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sábado, janeiro 31, 2015

A Mais Bela Noite do Mundo

Hoje,
será o fim!

Hoje
nem este falso silêncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!

Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisão de viver
a lição que me ditavam:
- Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
são perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores - o dia!

- Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!

(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).

Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua...
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.

- Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.

Amanhã,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.

(Era esta a voz do papão
que acendia a vela, tinha regaço de sombra
e velava
as noites da minha rua e a minha vida
e pintava-se de belo
na máscara de papelão).

Hoje,
será o fim!

Hoje,
nem a sombra do que há-de vir,
nem os mestres, nem os amigos, nem os livros,
nem a fragilidade dos meus pés
feitos de barro e cansaço!
Todas as minhas revoltas domadas,
todos os meus gestos em meio
e as minhas palavras sufocadas
terão a sua hora de viver e amar!

Hoje,
nem o cadáver a sorrir na morgue,
nem as mãos que ficaram angustiosas,
arrepiadas
no seu medo de findar!

Hoje,
será a mais bela noite do mundo!


(Fernando Namora faleceu faz hoje 26 anos)

sexta-feira, janeiro 30, 2015

In Memoriam
Rod McKuen faleceu ontem aos 81 anos
Lago

Todo o meu ser
é um lago fundo e doce…

Por onde passeiam barcos
com meninos…

namorados que se beijam
em noites sem destino…

e também tu! Oh belo solitário
inesquecível…

Todo o meu ser é um lago
doce e fundo…

onde a tristeza,
é uma ansiosa e definível
aspiração…


(poetisa angolana falecida faz hoje 53 anos)

quinta-feira, janeiro 29, 2015

Fogo e gelo

Alguns dizem que o mundo acabará em fogo,
Outros dizem em gelo.
Fico com quem prefere o fogo.
Mas, se tivesse de perecer duas vezes,
Acho que conheço o bastante do ódio
Para saber que a ruína pelo gelo
Também seria ótima
E bastaria.


(poeta estado-unidense falecido faz hoje 52 anos)

quarta-feira, janeiro 28, 2015

A angela manda e ele vai buscar

Morte

Medo não tem, nem esperança,
Um animal a agonizar:
Aguarda um homem o seu fim,
Tudo a temer, tudo a esperar;
Já muitas vezes morreu ele,
As muitas vezes retornando.
Em seu orgulho, um grande homem,
Homens que matam enfrentando,
Sobre a substituição da vida
Atira um menosprezo forte;
Sabe ele a morte até os ossos
- Foi o homem quem criou a morte.


(poeta irlandês falecido faz hoje 76 anos) 

(Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos)

terça-feira, janeiro 27, 2015

Ode órfica (excertos)

Era tão clara a tua voz, e tão
limpo o teu canto inaugural, ó noite,
que o tempo adormecia em tuas mãos!
De início, rejeitamos teus conselhos
dissimulados. Nautas fugitivos,
eis que a nave de Orfeu, que pilotávamos,
não nos pertence mais, pois a ofertamos
àqueles que hão de vir colher connosco
a treva e o medo, embora eles, no lago,
com a vida e as águas entre os braços, nos
surpreendam no triângulo da morte,
os olhos florescendo como peixes
que o teu milagre, ó noite, fecundou!

Transportamos pirâmides nos ombros,
para, sobre elas, construir o mundo
que nós, por sermos livres, sugerimos.
De música fizemos nossos mares,
para conter o céu que nos persegue.
Mas somos frágeis para suportar
a cabeça do Eterno, que se inclina
sonhando sobre nós, enquanto vamos,
ladrões famintos, carregando sombras.
Morrer? Não era a morte o que sonhávamos.
Somos pobres demais para morrer
com tanto ouro nas mãos, tanto arco-íris
nos olhos desta aurora que engendramos.


(poeta sergipiano nascido faz hoje faz 96 anos)

segunda-feira, janeiro 26, 2015

In Memoriam
Demis Roussos faleceu hoje, aos 68 anos de idade
El silencio

Yo te espero, mi amor, para el silencio.
¿Para qué cantar más cuando ya seas cierta?

Cansado de gritar de maravilla,
cansado del asombro sin palabras,
me callaré despacio, como el niño feliz
que se duerme, en las manos el juguete.

Tardarás mucho tiempo en dormirme del todo,
en borrarme los últimos recuerdos que me hieren,
lentísimos recuerdos sin forma ni sustancia;
sombra más bien, o sangre y carne casi,
con raíces que entraron mientras iba creciendo.

