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segunda-feira, agosto 31, 2015

Génio do Mal

Gostavas de tragar o universo inteiro,
Mulher impura e cruel! Teu peito carniceiro,
Para se exercitar no jogo singular,
Por dia um coração precisa devorar.
Os teus olhos, a arder, lembram as gambiarras
Das barracas de feira, e prendem como garras;
Usam com insolência os filtros infernais,
Levando a perdição às almas dos mortais.

Ó monstro surdo e cego, em maldades fecundo!
Engenho salutar, que exaure o sangue do mundo
Tu não sentes pudor? o pejo não te invade?
Nenhum espelho há que te mostre a verdade?
A grandeza do mal, com que tu folgas tanto.
Nunca, jamais, te fez recuar com espanto
Quando a Natura-mãe, com um fim ignorado,
- Ó mulher infernal, rainha do Pecado!-
Vai recorrer a ti para um génio formar?

Ó grandeza de lama! ó ignomínia sem par.


(Charles Baudelaire faleceu a 31 de Agosto de 1867) 

Tradução de Delfim Guimarães

domingo, agosto 30, 2015

Poema para minha filha

Para ti, querida
Rosas e mel
E estrelas rutilantes,
Risos gritantes,
Muita ternura e carinho

E o Sol
Brilhando muito
Em frente ao teu caminho.

Deixa comigo o fel,
A dor, o desespero
Deixa que eu fira a pele
Nos ásperos abrolhos
Da vida.

Deixa chorar meus olhos
Deixa comigo
O peso do sonho tão antigo.

Para ti, querida
Paz, amor, ternura
Estrelas rutilantes,
Rosas e Mel...


Escrito na Cadeia Comarcã de Luanda em 14/01/1966 

Poema dedicado à minha filha, no dia do aniversário

sábado, agosto 29, 2015

Ascensão

Atravessaste o vale, a planície florida,
absorto na visão dos encantos da estrada.
Eis-te agora ao sopé da montanha da vida
que irás subir a fim de alcançar a chapada.

Coragem, moço! Eu sei que é íngreme a subida.
Que importa?  Vencerás, passada por passada,
para a glória de o sol beijar-te a fronte erguida.
- E depois? - É a descida, é a morte, é a volta ao nada...

Mas, tanto que atingi o cimo da montanha,
a fronte em suor, os pés em sangue, as mãos em brasa,
senti que mergulhara em claridade estranha...

e a Verdade esplendeu em toda a intensidade:
é uma ascensão a vida! Eu necessito de asa
para me erguer mais alto em rumo à Eternidade!


(poeta paraibano falecido faz hoje 40 anos)

sexta-feira, agosto 28, 2015

Anoitecer, na Praia

Junto ao mar, as crianças
são mais alegres; as mulheres são
mais harmoniosas,
mais naturais.
E, enquanto a ondulação
das águas marulhosas
arma, em seu ritmo, imprevistas danças
isócronas, mas sempre desiguais;
e a escumilha na praia arma frouxéis de rosas,
efêmeros, sutis, quase irreais;
e as crianças, à beira da água, armam castelos
na úmida areia,
sob os olhos da miss, ou da ama que as ladeia,
e o distraído encanto dos papais;
e os velhos, em seus trajos mais singelos,
sob os toldos velados,
repousados,
sorriem cachimbando,
recordando
coisas imemoriais, -
cada mulher que passa é atávica sereia;
é atávico tritão
cada atleta que emerge à ondulação
da correnteza rejuvenescente;
é atávico tritão
aquele nadador adolescente
ora a subordinar o mar fremente
que resfolega e ondeia,
ao ritmo do seu próprio coração...


(poeta brasileiro nascido faz hoje 127 anos)

quinta-feira, agosto 27, 2015

És a terra e a morte

És a terra e a morte.
A tua estação é a treva
e o silêncio. Não há coisa
que viva mais do que tu
afastada da manhã

Quando pareces despertar
toda tu és dor,
está-te no olhar e no sangue
mas não a sentes. Vives
como vive uma pedra,
como a terra dura.
E há sonhos que te vestem,
movimentos, soluços
que ignoras. A dor
Como a água de um lago
estremece e envolve-te.
Há círculos à flor da água.
Deixas que se desvaneçam.
És a terra e a morte.


(poeta italiano falecido faz hoje 65 anos) 

Tradução de Rui Caeiro

quarta-feira, agosto 26, 2015

Revelação
               
A inocência perpassa
Teu rosto
Súbito
Na memória

As intermináveis
Conversas
No café
Vistas através
Do vidro do tempo
São agora transparentes

A ausência do teu rosto
É uma presença
Onde inesperada
Perpassa rápida
E muito lenta
A graça
Da inocência 

(poeta português falecido faz hoje 8 anos)


terça-feira, agosto 25, 2015


Há sempre um nó encordoado
à espera de que alguém o dedilhe.

