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domingo, maio 31, 2015

indiscrição

lua na vidraça
espia dentro do quarto
o corpo da moça

o corpo dentro do corpo
o quarto dentro do quarto


(escritor paranaense falecido faz hoje 5 anos)

sábado, maio 30, 2015

Gosto e preciso de ti

Gosto e preciso de ti,
Mas quero logo explicar,
Não gosto porque preciso.
Preciso sim, por gostar.


(Mário lago faleceu faz hoje 13 anos)

sexta-feira, maio 29, 2015

A viagem definitiva

Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
Cantando.
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
E o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
E tocarão, como esta tarde estão tocando,
Os sinos do campanário.

Morrerão os que me amaram
E a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
Do domingo acabado,
Da diligência das cinco, das sestas do banho,
No recanto secreto do meu jardim florido e caiado
Meu espírito de hoje errará nostálgico...
E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore

Verde, sem poço branco,
Sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.


(poeta andaluz falecido faz hoje 57 anos)

quinta-feira, maio 28, 2015

O Sacrário

A ausência do corpo.
Amor absoluto.

Hossanas de sol.
De chuva.
De brisa.
E de andorinhas
resvalando as asas
no ombro de uma nuvem.

Com uma hérbia mantilha
por cima velando
o teu sacrário.


(José Craveirinha nasceu faz hoje 93 anos)

quarta-feira, maio 27, 2015

Segredo

Lá, na última das celas
nódoa negra de açoites,
não há dias, não há noites
porque as noites têm estrelas.

Lá, só na sombra que dói.
Sombra e brancura de um osso
que o preso remói, remói
no fundo do seu poço.

Lá, quando o vierem buscar
amanhã, depois ou logo,
terá na alma mais um fogo,
mais uma chama no olhar.


(poeta moimentense nascido faz hoje 103 anos)

terça-feira, maio 26, 2015

A carne

És mísera e brutal. Mas, nada obsta que agites
e açambarques  o mundo, e que essa alucinante
e estranha sensação que aos humanos transmites,
tenha, como nenhuma, um halo deslumbrante.
Oh, carne que possuis no teu imo maldito
mais lodo que contém num charco pantanoso,
mais esplendor, também, que os astros do Infinito …
Rugindo de volúpia e de sensualidade,
espalhando na terra apoteoses de gozo,
ó, carne, serás tu a única verdade?


(poetisa paulista nascida faz hoje 133 anos)

segunda-feira, maio 25, 2015

O Incêndio

- "Ao convento! ao convento!" - Uiva de longe o vento.
É noite. E a multidão, descalça, esfomeada,
à luz de archotes, sobe a ladeira empedrada,
praguejando e gritando: - "Ao convento! ao convento!"

A onda do povo cresce e galga num momento.
Chispam ferros no ar. A porta, chapeada
de bronze, range, oscila e cai à machadada.
Nem um frade. Deserta a casa de S. Bento.

A multidão convulsa invade a portaria:
- "Fogo ao convento! fogo à igreja, à sacristia!"
O incêndio lavra, estoira o vigamento a arder.

Em baixo, o povo dança. E uma mulher grosseira
grita, rouca, atirando um Missal à fogueira:
- "Tanto livro, e ninguém nos ensinou a ler!"


(Júlio Dantas faleceu faz hoje 53 anos)

domingo, maio 24, 2015

Vida de artista

sempre deixei as barbas de molho
porque barbeiro nenhum me ensinou
como manejar o fio da navalha

sempre tive a pulga atrás da orelha
porque nenhum otorrino me disse
como se fala aos ouvidos das pessoas

sou um cara grilado
um péssimo marido
nove anos de poesia
me renderam apenas
um circo de pulgas
e as barbas mais límpidas da Turquia


(poeta carioca que hoje faz 64 anos)

sábado, maio 23, 2015

ARS

O verso é um vaso santo; ponde nele somente
um pensamento puro,
em cujo fundo bulam ferventes as imagens,
como bolhas douradas de um velho vinho escuro!

Ali vertei flores que na contínua luta
pisou do mundo o frio,
lembranças deliciosas de tempos que não voltam,
e nardos empapados de gotas de rocio.

Para que se perfume a mísera existência
Como de essência ignota,
queimando-se no fogo da alma enternecida:
de tal supremo bálsamo chega uma só gota.


(poeta colombiano falecido a 23 de maio de 1886) 

Tradução de José Bento

sexta-feira, maio 22, 2015

Comunhão

Vida
- essa religião -
que permite
a cada manhã
a hóstia do sol.

