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sexta-feira, julho 31, 2015

Se isto é um homem

Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.


(Primo Levi nasceu faz hoje 96 anos) 

Tradução de Simonetta Cabrita Neto

quinta-feira, julho 30, 2015

Os degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...


(poeta gaúcho nascido faz hoje 109 anos)

quarta-feira, julho 29, 2015

Esqueci teu nome

Esqueci teu nome
lembro apenas o rosto
e as lágrimas
que caíram nas minhas mãos.

Abraçavas a morte e o desamor
numa balada imperfeita
em tons de enredos mentais
dolorosos.

Afaguei ao de leve
teu verde olhar
que de tão verde
a esperança se despiu
- vestiu-se de negro.

Não fiz parte desse quadro
pincelado rudemente
com bofetadas alisadas
por silêncios suicidas.

Paralisada, amarfanhada
de mim,
fiz figura de autista.

Esqueci teu nome
guardei tuas lágrimas
e com elas me lamento.


(poetisa portuense que hoje faz 57 anos)

terça-feira, julho 28, 2015

Prelúdio

A minha Poesia é uma árvore cheia de frutos
que um sol de tragédia amadurece;
mas eu não os arranco nem procuro:
-  o meu sol de tragédia aquece, aquece,
e o fruto cai de maduro.

No resto, sou empregado de escritório
que não procura desvendar abismos,
e passa o dia (glorioso ou inglório)
a somar algarismos...

A minha Poesia é uma árvore cheia de frutos
que um sol de tragédia amadurece;

mas eu não os arranco nem procuro:
- sei a miséria da estrada percorrida;
o meu sol de tragédia aquece, aquece,

- e o fruto cai de maduro
no chão da minha vida.


(Sidónio Muralha nasceu faz hoje 95 anos)

segunda-feira, julho 27, 2015

Poema do pastoreio

Nasci pastor. Aos vinte anos,
por verdes campos risonhos,
andei tangendo ilusões…
- meu rebanho era de sonhos.

Agora, além dos sessenta,
ao peso dos próprios anos,
pastoreio outro rebanho…
- hoje, só de desenganos.

E no meu velho cajado,
que é o mesmo da mocidade,
ainda me apoio a sonhar…
- mas chorando de saudade.


(poeta paulista falecido faz hoje 41 anos)

domingo, julho 26, 2015

Herói Vencido

Naquele dia
Parti
A hora em que a cidade era saudosa
Das vidas que eu viveria
Se me não fora impossível.
Ali,
Tudo me prometia
O perdido para sempre,
E tudo me era sensível,
Como se fosse de novo,
Ou eu visse
Com os olhos da outra gente.

Nesse momento,
De mim próprio tão diferente,
Era o herói conhecido
De um romance concebido
E nunca realizado...

No ar da gare,
Entre o silvo das partidas,
Estava suspenso, parado,
O perfume concentrado
De todas as despedidas.


(poeta portuense nascido a 26 de Julho de 1905)

sábado, julho 25, 2015

A amazona comia seu derradeiro seio

A amazona comia seu derradeiro seio
À noite antes da batalha final
Seu cavalo calvo respirava o ar fresco do mar
Escoiceando de ódio relinchando seu medo
Pois os deuses desciam dos montes da ciência
Traziam consigo os homens
E os tanques


(poetisa franco-egípcia nascida faz hoje 87 anos) 

Tradução de Roberto Bessa

sexta-feira, julho 24, 2015

Bolha de sabão

Dirás, quando a vires:
“A bola de vidro rola
debaixo do arco-íris”.


(poeta paulista nascido faz hoje 125 anos)

quinta-feira, julho 23, 2015

Ação gigantesca

Beijei a boca da noite
E engoli milhões de estrelas.
Fiquei iluminado.
Bebi toda a água do oceano.
Devorei as florestas.
A Humanidade ajoelhou-se aos meus pés,
Pensando que era a hora do Juízo Final.
Apertei, com as mãos, a terra,
Derretendo-a.
As aves em sua totalidade,
Voaram para o Além.
Os animais caíram do abismo espacial.
Dei uma gargalhada cínica
E fui descansar na primeira nuvem
Que passava naquele dia
Em que o sol me olhava assustadoramente.
Fui dormir o sono da eternidade.
E me acordei mil anos depois,
Por detrás do Universo.