Para cada marinheiro um acorde
retesado pelos ventos da distância.

Há um sol encurvado nas águas
afogando horizontes longínquos
O viajante sabe quando o cais
sola a melodia do impulso.

A rota não é de fuga, mas de fogo.
aventura de busca sem bússolas.

Nesta noite em que navego lençóis
recostado a um tombadilho de plumas

Falta-me um par de remos, mastro e velas soltas.

Embora a voz remota insista por meu nome.


(poeta amazonense falecido faz hoje 6 anos)

segunda-feira, agosto 24, 2015

FOTOGRAFIA

De cócoras
como quem ora
ou pragueja
sob a marquise
a mulher
Oculta
pelos caixões
embriagada
entre sobras de repolho

Pela calçada em declive
cachorros lambem o chorume

Penso na foto
franzindo a testa

solidário
                   imprestável


(poeta paulista que hoje faz 48 anos)
As ninfas

As meninas
florescem em músculos e seios e barrigas lisas,
peles de pêssego
maduras aos olhos da cobiça.

As meninas
são miragens de vitrina,
algodão doce de esquina,
infláveis ao vento a paixão.

Tão voláteis, tão escorregadias.
Basta um toque.
E não resta nada em nossas mãos.


(poeta mineiro que hoje faria 60 anos)

Não discuto

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino


(poeta paranaense que hoje faria 71 anos)

domingo, agosto 23, 2015

A morta

Sua carne e sua alma
ficaram quietas e mudas.
Seu grande corpo hirto e branco
era uma estátua horizontal
feita de gelo e silêncio.

Nós ficamos bruscamente sem saber
se estávamos diante de uma pedra
ou de um mundo sem acústica.

Ela sorria um sorriso enigmático
desafiando nossa perplexidade
e em meio à nossa aflição
somente ela era serena.

Então essa coisa pacífica e absurda
encheu-nos de medo
porque era mais terrível do que uma coisa viva.


(poeta paulista falecido faz hoje 27 anos)

sábado, agosto 22, 2015

O orvalho de tua voz

Se for noite
e os ventos calados
permanecerem à borda do mundo,
tecerei castelos de sonhos
no pêndulo do tempo.

Se for noite
e as mãos na pálpebra fechada
buscarem castelos e rodopios de sol,
colherei a madrugada
bebendo o orvalho de tua voz.


(poetisa boliviana que hoje faz 66 anos)

sexta-feira, agosto 21, 2015

A meu favor

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.


(Alexandre O'Neill faleceu faz hoje 29 anos)

quinta-feira, agosto 20, 2015

Bicho papão

bicho papão
viu moça em flor
e papoula


(poetisa gaúcha que hoje faz 54 anos)
MULHER DA VIDA

Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.


 (poetisa goiana nascida faz hoje 126 anos)

quarta-feira, agosto 19, 2015

Cacida da Mão Impossível

Não quero mais que uma mão,
mão ferida, se possível.
Não quero mais que uma mão,
inda que passe noites mil sem cama.

Seria um lírio pálido de cal,
uma pomba atada ao meu coração,
o guarda que na noite do meu trânsito
de todo vetaria o acesso à lua.

Não quero mais que essa mão
para os diários óleos e a mortalha de minha agonia.
Não quero mais que essa mão
para de minha morte ter uma asa.

Tudo mais passa.
Rubor sem nome mais, astro perpétuo.
O demais é o outro; vento triste
enquanto as folhas fogem debandadas.


(poeta andaluz assassinado faz hoje 79 anos) 

Tradução de Oscar Mendes

terça-feira, agosto 18, 2015

Viagem

Estamos partindo
Ou estamos voltando?
Somos satélites humanos
em órbita da terra...
Assim como a terra
está para o sol
até que a morte da terra
e do sol nos separe...


(poeta gaúcho que hoje faria 89 anos)

segunda-feira, agosto 17, 2015

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


(Carlos Drummond de Andrade faleceu faz hoje 28 anos)
Visionários

Entre nós dois há um mistério profundo:
o de não haver
primeiro ou segundo.


(escritor carioca que hoje faz 39 anos)

domingo, agosto 16, 2015

O neoliberal (excerto)

o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre - festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)


(poeta paulista falecido faz hoje 12 anos)
Obstinação dos Outros

Deixamos de beber
E em cada esquina
Abriram um novo bar.

Abandonamos o fumo;
Passam homens, crianças
E navios
A fumar.

A rua, como nunca, está cheia de mulheres
Jovens, lindas de corpo, sedutoras de andar.

Ah, mas já deixamos de amar.