Lúcia Serra 

(poetisa mineira que hoje faz 60 anos)

quinta-feira, maio 21, 2015

Liberdade 
      A Carlos Scliar

Desligada
O vento morde meus cabelos sem medo:
Tenho todas as idades.


(escritora paraense que hoje faz 82 anos)

quarta-feira, maio 20, 2015

A Voz

Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens.


(Maria Teresa Horta faz hoje 78 anos)

terça-feira, maio 19, 2015

Joey Ramone faria hoje 63 anos. Faleceu de linfoma aos 50.
Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!...


(Mário de Sá-Carneiro nasceu a 19 de Maio de 1890)

segunda-feira, maio 18, 2015

Ian Curtis faleceu faz hoje 35 anos
Acontecido

Como quem se banhasse
no mesmo rio
de águas repetidas,
outra vez era setembro
e o amor tão novo.
Iguais, teu hálito mascavo
e minha mão inquieta.
Novamente o quarto,
a praça vista da janela,
teu peito.
Depois eu era só - vê -
sob a chuva miúda daquele dia.


(poeta carioca que hoje faz 54 anos)

domingo, maio 17, 2015

A VIDA QUOTIDIANA

Trazem-me os cavalos
a casa
pela televisão.
Ainda mais lustrosos.
Mas perde-se do galope
o eco
que como girândola se repete.
- Fechem essa merda, meu filhos,
enquanto eu não esquecer
que eu os vi.


(poeta espinhense que hoje faz 67 anos)

sábado, maio 16, 2015

Meio-Dia

Choque de claridades
Palmas paradas
Brilhos saltando nas pedras enxutas.
Batendo de chofre na luz
as andorinhas levam o sol na ponta das asas!


(poeta carioca nascido a 16 de Maio de 1893)

sexta-feira, maio 15, 2015

Diz Toda a Verdade

Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente -
O êxito está no Circuito
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer
A esplêndida surpresa da Verdade

Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças
Com uma amável explicação
A Verdade deve ofuscar gradualmente
Ou cada homem ficará cego -


(poetisa estado-unidense falecida a 15 de Maio de 1886) 

Tradução de Nuno Júdice

quinta-feira, maio 14, 2015

As Relíquias de Lincoln

Senhor Presidente
Nesta Cidade Imperial,
Afogada em mexericos e poder,
Onde o mármore devora o mármore
E o seu gabinete foi manchado,
Eu vi piranhas a correr
Entre as colunas rosa-vinho, ávidas por arrancar a carne
Dos ossos da República.
Ninguém lhe disse
Como o sangue lentamente escorre
Da sua ferida secreta?


(poeta estado-unidense falecido faz hoje 9 anos)

quarta-feira, maio 13, 2015

Chet Baker faleceu faz hoje 27 anos
Cantiga de Malazarte

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
Nada me fixa nos caminhos do mundo.


(poeta mineiro nascido faz hoje 114 anos)

terça-feira, maio 12, 2015

Resgate

Há qualquer coisa aqui de que não gostam
da terra das pessoas ou talvez
deles próprios
cortam isto e aquilo e sobretudo
cortam em nós
culpados sem sabermos de quê
transformados em números estatísticas
défices de vida e de sonho
dívida pública dívida
de alma
há qualquer coisa em nós de que não gostam
talvez o riso esse
desperdício.
Trazem palavras de outra língua
e quando falam a boca não tem lábios
trazem sermões e regras e dias sem futuro
nós pecadores do Sul nos confessamos
amamos a terra o vinho o sol o mar
amamos o amor e não pedimos desculpa.

Por isso podem cortar
punir
tirar a música às vogais
recrutar quem os sirva
não podem cortar o verão
nem o azul que mora
aqui
não podem cortar quem somos.


(Manuel Alegre faz hoje 79 anos)

segunda-feira, maio 11, 2015

Bob Marley faleceu faz hoje 74 anos
O Poeta e a Nau

Vai errante, no Mar, uma nau sem governo...
O oceano é chão, o céu azul fundindo em aço...
As velas mortas... Nem sequer vento galerno
As vem inchar para dormir no seu regaço!...

Sobre o antigo convés pesa um velho cansaço,
E ou destino fatal ou maldição do inferno,
O mastro grande em vão aponta para o espaço...
- Sobre as ondas a nau é um cárcere eterno!

Dominando em redor, lá na gávea mais alta,
Um marujo, a cantar, fala do Além, e exalta
Um passado esplendor sobre a nau sepulcral...