(poeta cearense que hoje faria 68 anos)

quarta-feira, julho 22, 2015

Elogio da memória

O funil da ampulheta
apressa, retardando-a,
a queda
da areia.

Nisso imita o jogo
manhoso
de certos momentos
que se vão embora
quando mais queríamos
que ficassem.


(poeta paulista nascido faz hoje 89 anos)

terça-feira, julho 21, 2015

Poética

não raro
poesia é arte
de revirar o
sonho da noite
anterior
e
desdenhar o
barulho da
manhã seguinte.


(poeta baiano que hoje faz 56 anos)

segunda-feira, julho 20, 2015

Cobalto nos faróis

Cobalto nos faróis
no azulado zinco dos cabelos
no calor ampliado das axilas
nas vértebras arando o pavimento

O contacto cruzado e celular dos ouvidos no
vácuo
a esfera de sangue nivelada à distância dos
poentes da terra
o impossível fixo das marés
o mar
e a lua vazia de folhas e animais

O movimento do suor no ar
o cansaço nos troncos e no sol
a terra
o fumo os ascensores os incêndios
a suspensão dos astros sobre a noite

O nível do cobalto a construir a morte nas
vertentes
a penumbra das rectas
os arbustos fechados no quadrante dos pulsos
golpeados
a sede o espaço o pânico
a mobilização do horizonte
no patamar do vento da cidade


(poeta farense que hoje faz 74 anos)

domingo, julho 19, 2015

Evelyn Glennie faz hoje 50 anos

Evelyn é surda profunda desde os 12 anos
Dedução

Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.


(poeta russo nascido faz hoje 122 anos) 

Tradução E. Carrera Guerra

sábado, julho 18, 2015

Salinidades

Desnudas a inocência nas salinas
águas residuais da maré-baixa
Perenidade mínima do corpo
a ondular na crispação do dia

Reflexo de teu vulto a decifrar
o jovem ser marinho indiciado
na fuga transitória das marés.


(poeta angolano - nascido em Ílhavo - que hoje faz 82 anos)

sexta-feira, julho 17, 2015

Praia

De repente esse sussurro
de vozes no vento
e não é o mar que fala.

De repente essa esperança
e não vem das pedras.

De repente o ar se enche
de vozes
e não é a noite que fala.

O mar escuta.


(poeta baiano falecido faz hoje 18 anos)

quinta-feira, julho 16, 2015

Jon Lord faleceu faz hoje 3 anos
Complicação

As ondas indo, as ondas vindo - as ondas indo e vindo sem
parar um momento.
As horas atrás das horas, por mais iguais sempre outras.
E ter de subir a encosta para a poder descer.
E ter de vencer o vento.
E ter de lutar.
Um obstáculo para cada novo passo depois de cada passo.
As complicações, os atritos para as coisas mais simples.
E o fim sempre longe, mais longe, eternamente longe.
Ah mas antes isso!
Ainda bem que o mar não cessa de ir e vir constantemente.
Ainda bem que tudo é infinitamente difícil.
Ainda bem que temos de escalar montanhas e que elas vão
sendo cada vez mais altas. Ainda bem que o vento nos oferece resistência
e o fim é infinito.
Ainda bem.
Antes isso.
50 000 vezes isso à igualdade fútil da planície.


(Mário Dionísio nasceu faz hoje 99 anos)

quarta-feira, julho 15, 2015

Esse despojamento

Esse despojamento
esse amargo esplendor.
Beleza em sombra
sacrifício incruento.

A mão sem jóias
descarnada
na pureza das veias.
A voz por um fio
desnuda
na palavra sem gesto.

O escuro em torno
e a lucidez
violenta lucidez terrível
batida de encontro ao rosto
como uma ofensa física.

Na imensidade sem pouso,
olhos duros
de pássaro.


(poetisa mineira nascida faz hoje 114 anos)

terça-feira, julho 14, 2015

Poética Contraditória

Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos ou submersos.

Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos;
Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.

Ser misterioso e triste é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos
É uma imagem heróica dos teus prantos.

Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.
Não sejas um escritor, mas um profeta.


(António Quadros nasceu faz hoje 92 anos)

segunda-feira, julho 13, 2015

AMAR OU ODIAR

Amar ou odiar: ou tudo ou nada!
O meio termo é que não pode ser
A alma tem d’estar sobressaltada
P’ra o nosso barro se sentir viver.

Não é uma cruz a que não for pesada,
Metade dum prazer não é um prazer;
E quem quiser a alma sossegada
Fuja do mundo e deixe-se morrer.