Y tendré el blanco sueño de la infancia
desde el que hablaba a Dios, aun a mi lado;
aquel sueño, tan cerca de la muerte,
que podía llegar, serena, clara,
a volverme a mi origen, aun casi en el recuerdo.

Sueño que no será como el de ahora,
lleno de ávidos pozos, de agujeros
que de repente se abren a la nada;
porque tendrá, disuelta en su materia,
como nana de madre,
tu voz muda, la luz de tu existencia,
tapizando las salas de mi sueño.

No me pidas que cante cuando vengas.
Cansado estoy del canto. Tú has de ser la paz última
el blanco umbral de Dios...

Sólo oirás mi silencio, como rumor de fuente,
como la paz de un lago, creada por tus manos,
trayéndote el reflejo de Dios para alabarte.
Confundidas las almas
en las anchas llanuras del silencio, en su noche
sin borde, esperaremos..


(escritor estremenho nascido faz hoje 89 anos)

domingo, janeiro 25, 2015

Tom Jobim nasceu faz hoje 88 anos
Ode ao silêncio

Vesti o silêncio com teu rosto.

Na passagem das horas,
fiquei menos só;
fiquei mais triste.

Somente ao construir
a tua ausência
é que pude entender
de que consiste.

Não me importa o que tu
és ou não és,
mas o que tanto foste
e que persiste,

ornamentado o silencio.

As palavras te recriam
do fundo irretocável do passado
como uma silhueta móvel.


(escritor baiano nascido faz hoje 75 anos)

sábado, janeiro 24, 2015

Bandeira Rota

Eu chego sempre tarde quando chego;
Esqueço-me de mim, a conversar comigo,
Cavaleiro manchego!
- Que nobres intenções, na hora de sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!

(A noiva que me fora prometida
Vai subir ao altar, por outro acompanhada,
Eu disse-me, demais, ao ouvido: "Toda a vida!"
Foi a pensar em mim que me rasguei na ferida
E fiquei para trás, a tropeçar na espada).

Quando escrevo "aventura" desconheço
Que a palavra tem sangue e carne e alma.
Sei-a moldar, mas só em barro ou gesso;
Doce carícia lírica num verso,
Quando a paisagem se distende, calma.

Mas quando me soluçam "Vem!" e é guerra
E esperam por mim, pra um novo dia,
Indago-me: "0 que fica além da terra?"
Que enigmas de fé meu sonho encerra,
Mascarando em prudência a covardia!

Pé-ante-é, caminho, à espera, alerta,
Que venha ter comigo quem procuro;
Que me traga, em bandeja, uma vitória certa,
Que me enfie, no bolso, a índia descoberta
E eu possa, enfim, seguir, glorioso e seguro.

Por isso chego tarde quando chego;
Esquecido de mim, a conversar comigo.
Cavaleiro de manchego!
- Que nobres intenções, na hora do sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!

(escritor vianense nascido faz hoje 92 anos

sexta-feira, janeiro 23, 2015

Grito

Desespero de sentir a vida se esvaindo,
torneira aberta sobre um chão de pedra.
Que flor vai nascer?
O gesto não muda o sentido do vento;
a folha não fica parada no ar.
A gente se engana com a falsa esperança
que um dia se mude o curso do rio,
e nada se faz:
fica-se olhando o mar nos chamando,
sem nada que nos detenha,
sem coragem para o salto.

Edson Guedes de Morais 

(poeta paraibano nascido a 23 de Janeiro de 1930)

quinta-feira, janeiro 22, 2015

Pode haver um dia

Pode haver um dia
em que a poesia
mude de endereço
deixe apenas tédio
mas enquanto isso
vem brincar comigo
vamos até onde
possa ser só riso
possa ir tão longe
possa ser tão lindo
pode ser brinquedo
pode ser tão sério


(poetisa paranaense que hoje faz 69 anos)

quarta-feira, janeiro 21, 2015

Peggy Lee faleceu faz hoje 13 anos
Dei um cravo e dei um lenço

Dei um cravo e dei um lenço
À vida, para que esta
Fosse livre… e menos triste.
O cravo ainda resiste
E, ao resistir, faz a festa
No pranto alegre e suspenso
 Praia deserta, horizontal e calma
Perante o alvoroço do que fomos;
Fulgor de uma paixão, vaga alterosa.
E tudo o mar levou, o pranto e a rosa,
A romã dos meus lábios rubros gomos…
Partiste, por inteiro, da minha alma.
Abertas são apenas abandono
Memórias que procuro, mas não quero,
Memórias que inventei, das que vivi.
Se agora sou quem sou, sou mais por ti;
Na desventura toda enlevo e esmero
Que a morte vai trazendo, e não o sono.


