem
que consiga deixar uma marca
nela. Todo o
passado se dilui num sonho
como uma rua
na manhã e só fica ela.
Se não fosse
a testa franzida por um momento
pareceria
atónita. As maçãs do rosto têm sempre
um sorriso.
Também não se acumulam os
dias
no seu
rosto, nem alteram o sorriso leve
que irradia
sobre todas as coisas. Com uma firmeza dura
faz cada
coisa como se fosse a primeira;
no entanto
vive-a até ao último momento. O seu corpo
firme abre-se,
o olhar recolhido,
a uma voz
doce e algo rouca: à voz
dum homem
cansado. E nenhum cansaço a toca.
Quando se
lhe olha para a boca, semicerra os olhos
à espera:
ninguém se arriscaria.
Muitos
homens conhecem o seu ambíguo sorriso
ou a súbita
ruga. Se homem existiu
que a soube
queixosa, humilhada de amor,
paga dia
após dia, ignorando dela
por quem
vive hoje.
Caminhando
pela rua
sorri
sozinha o sorriso mais ambíguo.
(poeta
italiano falecido faz hoje 66 anos)
Tradução de
Carlos Leite
sexta-feira, agosto 26, 2016
quinta-feira, agosto 25, 2016
quarta-feira, agosto 24, 2016
terça-feira, agosto 23, 2016
Jardim
Tropical
Monjas
lunares os lírios rezam de mãos postas
pelos cravos
degolados
cujas
cabeças estão içadas nos chuços das
hastes
escorrendo o sangue das pétalas.
Corusca a
lâmina jalde do grande sol carrasco
entre a
guarda régia
dos girassóis
guerreiros escamados de ouro.
Fremem ao
vento os paveses de ouro.
As papoulas
roxas com seus pluviais de seda
são graves
arcebispos inquisidores.
A plebe
miúda e bulhenta das madressilvas
apinha-se em
todos os galhos
para espiar
o sacrifício cruento.
E contra o
monstruoso atentado
apenas se
ergue na sombra
timidamente
o protesto
aromal das violetas.
(poeta
paulista falecido faz hoje 28 anos)
segunda-feira, agosto 22, 2016
Gorjeio
quebrado
Meus pés
sentem a terra
e se
enterram na vida
como raízes
de pensamento.
Minhas mãos,
gaivotas caçadoras,
rasgam o
azul amarrotado
do oceano de
vocábulos em movimento.
Coração,
gorjeio quebrado
em canto nem
sempre sensato
perdido na
névoa de um lamento.
(poetisa
boliviana que hoje faz 67 anos)
domingo, agosto 21, 2016
Fala
Fala a sério
e fala no
gozo
Fá-la pla
calada e fala claro
Fala deveras
saboroso
Fala barato
e fala caro
Fala ao
ouvido
fala ao
coração
Falinhas
mansas ou palavrão
Fala à
miúda mas
fá-la bem
Fala ao teu
pai mas ouve a tua mãe
Fala francês
fala béu-béu
Fala fininho
e fala
grosso
Desentulha a
garganta levanta o percoço
Fala como se
falar fosse andar
Fala com
elegância - muito e devagar.
(Alexandre
O'Neill faleceu faz hoje 30 anos)
sábado, agosto 20, 2016
sexta-feira, agosto 19, 2016
quinta-feira, agosto 18, 2016
quarta-feira, agosto 17, 2016
Certas
Palavras
Certas
palavras não podem ser ditas
em qualquer
lugar e hora qualquer.
Estritamente
reservadas
para
companheiros de confiança,
devem ser
sacralmente pronunciadas
em tom muito
especial
lá onde a
polícia dos adultos
não adivinha
nem alcança.
Entretanto
são palavras simples:
definem
partes do
corpo, movimentos, actos
do viver que
só os grandes se permitem
e a nós é
defendido por sentença
dos séculos.
E tudo é
proibido. Então, falamos.
(Carlos
Drummond de Andrade faleceu faz hoje 29 anos)
terça-feira, agosto 16, 2016
Última
Vontade
Enterrem meu
corpo em qualquer lugar.
Que não
seja, porém, um cemitério.
De
preferência, mata;
Na Gávea, na
Tijuca, em Jacarepaguá.
Na tumba, em
letras fundas,
Que o tempo
não destrua,
Meu nome
gravado claramente.
De modo que,
um dia,
Um casal
desgarrado
Em busca de
sossego
Ou de
saciedade solitária,
Me descubra
entre folhas,
Detritos
vegetais,
Cheiros de
bichos mortos
(Como eu).