Vive-se tanto mais quanto se sente;
Todo o valor está no que sofremos…
Que nenhum homem seja indiferente!

Amemos muito, como odiamos já:
A verdade está sempre nos extremos,
Porque é no sentimento que ela está.


(poeta lamecence falecido faz hoje 75 anos)

domingo, julho 12, 2015

Tédio

Ir levando no caminho os amores perdidos
e os sonhos idos
e os fatais sinais do olvido.

Ir seguindo na dúvida das horas apagadas,
pensando que todas as coisas se tornaram amargas
para alongarmos mais a via dolorosa.

E sempre, sempre, sempre recordar a fragrância
das horas que passam sem dúvidas e sem ânsias
e que deixamos longe na estéril errância.


(Pablo Neruda nasceu faz hoje 111 anos) 

Tradução de Albano Martins

sábado, julho 11, 2015

História de algumas vidas

Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.


(poeta paulista falecido faz hoje 46 anos)

sexta-feira, julho 10, 2015

Força

Olha o sol!
Corre uma sombra no lombo do morro.
Há pedaços de luz que já voltaram.

Tudo invade a visão:
esguicho roxo de jacarandás,
atropelo vermelho dos telhados,
verde-gaio na folhagem trêmula.

Que ventinho moleque bulindo nas folhas...

Parece que o mundo nasceu de novo.


(poeta gaúcho falecido faz hoje 45 anos)

quinta-feira, julho 09, 2015

A miragem

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste - tua sombra sem carne me acompanha
Como o tédio da última volúpia.
Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade…
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.


(Vinícius de Moraes faleceu faz hoje 35 anos)

quarta-feira, julho 08, 2015

Ama-me

Ama-me
mas não te aproximes demasiado
deixa espaço para que o amor
se ria da sua felicidade
deixa sempre que um fogo do meu cabelo louro
seja livre.


(poetisa sueca nascida na Dinamarca faz hoje 103 anos) 

(Tradução de Amadeu Baptista)

terça-feira, julho 07, 2015

Syd Barrett faleceu faz hoje 9 anos
A Benção da Locomotiva
               
A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.

Como ela é concerteza o fruto de Caím,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
E convertam-na à fé Católica Romana.

Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais!

Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra,
E há-de ser com certeza um pouco protestante.

Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.

Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.


(Guerra Junqueiro faleceu faz hoje 92 anos)

segunda-feira, julho 06, 2015

Piolhoso país

Piolhoso país em que nasci,
Coio de inchados zeros vencedores,
de medíocres maus, de furta-cores,
de lázaros, de cães sem pedigree!

Sarcástica, de gozo, a gente ri.
São os péssimos tidos por melhores.
Pisam, brutais, angústia, pena, dores:
Ah! se os compreendo! Ah! se os compreendi!

São arrobas de sebo e cornadura,
Fornecedores de fábricas de pentes,
E de soro, também, contra as bexigas.

São deputados, directores-gerais,
Governadores, ministros, generais,
Sem que passem de tímidas lombrigas.


(escritor bracarense nascido a 6 de Julho de 1902)

domingo, julho 05, 2015

Promessa de uma noite

cruzo as mãos
sobre as montanhas
um rio esvai-se

ao fogo do gesto
que inflamo

a lua eleva-se
na tua fronte
enquanto tacteias a pedra
até ser flor


(Mia Couto faz hoje 60 anos)

sábado, julho 04, 2015

PERMANÊNCIA

Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
não sabe nada de geografia celestial.
Anda aos encontrões da realidade
sem acertar o tempo com o espaço.
Os relógios e as fronteiras não tem
tradução na sua língua. Falta-lhe
o amor da convenção em que nas outras
as palavras fingem de certezas.
O poeta lê apenas os sinais
da terra. Seus passos cobrem
apenas distâncias de amor e
de presença. Sabe
apenas inúteis palavras de consolo
e mágoa pelo inútil. Conhece
apenas do tempo o já perdido; do amor
a câmara escura sem revelações; do espaço
o silêncio de um vôo pairando
em toda a parte.
Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe
- morto redivivo.

Tudo é simples para quem
adia sempre o momento
de olhar de frente a ameaça
de quanto não tem resposta.
Tudo é nada para quem
descreu de si e do mundo
e de olhos cegos vai dizendo:
Não há o que não entendo.


(poeta portuense nascido faz hoje 107 anos)