(Millôr Fernandes nasceu faz hoje 92 anos)

sábado, agosto 15, 2015

Sótão

Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.


(Fiama Hasse Pais Brandão nasceu faz hoje 87 anos)

sexta-feira, agosto 14, 2015

Despedida

Ventura que nunca tive,
paz irreal que nunca veio.
A vida fecha o horizonte,
chega a noite sem rumor.

Cala-se a voz. (já era tímida).
Meu eco morre aqui mesmo.
Que importa à sombra que desce
o grito que não se ouviu?


(poeta mineiro nascido faz hoje 113 anos)

quinta-feira, agosto 13, 2015

 Perspectiva da sala de jantar

A filha do modesto funcionário público
dá um bruto interesse à natureza-morta
da sala pobre no subúrbio.
O vestido amarelo de organdi
distribui cheiros apetitosos de carne morena
saindo do banho com sabonete barato.

O ambiente parado esperava mesmo aquela vibração:
papel ordinário representando florestas com tigres,
uma Ceia onde os personagens não comem nada
a mesa com a toalha furada
a folhinha que a dona da casa segue o conselho
e o piano que eles não têm sala de visitas.

A menina olha longamente pro corpo dela
como se ele hoje estivesse diferente,
depois senta-se ao piano comprado a prestações
e o cachorro malandro do vizinho
toma nota dos sons com atenção.


(poeta mineiro falecido faz hoje 40 anos)

quarta-feira, agosto 12, 2015

Poema VI

Hoje pensar me dói como ferida.
O próprio poema não é poema.
Tem qualquer coisa de trágico.
De pétalas descidas.
De véu cobrindo o retrato
de um morto.
Hoje pensar me dói como ferida.
Mas é uma imposição - pensar.
Não quero estado de graça,
nem aceito determinismo.
Só a morte é irreversível.
A opressão do azul
aumenta meu conflito,
e é cruel escutar as razões
da razão.
Quisera repartir-me
no cristal da manhã.
Ser um pouco daquela rosa
tocada de irrealidade;
da tênue luz ferindo
o espelho do rio;
daquela estátua pudica
que parece ter ressuscitado
a inocência.
Mas em vez disso,
aqui estou:
queimada em pensamentos,
quebrados os instrumentos
do sonho.


(poetisa gaúcha nascida faz hoje 110 anos)

terça-feira, agosto 11, 2015

segunda-feira, agosto 10, 2015

Sono

Dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite:
e assim perdido
o sono
o olvido
bates, coração, repetes
sem querer
o dia.


(Carlos de Oliveira nasceu faz hoje 94 anos)

domingo, agosto 09, 2015

No renascer do mundo

Nas folhagens do azul
mais luminoso
encontro a música silenciosa
do teu primeiro sorriso
e lembro
depois
o automóvel cortando a noite
a tua boca fremente
a tua mão na minha
Lisboa a madrugar
no renascer do mundo


(Urbano Tavares Rodrigues faleceu faz hoje 2 anos)
Faz-me o favor

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor!-
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.


(Mário Cesariny nasceu faz hoje 92 anos)

sábado, agosto 08, 2015

Quanto Morre um Homem

Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?


(poeta riomaiorense falecido faz hoje 37 anos)
Idiotas, palhaços e bandidos

Idiotas, palhaços e bandidos,
enfatuados, ocos, ignorantes,
do capital humildes servidores,
ante os trabalhadores majestosos,
melífluos, devotos, afectados,
hipócritas, sem escrúpulos, grosseiros,
no apetite à solta insaciáveis,
na total desvergonha sem remédio,
agiotas vorazes para os pobres,
para os ricos mãos rotas sem medida,
impávidos na asneira triunfal,
relapsos no logro e na mentira,
useiros e vezeiros na traição,
são os que nos governam e eu desprezo.


(Armindo Rodrigues faleceu faz hoje 22 anos)

sexta-feira, agosto 07, 2015

Noite Vazia

Crescimento do silêncio a devorar as nuvens.
Voo incansável e monótono das aves brancas do cérebro.
Florida e ondulada suspensão da mágoa.
As ferocidades são ternuras desmaiando na estepe adivinhada.
O amor abre goelas bocejantes nos côncavos da ausência do espaço.
E a morte espreitando a lentidão
irradia baçamente a sua despedida.

Noite vazia.

As aves brancas do cérebro
inutilmente abatem as suas asas!


(escritor madeirense nascido faz hoje 116 anos)

quinta-feira, agosto 06, 2015

Elliott Smith faria hoje 46 anos. Faleceu aos 34
Como um eco

Não tinhas
nome. Existias
como um eco
do silêncio. Eras
talvez
uma pergunta
do vento.


(poeta fundanense que hoje faz 85 anos)

quarta-feira, agosto 05, 2015