How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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domingo, novembro 30, 2014
A Criança
que fui chora na estrada
A Criança
que fui chora na estrada,
Deixei-a ali
quando vim ser quem sou;
Mas hoje,
vendo que o que sou é nada,
Quero ir
buscar quem fui onde ficou.
Ah, como
hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem
a regressão errada.
Já não sei
de onde vim nem onde estou.
De o não
saber, minha alma está parada.
Se ao menos
atingir neste lugar
Um alto
monte, de onde possa enfim
O que
esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência,
ao menos, saberei de mim,
E ao ver-me
tal qual fui ao longe, achar
Em mim um
pouco de quando era assim.
(Fernando
Pessoa faleceu faz hoje 79 anos)
sábado, novembro 29, 2014
Pensei que
eras meu inimigo
Pensei que
eras meu inimigo,
a minha
grande infelicidade.
Mas inimigo
não és – só um mentiroso
e são vãs as
tuas manobras.
Diante do
carrossel
eu joguei
cara ou coroa.
Queria, com
essa moeda,
saber se te
amo ou não.
Meu lenço
ficou caído
no chão, no
jardim Aleksándrov.
Aqueci as
mãos; mas todos souberam
o que eu
pensava – e que também mentia.
As mentiras
devem estar voando
à minha
volta como corvos.
Mas da
próxima vez que te despedires
não verás,
em meus olhos, nem azul nem negro.
Ah, continua
vivendo, não fiques triste.
Por mim está
tudo bem.
Mas como
tudo isso é inútil,
como é tudo
absurdo!
Você indo
para um lado,
eu indo para
outro.
(poetisa
russa falecida faz hoje 4 anos)
Tradução de
Lauro Machado Coelho
sexta-feira, novembro 28, 2014
Tela Íntima
Lá fora, a
noite escura... o vento aos ais,
A soluçar e
a rir - doido soturno,
É um
violinista trágico e nocturno
Wagnerizando
a voz dos temporais!
Lá fora, a
chuva fria das procelas...
E cá dentro,
ao calor da nossa casa,
O nosso
coração a arder em brasa
E o silêncio
divino das estrelas
Tu embalas
ao colo a nossa Filha...
A luz, a
arder, que em nossos rostos brilha,
Dá-lhes um
tom rosado de manhã...
E com a
estranha e misteriosa tinta,
Com que Deus
ao Sol-Posto as coisas pinta;
Nós formamos
um quadro de Rembrandt!
(José Campos
de Figueiredo faleceu em Coimbra em 28 de Novembro de 1965)
quinta-feira, novembro 27, 2014
Canto
Universal
Chegou a
hora
- mas a
hora, de verdade -
de todos,
contritos se juntarem.
Uníssonos,
coesos
Num só
pensamento,
Numa só
vibração,
Num só
desdobrar de desejos!
Que vontade
eu sinto
Que vontade
de apagar dos olhos de todos
Essa
angústia
Essa
inquietação permanente
Essa
desconfiança contínua
Essa
incredulidade destruidora
Que todos
têm por todos
Neste mundo
de agora!
E nesses
mesmos olhos, colocar,
Somente
alegria, tranqüilidade
Suprema
confiança, ternura...
(escritora
baiana que hoje faz 96 anos)
quarta-feira, novembro 26, 2014
terça-feira, novembro 25, 2014
segunda-feira, novembro 24, 2014
Lição sobre
a água
Este líquido
é água.
Quando pura
é inodora,
insípida e incolor.
Reduzida a
vapor,
sob tensão e
a alta temperatura,
move os
êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam
máquinas de vapor.
É um bom
dissolvente.
Embora com
excepções mas de um modo geral,
dissolve
tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a
zero graus centesimais
e ferve a
100, quando à pressão normal.
Foi neste
líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar
gomoso e branco de camélia,
apareceu a
boiar o cadáver de Ofélia
com um
nenúfar na mão.
