domingo, março 29, 2009

Farrapos e trapos Há bem mais de sessenta anos, a minha avó e a minha mãe, pessoas que apenas tinham saber de experiência feito, eram exímias tecedeiras e, entre outras coisas, teciam mantas de farrapos. Essas mantas, que constituíam o único meio de aquecimento das camas lá de casa, eram feitas a partir de recortes finos das roupas rotas que já não tinham possibilidade de ser remendadas e a variedades de cores era decidida a olho pela tecedeira. Eu ainda tenho algumas, de cores claras, que já utilizei nos bancos traseiros do carro quando a filhota era criança, e que agora são utilizadas para dar uma cor minhota ao sofá da sala, quando tenho visitas especiais. Lembrei-me da influência das mantas de farrapos na minha vida quando, no Jornal da Tarde de hoje, vi uma reportagem sobre a Vianatece, uma empresas de tapetes de trapos com sede em Castelo de Neiva, que exporta os seus artigos um pouco para todo o mundo. Ao ver aquelas jovens em teares manuais, recuei às imagens da minha infância, ali reflectida com ligeiras diferenças: na casa onde nasci, no concelho de Ponte do Lima, havia só um tear numa longa varanda, as tecelãs eram a minha avó, a minha mãe ou uma das duas minhas irmãs mais velhas, as lançadeiras eram muito mais pequenas, havia um treco treco do pente muito mais sincopado e os trapos chamavam-se farrapos, porque o nível cultural dos camponeses dos anos 40/50 não lhes permitia chamarem-lhe trapos. Seja como for, os meus parabéns à empresária da Vianatece e os meus votos de que apareçam outras empresas dedicadas, por exemplo, aos produtos de linho. É que na freguesia de onde sou natural, rural e pequena de três mil e tal eleitores, a última pessoa que sabia tratar o linho desde a sementeira até aparecer na mesa sob a forma de toalha, faleceu num dia de Junho (dia 10, mais concretamente) de 1993. Tinha 84 anos, chamava-se Rosa Maria e era minha mãe. As teias que a memória tece!

2 comentários:

mdsol disse...

Um texto tão bonito e sentido que, por isso mesmo é muito comovente!
:)))

Milu disse...

Também tenho uma manta dessas, bem pesadota! A minha manta não aquece grande coisa, serve para pôr por cima dos cobertores e dar uma sensação de peso, logo, de conforto. Tenho também passadeiras. Têm durado vidas! Vieram da minha avó, passaram pela minha mãe e agora são minhas! Muito ternurenta essa referência à sua mãe!