“Porque o vento há-de vir aninhar-se nas velas!”
“Porque a nau voará, - tocará nas estrelas!...”
- O marujo é Poeta - e a nau... Portugal!


(poeta amarantino nascido faz hoje 126 anos)

domingo, maio 10, 2015

Artur Paredes nasceu faz hoje 116 anos 
A Divisibilidade: a Invisibilidade a Dois

A mulher divide-se em gestos particulares
o homem divide-se também. Se o átomo é
divisível só poeta o diz.

a mulher divide-se em gestos
extremos coloridos arenosos destilados.

dois homens são duas divisões de uma
casa que já foi um animal de costas
para o seu pólo mágico.

A divisibilidade da luz aclara os mistérios.
A mulher tem filhos. Descobrem-se
partículas soltas um dedo mínimo
o peso menos pesado da balança
um cabelo eloquente em desagregação

Gestos estrídulos dividem a mulher
o homem divide-a ainda.


(Luiza Neto Jorge nasceu faz hoje 76 anos)

sábado, maio 09, 2015

A Chama

Na minha vida cruel e avara
és irrequieta chama clara
iluminando a solidão

Porém repara bem, repara
e vê se a  nada se compara
o imenso horror desta aflição:

Se acaricio a chama clara,
a chama queima a minha mão!


(poeta pernambucano nascido faz hoje120 anos)

sexta-feira, maio 08, 2015

Vai ardendo a neve

Desaperto as grades
Com a mão segura
E liberto as aves.

Elas sobem tontas;
Rodopiam livres;
E, serenas, partem
Para além dos montes.

São apenas pombas,
Ou a profecia
De mudança breve?

Entretanto, espero;
E na tarde fria
Vai ardendo a neve.


(poeta flaviense nascido faz hoje 102 anos)

quinta-feira, maio 07, 2015

Paixão Secreta

Acordei com os primeiros pássaros,
já minha lâmpada morria.
Fui até à janela aberta e sentei-me,
com uma grinalda fresca
nos cabelos desatados...
Ele vinha pelo caminho
na névoa cor de rosa da manhã.
Trazia ao pescoço
uma cadeia de pérolas
e o sol batia-lhe na fronte.
Parou à minha porta
e disse-me ansioso:
- Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
- Sou eu, belo caminhante,
sou eu.

Anoitecia
e ainda não tinham acendido as luzes.
Eu atava o cabelo, desconsolada.
Ele chegava no seu carro
todo vermelho, aceso pelo sol poente.
Trazia o fato cheio de poeira.
Fervia a espuma
na boca anelante dos seus cavalos...
Desceu à minha porta
e disse-me com voz cansada:
- Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
- Sou eu, fatigado caminhante,
sou eu.

Noite de Abril.
A lâmpada arde neste meu quarto
que a brisa do Sul
enche suavemente.
O papagaio palrador
dorme na sua gaiola.
O meu vestido é azul
como o pescoço dum pavão,
e o manto verde como a erva nova.
Sentada no chão, perto da janela,
olho a rua deserta ...
Passa a noite escura
e não me canso de cantar:
- Sou eu, caminhante sem esperança,
sou eu.


(Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861) 

Tradução de Manuel Simões

quarta-feira, maio 06, 2015

Uma Doença Cúmplice

uma doença cúmplice, marcas púrpura
dão ao teu rosto a expressão do exílio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

à febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigília e a injúria

que há no sacrifício
e te põe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistência

do silêncio é como aço e o transe
permanece, é superiormente excessiva
tanta angústia.


(poeta portuense que hoje faz 62 anos)

terça-feira, maio 05, 2015

O vento e eu

O vento morria de tédio
Porque apenas gostava de cantar
Mas não tinha letra alguma para a sua própria voz,
Cada vez mais vazia...

Tentei então compor-lhe uma canção
Tão comprida como a minha vida
E com aventuras espantosas que eu inventava de súbito,
Como aquela em que menino eu fui roubado pelos ciganos
E fiquei vagando sem pátria, sem família, sem nada neste vasto mundo...
Mas o vento, por isso,
Me julga agora como ele...
E me dedica um amor solidário, profundo!


(Mário Quintana faleceu faz hoje 21 anos)
Intermédio

Alguém que se ignora
Passeia a sua mágua
Lá pela noite fora.

Já sem saber se existe,
Entre silêncio e treva,
Nem alegre nem triste,

Alguém que a própria sorte
Enjeita, vai absorto
Num sonho que é a morte
E é vida - sendo morto.


(poeta aljustrelense nascido a 5 de Maio de 1923)