(poeta algarvio que hoje faz 56 anos)

terça-feira, janeiro 20, 2015

Etta James faleceu faz hoje 3 anos
Esta será a minha vingança

Esta será a minha vingança:
Que um dia chegue às tuas mãos o livro de um poeta
Famoso
E leias estas linhas que o autor escreveu para ti
Sem que tu o saibas.


(Ernesto Cardenal faz hoje 90 anos)

segunda-feira, janeiro 19, 2015

Elis Regina deixou-nos faz hoje 33 anos
Nara Leão nasceu faz hoje 73 anos
Corpo Habitado

Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumor das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim –
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.


(Eugénio de Andrade nasceu faz hoje 92 anos

domingo, janeiro 18, 2015

Estigma

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos
O que os homens não querem.
Ao vento arremessamos
As verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.


(Ary dos Santos faleceu faz hoje 31 anos)

sábado, janeiro 17, 2015

Começo

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.

Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.


(Miguel Torga faleceu faz hoje 20 anos)

sexta-feira, janeiro 16, 2015

Silêncio

Nesta memória onde o silêncio fala
a viajar no meu sofá sem rumo,
percorro o mundo, sem sair da sala,
com palavras de fumo.
É o silêncio do musgo preso ao muro
de retardar a infância...
Por isso, ainda hoje me procuro
e perco na distância!
Há silêncios que voam como eu
num espanto de luz e nevoeiro
com uma estrela a navegar no céu
na mão dum marinheiro...
Nesta memória onde o silêncio fala
de lagos azuis ou doutra cor
onde um menino cresce e não se cala
quando fala de amor!
Ainda hoje o lago tem pedaços
com bailados de sombras e penumbra
pra recordar os sonhos onde os lábios
o coração afunda...
A fantasia dorme em teu regaço
e Pã dedica a Ceres o seu regresso
quando o silêncio quebra em mil pedaços
pra renascer num verso!


(poeta matosinhense falecido faz hoje 7 anos)

quinta-feira, janeiro 15, 2015

O malmequer

Uma a uma cortei
do malmequer
as pétalas macias
não pra saber
se bem ou mal me queres
mas pra sentir nos dedos
a seda do teu corpo.


(poeta flaviense falecido faz hoje 4 anos)

quarta-feira, janeiro 14, 2015

Coroa mural

Muro que hoje separa
os homens
em passado e futuro,
que divide, agora,
o coração em dois: em oriente
e ocidente.
Divide o sol em dois:
em dois mistérios.
Divide o mundo em dois:
em dois hemisférios,
Ou em dois cemitérios?

No labirinto
do desentendimento humano
o anjo rebelde
se debate em busca
de uma saída.
E ao mesmo tempo, é expulso
de uma cor para outra,
deixando os pés escritos
em areia e neve,
na rude geografia
das injustiças.

(Só a dor e as estrelas
são universais).

Mas, como destruí-lo?
Com as velhas trombetas
de Jericó,
já douradas de pó?
Recolocando, no ar,
em seu lugar, agora
o novo arco celeste
de uma ponte pênsil?

Ou com a lira em flor
Que Anfião tocou em Tebas?
Anfião, a quem possam
as pedras transformar-se,
de novo, em pássaros?

Ou com o sol de hidrogênio
e só pelo consolo
de morrermos, todos,
- todos, ao mesmo tempo -
e, assim, um ser irmão
do outro, por prêmio?

Ah! o herói obscuro
a quem - todos - pudéssemos.
os que sofremos dentro
e fora do muro;
de um só mal, todos presa,
ofertar, toda em ouro,
a coroa mural,

Igual à que os romanos,
num afresco antigo,
estão oferecendo,
sob um céu de turquesa,
ao primeiro soldado
que escalou a muralha
de uma fortaleza.

O dia é geográfico
A noite é universal.
Mas, se Deus ouvir rádio,
esteja onde estiver,
ouvirá o meu grito:
por que a noite nos une
e o dia nos separa?


(poeta brasileiro falecido faz hoje 41 anos)