A Encomenda
do Silêncio
Já reparaste
que tens o mundo inteiro
dentro da
tua cabeça
e esse mundo
em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu
mundo
e já
reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da
minha cabeça
e esse mundo
em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu
mundo
o qual neste
momento não te está a entrar pelos olhos
mas através
dos nomes
pois o que
tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu
tenho dentro da minha cabeça
são os nomes
do mundo em brutal compressão
como um
filtro ou coador
de forma que
nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu
que conheço o mundo
mas os nomes
que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes
que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra
em ti e o qual entra em mim
através dos
nomes que já tem
de forma que
o que entra pelos meus olhos não pode
entrar pelos
teus olhos
mas só pela
tua cabeça através
dos nomes
dados pela minha cabeça
àquilo que
entrou pelos meus olhos já com nomes
e do mesmo
modo
o que entra
pelos teus olhos não pode
entrar pelos
meus olhos
mas só pela
minha cabeça através
dos nomes
dados pela tua cabeça
àquilo que
entrou pelos teus olhos já com nomes
e assim o
que tu vês
já está
normalmente dentro de ti antes de tu o veres
e assim o
que eu vejo
já está
normalmente dentro de mim antes de eu o ver
e tudo
quanto tu possas ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível
e fica dentro de ti
e tudo
quanto eu possa ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível
e fica dentro de mim
e é assim
que vamos construindo a nós mesmos pela segunda vez
tu a ti e eu
a mim...
construindo
urna consciência irrepetível e intransmissível
cada vez
mais intensa e em si
tu em ti eu
em mim
no entanto
continuando a falar um com o outro
tu comigo e
eu contigo
cada um
tentando
dizer ao outro
como é o
mundo inteiro que tem dentro da cabeça
e porque é e
para que é
tu o teu
mundo que tens dentro da tua cabeça
eu o meu
mundo que tenho dentro da minha cabeça
até que
morra um de nós
e depois o
outro...
(escritor
portuense que hoje faz 77 anos)
1 comentário:
Uma voz desconcertante, sempre, mesmo quando fala do silêncio.
Abraço
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