(Rómulo
Vasco da Gama de Carvalho nasceu a 24 de Novembro de 1906)
domingo, novembro 23, 2014
sábado, novembro 22, 2014
sexta-feira, novembro 21, 2014
A Velha casa
Havia sempre
no passado
o momento de
grande gargalhada.
Corríamos
pela casa
como duas
crianças
e sacudíamos
os lençóis
com nossos
corpos.
Tínhamos em
comum
a admiração
da lua
e um certo
jeito de olhar o mundo.
E mesmo hoje
no passado
em que já
nos encontramos distantes
ainda
corremos pela casa
desabitada.
E só.
(poeta
paulista nascido em França que hoje faz 50 anos)
quinta-feira, novembro 20, 2014
A maior
mágoa
Cá dentro da
minh'alma de mulher,
Alma feita
de sonho e de incerteza,
Sedenta de
afeição e de beleza,
Quantas
coisas sonhei p'ra te dizer!...
Quantas
coisas sonhei p'ra te escrever!...
Jamais
mulher alguma, com certeza,
Cantou com
tanto amor, tanta tristeza,
O bem que
desejou sem nunca o ter!...
Porque a
chaga mais viva, que mais dói,
Não é
saudade do que a vida foi...
Ninguém nos
rouba um doce bem vivido.
A mágoa do
que foi é suportável;
É bem mais
funda a mágoa irreparável
Daquilo que
pudera, enfim ter sido!...
(poetisa
portuense falecida faz hoje 34 anos)
quarta-feira, novembro 19, 2014
Oferta
Nada tendo
para te oferecer,
te oferto:
as rédeas da
minha imaginação,
os meus
versos,
e a sua
precária imperfeição.
O que possa
haver no meu canto
de puro e
limpo,
claro dia,
sol a pino,
frutos e
flores,
cheiro de
chuva subindo da terra seca,
tudo te oferto,
nesse verso,
pobre bandeja.
Escravo do
sonho,
Pintor do
nada,
Equilibrista
em terra firme,
Almirante
sem navio,
triste até
quando sorrio,
te ofereço
como teto e casa
o meu ideal
e esse sol bravio.
(escritor
pernambucano nascido faz hoje 73 anos)
terça-feira, novembro 18, 2014
O regresso
Como quem,
vindo de países distantes fora de
si, chega
finalmente aonde sempre esteve
e encontra
tudo no seu lugar,
o passado no
passado, o presente no presente,
assim chega
o viajante à tardia idade
em que se
confundem ele e o caminho.
Entra então
pela primeira vez na sua casa
e deita-se
pela primeira vez na sua cama.
Para trás
ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades,
estações do ano.
E come agora
por fim um pão primeiro
sem o sabor
de palavras estrangeiras na boca.
(Manuel
António Pina nasceu faz hoje 71 anos)
segunda-feira, novembro 17, 2014
Viva a
democracia!
Foi hoje a
enterrar
o velho
torcionário
com honras
militares
Cercavam-no
os seus pares
impunemente
de morte
ameaçando
quem tal via
Do crime
funcionário
chegou ao
fim aproveitando
a apatia
conivente
instituída
A teia da
vergonha entretecida
de espanto
empesta o ar
Viva a
democracia!
(Mário
Dionísio faleceu faz hoje 20 anos)
domingo, novembro 16, 2014
Água Azul
Altos
segredos escondem dentro de água
O reverso da
carne, corpo ainda.
Como um
punho fechado ou um bastão,
Abro o
líquido azul, a espuma branca,
E por fundos
de areia e madrepérola,
Desço o véu
sobre os olhos assombrados.
(Na medida
do gesto, a largueza do mar
E a concha
do suspiro que se enrola.)
Vem a onda
de longe, e foi um espasmo,
Vem o salto
na pedra, outro grito:
Depois a
água azul desvenda as milhas,
Enquanto um
longo, e longo, e branco peixe
Desce ao
fundo do mar onde nascem as ilhas.
