Páginas

terça-feira, abril 30, 2013

Lá no Água Grande

Lá no Água Grande a caminho da roça
negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.

Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.

Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.

As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.

E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.


(Alda Neves da Graça do Espírito Santo, nasceu a 30 de Abril de 1926, em São Tomé)

segunda-feira, abril 29, 2013

A Origem do Mundo

De manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,
ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,
fica ao contrário: o céu, que não vejo, está
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.


(Nuno Júdice faz hoje 64 anos)

domingo, abril 28, 2013

A Janela e o Sol

"Deixa-me entrar, - dizia o sol - suspende
A cortina, soabre-te! Preciso
O íris trêmulo ver que o sonho acende
Em seu sereno virginal sorriso.

Dá-me uma fresta só do paraíso
Vedado, se o ser nele inteiro ofende...
E eu, como o eunuco, estúpido, indeciso,
Ver-lhe-ei o rosto que na sombra esplende."

E, fechando mais, zelosa e firme,
Respondia a janela: "Tem-te, ousado!
Não te deixo passar! Eu, néscia, abri-me!

E esta que dorme, sol, que não diria
Ao ver-te o olhar por trás do cortinado,
E ao ver-se a um tempo desnudada e fria?!"


(poeta carioca nascido faz hoje 156 anos)
Quando em mim tudo for silêncio

Quando em mim tudo for silêncio
e a própria vida esvair-se
nas esteiras das águas flutuantes,
hei de buscar, no primeiro ancoradouro,
o porto seguro para meus sonhos todos.
Que importa que haja ondas revoltas,
ameaçando um casco acorrentando.
Quero respirar, no último momento,
a esperança diluindo-se em espumas,
espumas desmanchando-se em esperanças.


(poetisa catarinense que hoje faz 81 anos)

sábado, abril 27, 2013

Aspiração

A noite extraordinária em que vieres,
desabe um poderoso temporal...
Tensos, tácteis,
nos descobriremos
na praia escura da nudez.
No claro desafogo da madrugada,
o tamborilar da chuva
nos oferecerá seu jubiloso ritmo
e, à melodia líquida das calhas,
eu possa, com os olhos ardentes,
contemplar, na penumbra aconchegante,
teu corpo luminoso.


(poeta paulista nascido faz hoje 92 anos)

sexta-feira, abril 26, 2013

LÁZARO

Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.

De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.

Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.

Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.

Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.


(poeta carioca que hoje faz 50 anos)

quinta-feira, abril 25, 2013

Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen
As portas que Abril abriu


quarta-feira, abril 24, 2013

In memoriam

Como uma cega que lesse Braille
recordo o teu sorriso com os olhos aguados
Subo as escadas do vento
e vou ter contigo às flores da claridade

Repousam os lírios da europa
no aquário dos teus olhos;
Há todo um mar azul com tanta luz
e tanto sol nos teus ombros de homem.

Só quero ter esta esperança:
que continuas com outros nomes
e o olhar assombrado de criança.


(poema dedicado pela poetisa coimbrã a Miguel Portas, falecido faz hoje 1 anos)
El Centinela

Al pie de su propia sombra
lo mataron.
Al pie de su corazón.

Al caer se cerró el ángulo
de su esperanza en la tierra...
La muerte acabó su espacio.

Al pie de su corazón,
al pie mismo lo mataron:
vértice de su dolor.

¿Cayó su cuerpo en la sombra?
¿La sombra al cuerpo subió?...

Cerrado está el abanico
que su ausencia nos dejó.
Cerrado de un golpe seco:
vértice de su dolor.

Al pie de su propia sombra
lo mataron:
al pie de su corazón.

La muerte acabó su espacio:
ángulo de tierra y sol.


(poeta  malaguenho falecido faz hoje 51 anos)

terça-feira, abril 23, 2013

Primeiro de maio

Surja esse verso de maio,
trazido pelos arcanjos,
um verso que faça maio,
o maio dos desenganos,
e fel transforme em doçura,
rendilhando de ternura,
os meus fracassos humanos.

Um verso que me decifre,
nas horas de ansiedade,
que não sendo antologia,
seja a minha humanidade,
levando por onde for,
os meus suspiros de amor
e gritos de liberdade.

Um verso assim como esse:
"Proletários de todo o mundo,
( uni-vos )" .

(Quartel da Companhia de Guardas da Polícia Militar do Estado do Pará, 1º de Maio de 1964)


(poeta paraense falecido faz hoje 23 anos)

segunda-feira, abril 22, 2013

Romance de Luanda

Coqueiros esguios - leques ao vento
abanando a Ilha.

Um dongo flutua
na baia.

E ela, a negra maravilha
condecorada com reflexos de prata
com que o céu a está beijando,
com que o céu a está vestindo,
- adormeceu sonhando
placidamente sorrindo.

Nas águas verdes da baia calma,
caem pétalas vermelhas
de uma linda flor de ónix!

E o timoneiro, um preto atleta,
jovem pescador
é um brutal Cupido,
- é o Deus do Amor
em bronze reproduzido!

Nas águas verdes da baia calma,
caem pétalas de sangue,
duma flor já desfolhada...

Um dongo flutua
na baia.

Vai rompendo a madrugada!


(poeta constanciense nascido a 22 de Abril de 1900)

domingo, abril 21, 2013

Da Noite - I

Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas
E buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.
Algumas tinham manchas azuladas
E o dorso reluzia igual à noite
E as manhãs morriam
Debaixo de suas patas encarnadas.

Vi-as sorvendo as uvas que pendiam
E os beiços eram negros e orvalhados.
Uníssonas, resfolegavam.

