Canção
última
É um tempo
em que já não haveria memórias partilháveis
partilhadas.
Ou só enterradas nas areias dos poços.
Vestígios no
deserto: a surdez dos ecos – a água só imaginada.
Chegou esse
tempo.
Não aquele
outro em que a espécie, o humano citaria
como suas
todas as impossíveis imagens de todos os mundos
que
habitara, perdera e inventara: a declinação da rosa
disparando e
constelando o fogo sem nome e sem número.
Não esse
tempo em que o humano devolveria à espécie
o horizonte
do imenso poema inacabado
que no
perpétuo regresso de cada verso repete a origem.
Antes este
tempo do constante regresso ao tempo
que nos
dividiu e divide e
dividirá
ainda; que uns contra os outros atira os nossos
e os vira de
costas, herdeiros perdidos da sua herança.
Chegou esse
tempo.
Chegou. Não
pára de chegar o tempo extremo
o tempo da
ofensa e do extermínio. O tempo
de ninguém.
E se alguém
viesse agora ao teu encontro?
E com toda a
música que do mundo resta chegasse?
A mais ténue
que fosse: essa seria só a memória
de uma
flauta nocturna ou aquela que lembrasse o eco
dessa viola
chinesa e não chinesa que ele ouvia
e não ouvia
dentro de si, vinda em vão do lado de lá
dos desertos
oceânicos, da pátria falsa, e do nome
de amor que
tantas vezes em falso ao amor damos.
Ou só que
levíssima uma aragem fosse por entre os juncos.
Se alguém
viesse pudesse vir
Poderiam ser
estes jovens de minas vestidos e explodindo.
Estas
crianças que ríspidas e assombradas crescem velozmente
no desastre
do ódio.
Nos seus
braços transportam, por todo o corpo se vestem
de amorosas
armas poucas, de explosivos que são as suas almas.
Como vimes
que se enfloram cedo e cedo ardem entre ruínas.
Minuciosas
vão, plantando em seu redor o sangue estilhaçado.
Depois irão
ocupar os seus retratos sagrados
que já
depois de mortas serão ainda beijados pela morte
que entre os
seus sem tréguas sem cessar floresce
por vontade
dos deuses pestilentos.
- Mas é isto
uma criança? Um filho dos humanos?
Serão elas e
o seu povo os bárbaros? Mas quem
o diz? De
quem se não de bárbaros poderiam ser elas
e ele “os
bárbaros” se sequer o fossem?
Como pagarão
aqueles que assim os tendo feito assim os chamaram?
Chegou. Não
pára de chegar o tempo extremo
o tempo da
ofensa e do extermínio. O tempo
das grandes
migrações.
O tempo de
ninguém.
(poeta
eborense que hoje faz 68 anos)
1 comentário:
Um tempo de tanta gente que é afinal um tempo de ninguém.
Abraço
Enviar um comentário