(José
Saramago nasceu faz hoje 92 anos)
sábado, novembro 15, 2014
Primeira
Chuva
Quentura de
noite pejada de nuvens baixas e negras.
Bambos
bamboleios de trovão soturno
batendo o
tímpano bambo da zabumba do horizonte.
Trovão
apagado,
saudoso,
distante.
Depois a
chuva em grossos pingos
sobre os
telhados,
Na poeira
ressequida das estradas,
na terra
requeimada das queimadas,
desprendendo
um cheiro forte de gestação.
(Mamãe
molhava algodão em cachaça canforada
E nos dava
para cheirar: cuidado com defluxo!)
Amanhã tudo
vai começar de novo:
as folhas
voltarão aos galhos secos,
as águas
resmungarão nas grotas mortas,
os pássaros
do céu hão de cantar no cio...
(E aquela
que partiu porque não volta?)
Lá fora uma
goteira numa lata pinga,
pinga a
pingo,
pengue,
pengue,
numa toada
monótona de preta que ninasse.
Pengue,
pengue,
pingo a
pingo.
(E aquela
que partiu,
Porque não
volta?)
(escritor
goiano nascido faz hoje 99 anos)
sexta-feira, novembro 14, 2014
quinta-feira, novembro 13, 2014
É tarde, meu
amor
É muito
tarde
O tempo
implacável me consome
E destrói o
vigor do corpo moço:
Apagou o
fulgor do meu olhar
Roubou a
altivez do seio cheio
Secou o rio
manso do meu ventre
Cobriu de
pergaminho a minha mão
É tarde,
muito tarde
Mas… por
dentro
Ainda bate,
por ti, o coração.
(poetisa
satense nascida faz hoje 77 anos)
quarta-feira, novembro 12, 2014
Flautim
Guardaremos
juntos
os acertos,
breves,
os enganos,
fundos,
e aquele
remoto
amparar de
parcos,
altivos
escolhos.
Cairão o
signo
e a secreta
cinza
desse
ardente enigma.
Não
lamentaremos
mais que o
desencontro
dos humanos
termos,
a rápida
marca
que o
passado imprime
na face, na
máscara,
e os puros
despojos
que às vezes
são versos
e sempre são
ossos.
Não diremos
nada
dos velhos
desejos
que a
memória abraça,
sem qualquer
palavra
não
recordaremos
o que nos
pesava,
mas apenas
isso
que nos pese
ainda:
ter vindo,
ter sido.
(poeta
carioca nascido a 12 de Novembro de 1940)
terça-feira, novembro 11, 2014
Defesa do
lobo contra os cordeiros
Querem que o
abutre coma miosótis?
o que exigem
do chacal?
do lobo, que
mude de pele? Querem
que ele
mesmo extraia seus dentes?
O que é que
não apreciam
nos
comissários políticos e nos papas,
porque
olham, feito burros,
o vídeo
mentiroso?
Olhem-se no
espelho: covardes,
temendo a
fadiga da verdade
sem vontade
de aprender, entregando
o pensar aos
lobos
um anel no
nariz como adorno preferido,
nenhuma
ilusão burra o bastante, nenhum consolo
barato o
suficiente, cada chantagem
ainda é
clemente demais para vocês.
Ó cordeiros,
irmãs
são as
gralhas comparadas a vocês:
vocês se
arrancam os olhos uns aos outros.
Fraternidade
reina
entre lobos:
andam em
alcateias.
Louvados
sejam os salteadores: vocês
convidam
para o estupro
deitando-se
no leito preguiçoso
da
obediência. Mesmo gemendo
vocês
mentem. Querem
ser
devorados. Vocês
não mudam o
mundo.
(poeta
alemão que hoje faz 85 anos)
(Tradução de
Kurt Scharf e Armindo Trevisan)