Vi as éguas da noite entre os escombros
Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas.
Laços de pedra e palha entre as alfombras
E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.

Vi-as tumultuadas. Intensas.
E numa delas, insone, me vi.


(poetisa paulista nascida faz hoje 83 anos)

sábado, abril 20, 2013

Ficar à escuta

Ficar
à escuta

À escuta
do silêncio


(Adília Lopes faz hoje 53 anos)
As pequenas palavras

De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.

De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.

De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.

E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.


(Rosa Lobato de Faria nasceu faz hoje 81 anos)

sexta-feira, abril 19, 2013

Preparação para a Morte

A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.


(poeta pernambucano nascido faz hoje 127 anos)

quinta-feira, abril 18, 2013

Tony Mottola nasceu faz hoje 95 anos
O Grande Momento

A varanda era batida pelos ventos do mar 
As árvores tinham flores que desciam para a  
            morte, com a lentidão das lágrimas. 
Veleiros seguiam para crepúsculos com as  
       asas cansadas e brancas se despedindo, 
O tempo fugia com uma doçura jamais de  
                                   novo experimentada 
Mas o grande momento era quando os meus 
                                       olhos conseguiam 
      entrar pela noite fresca dos seus olhos... 


(poeta carioca nascido faz hoje 107 anos)

quarta-feira, abril 17, 2013

Revelação à Meia-Noite

Toda a gente
pensa no Infinito
como um oito
deitado.
Mas de repente
apercebo-me
de que o oito é
o Infinito levantado.


(cientista e poeta dinamarquês falecido faz hoje 17 anos)

(tradução de Natália Bebiano e F. J. Craveiro de Carvalho)

terça-feira, abril 16, 2013

A espantosa realidade das cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

segunda-feira, abril 15, 2013

Um Poema Que Se Perdeu

Hoje o dia é um dia chuvoso e triste
amortalhado
Naquela monotonia doente dos grandes dias.

Hoje o dia...
(a pena caiu-me das mãos)

Acabou-se o poema no papel.
Cá por dentro
Continua...

Oh! este marulhar das almas no silêncio!


(Fernando Namora nasceu faz hoje 94 anos)

Joe Ramone faleceu faz hoje 12 anos
MÁSCARA

Passa o tempo da face
E o prazer de mostrá-la.
Vem o tempo do só,
A rua do desgosto,
O trilho interminável
Numa estrada sem casas.
O final do espetáculo,
A sala abandonada,
O palco desmantelado.

Do que foi uma face
Resta apenas a máscara,
O retrato, a verônica,
O fantasma do espelho,
O espantalho barbeado,
A face deslavada,
Mais sulcada, mais suja,
De beijada, cuspida,
Amarrotada
Como um jornal velho.
Máscara desbotada
De carnavais passados.
Esta é a nossa cara
Escaveirada.

Até que a terra
Com sua garra
Nos rasgue a máscara.


(poeta carioca falecido faz hoje 22 anos)

domingo, abril 14, 2013

O ESPELHO

Embrenhei-me na selva dos sentidos
à procura de um espelho
que me ofertasse paz e poesia
em ninho de tempo oculto.

Espelho só meu
sem mancha ou distorções
puro brunido ensimesmado,
de ver-me todo num bater de pálpebra,
a realidade numa só figura.

Procurei-o na terra do sem-fim
remota e noturna
onde tudo o que há principia.
Procurei-o nos desvãos das matas,
oculto sob as pérolas do orvalho
no filete de água que murmura
antecipando o reboar do oceano.

Procurei-o no sol, nas nuvens,
no vôo errante das aves
na terra gorda que tudo absorve,
nas teias, nos ninhos, nas colmeias.

E o espelho foi surgindo no meu peito
à medida da angústia e da procura,
espelho igual aos demais espelhos.


(escritor paulista falecido faz hoje 7 anos)

sábado, abril 13, 2013

Trago Alentejo na Voz

Letra e música: José Luís Gordo

(poeta borbense que hoje faz 66 anos)
A ÁRVORE DOS DESEJOS

Recordei-a como a árvore dos desejos que morreu
E vi-a subir, inteira, até ao céu,
Deixando um rasto de tudo o que se cravara

Por cada carência, uma e outra vez, na têmpera
Da sua casca e sâmago: moeda, alfinete e prego
Desfraldaram dela como uma cauda de cometa

Recém-cunhada e dissolvida. Tive uma visão
De uma ramada aérea atravessando húmidas nuvens,
De rostos erguidos, onde a árvore estivera.


(poeta irlandês que hoje faz  74 anos – Nobel 1995)

(tradução de Rui Carvalho Homem)

sexta-feira, abril 12, 2013

A FLOR DA CHUVA...

... e a flor da chuva no capim
tem mais perfume

abertas bem abertas estão as mãos
para abraçar esta manhã sem nuvens

ontem (não importa já o pôr-do-sol nas buganvílias)
ontem (murchas estão agora as flores
das coisas que eram coisas nada mais)
ontem havia medo até no caminhar das rolas sobre a areia.

A poesia de hoje é a voz do povo
todo o mundo  o mundo até de algum silêncio persistente
quer romper a mancha que da noite inda nos fala.

Oh admirável sangue a pulsar em cada estrela
o sol é negro e ilumina
a imensidão deste perfume
que nos traz a flor da chuva

o sol é negro e brilha dos vulcões
de cada peito independente.

Madrugada de fevereiro.

Sou angolano!


(escritor angolano que hoje faz 77 anos)

quinta-feira, abril 11, 2013