E, como uma
longa árvore desgalhada
Levantou um
pouco a laje do meu túmulo
Com a raiz
poderosa,
Haja a vaga impressão
De que não
estou na morada.
Não sairei,
prometo.
Estarei
fenecendo normalmente
Em meu
canteiro final.
E o casal
repetirá meu nome,
Sem saber
quem eu fui,
E se irá
embora,
Preso à
angústia infinita
Do ser e do
não ser.
Sol e chuva
ocasionais,
Estes sim,
imortais.
Até que um
dia, de mim caia a semente
De onde há
de brotar a flor
Que eu peço
que se chame
Papáverum
Millôr
(Millôr
Fernandes nasceu faz hoje 93 anos)
segunda-feira, agosto 15, 2016
Natureza
morta com louvadeus
Foi o último
hóspede a sentar-se
no topo da
mesa, já depois do martírio.
As asas
magníficas haviam-lhe sido quebradas
por algum
vento. Perdera o rumo
sobre a
película cintilante de água
no riacho
parado. Tal como poisou
junto de
nós, com o belo corpo magro
arquejante,
lembrava, ainda segundo o seu nome,
um santo
mártir. Enquanto meditávamos,
a morte
sobreveio, e a pequena criatura,
que viera
partilhar a nossa mesa,
depois de
ter sido banida das águas
foi banida
da terra. Alguém pegou
no volúvel
alado corpo morto
abandonado
sem nexo na brancura da toalha
- que
maculava -
e o atirou
para qualquer arbusto raro
que o poeta
ainda pôde fotografar.
(Fiama Hasse
Pais Brandão nasceu faz hoje 88 anos)
domingo, agosto 14, 2016
Calmaria
Água
estagnada
nuvem
parada,
folha
perdida,
pássaro de
asa
partida.
Ó vento que
morreis,
de leve, de
leve,
despertai!
Luz que se
apaga,
sombra
diluída,
névoa que
vaga,
voz que se
cala,
ferida.
Ó voz que
adormeceis
de manso, de
manso,
gritai,
gritai!
Tímida
esperança,
pálido
desejo:
a tarde tão
mansa,
tão lânguida
a noite
que vem.
Ó alma
náufraga,
como tudo o
mais:
desesperai!
(poeta
mineiro nascido faz hoje 114 anos)
sábado, agosto 13, 2016
Reflexão n°.
1
Ninguém
sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se
banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas
vezes a mesma mulher.
Deus de onde
tudo deriva
E a
circulação e o movimento infinito.
Ainda não
estamos habituados com o mundo
Nascer é
muito comprido.
(poeta
mineiro falecido faz hoje 41 anos)
sexta-feira, agosto 12, 2016
Ternura
Eu te amo
com a ternura das mães
que embalam
os filhos pequeninos.
E te amo sem
desejos.
Perto de ti
meus sentidos desaparecem.
Meu corpo
tem castidades de santa e de menina.
Quando falas
nenhuma sobra se interpõe entre nós dois
Fico presa à
palavra de tua boca
e à palavra
de teus olhos.
Nada existe
fora de nós. Longe de nós...
Tu és o
Princípio e o Fim. O Tempo e o Espaço
Cada palavra
tua mais espiritualiza
o meu
sentimento e a minha ternura.
Tenho
vontade de que meus braços se transformem
num grande
berço,
para embalar
teu sono de homem triste.
Nenhuma
estrela brilha mais clara que os teus olhos
na minha
alma,
e que a tua
palavra no meu coração.
Nenhum homem
foi amado com tanta pureza sem pecado,
nem tanta
adoração!
Nenhuma mulher
vestiu de tanta castidade
seu corpo e
sua alma,
para a
tristeza de um amor que quer viver,
e quer
morrer.
(poetisa
gaúcha nascida faz hoje 111 anos)
quinta-feira, agosto 11, 2016
quarta-feira, agosto 10, 2016
Elegia em
Chamas
Arde no lar
o fogo antigo
do amor
irreparável
e de súbito
surge-me o teu rosto
entre chamas
e pranto, vulnerável:
Como se os
sonhos outra vez morressem
no lume da
lembrança
e fosse dos
teus olhos sem esperança
que as
minhas lágrimas corressem.
(Carlos de
Oliveira nasceu faz hoje 95 anos)
terça-feira, agosto 09, 2016
Primavera
A Primavera
vem dançando
com os seus
dedos de mistério e turquesa
Vem vestida
de meio dia e vem valsando
entre os
braços dum vento sem firmeza
Nu como a
água o teu corpo quieto e ausente
Só este
inquieto esvoaçar do teu sorriso
Loiro o
rosto o olhar não sei se mente
se de tão
negro e parado é um aviso
do destino
que me fixa finalmente
Ai, a
Primavera vai passando
com os seus
dedos de mistério e de turquesa
Segue
Primavera vai cantando
Que será do
nosso amor nesta praia de incerteza
(Urbano Tavares
Rodrigues faleceu faz hoje 3 anos)
Poema
Em todas as
ruas te encontro
em todas as
ruas te perco
conheço tão
bem o teu corpo
sonhei tanto
a tua figura
que é de
olhos fechados que eu ando
a limitar a
tua altura
e bebo a
água e sorvo o ar
que te
atravessou a cintura
tanto tão
perto tão real
que o meu
corpo se transfigura
e toca o seu
próprio elemento
num corpo
que já não é seu
num rio que
desapareceu
onde um
braço teu me procura
Em todas as
ruas te encontro
em todas as
ruas te perco
(Mário
Cesariny nasceu faz hoje 93 anos)
segunda-feira, agosto 08, 2016
Digam que
foi mentira
Digam que
foi mentira, que não sou ninguém,
que
atravesso apenas ruas da cidade abandonada
fechada como
boca onde não encontro nada:
não encontro
respostas para tudo o que pergunto nem
na verdade
pergunto coisas por aí além
Eu não vivi
ali em tempo algum
(poeta riomaiorense
falecido faz hoje 38 anos)
domingo, agosto 07, 2016
Aparição
A mulher que
por mim passou na rua, há pouco,
foi uma
coisa diáfana, gentil,
cedo, a
pairar
na sombra
dum jardim
com flores,
em baixo, ajoelhadas,
ao senti-la
na altura,
e
mandando-lhe o aroma em lágrimas, desfeito,
para
mantê-la em uma nuvem branca...
Mulher,
coisa diáfana, vaga e bela, sem desenho,
logo fluido
animando o colo duma nuvem, nuvem,
num ápice,
trucidada pelo vento!
(escritor
madeirense nascido faz hoje 117 anos)
sábado, agosto 06, 2016
Acontecimento
Tu choravas
e eu ia apagando
com os meus
beijos os rastos das tuas lágrimas
- riscos na
areia mole e quente do teu rosto.
Choravas
como quem se procura.
E eu
descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia
espremendo com as mãos
o meu sangue
todo no teu sangue.
Não sei se o
mundo existia e nós existíamos realmente.
Sei que tudo
estava suspenso,
esperando
não sei que grave acontecimento,
e que
milhares de insectos paravam e zumbiam nos
meus
sentidos.
Só a minha
boca era uma abelha inquieta
percorrendo
e picando o teu corpo de beijos.
Depois só
dei pela manhã,
a manhã
atrevida
entrando
devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os
meus olhos para ti:
ao longo do
teu corpo morriam as estrelas.
A noite
partira. E, lentamente,
o sol rompeu
no céu da tua boca.
(poeta
fundanense que hoje faz 86 anos)
sexta-feira, agosto 05, 2016
Antepasto
Tudo o que o
Poeta escreve
está
resumido
numa única
palavra: Solidão.
Escrever é
distanciar-se do mundo
para poder
entendê-lo
é uma forma
de morrer.
Viver é
outra coisa
ainda que
alienada.
Eu trocaria
mil rimas
por uma
noite de amor.
E trocaria
um belo poema
sobre a fome
por um
singelo prato de comida.
(escritor
maranhense que hoje faz 76 anos)
quinta-feira, agosto 04, 2016
Receita para
uma infracção
Toma nas
mãos uma manga
dessas que
verdes o Knopfli sente
na infância
do palato
Tens
cinquenta anos
dois rins em
greve até à morte
e um que
pertenceu a alguém que desconheces
e por morto
não soube a quem doou
a faculdade
de mijar ainda
...
Tomas uma
verde manga como um rio
uma simples
manga de Novembro
de ti para
ti transplantada
nos
dezembros da vida
(poeta
moçambicano que hoje faria 72 anos)
quarta-feira, agosto 03, 2016
Poema da Voz Que Escuta
Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro - a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
(poeta ansianense falecido faz hoje 77 anos)