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sábado, novembro 30, 2013

Basta Pensar em Sentir

Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.

Viver é não conseguir.


(Fernando Pessoa faleceu faz hoje 78 anos)

sexta-feira, novembro 29, 2013

Separação

Hoje nos separamos para sempre
e isso faz o mundo transformar-se.
Tudo nele anuncia a traição:
os rios vão se afastando das margens,
as nuvens vão se afastando do céu,
a mão direita olha para a esquerda
e arrogante diz: “Vou embora, adeus!”

Abril não mais prepara o mês de maio,
mês de maio que nunca mais verás,
e as flores se desfolham, feitas pó.
É a derrota do azul para o amarelo!

Já as últimas flores se esturricam,
comprimento e largura não há mais,
o branco, em estertor, já agoniza,
deixando um arco-íris de orfãzinhas.

A natureza afoga em sua tristeza,
a maré baixa sobe pela margem,
calam-se os sons e isso porque nós,
você e eu, pra sempre nos deixamos.


(poetisa russa falecida faz hoje 3 anos)

Tradução de Lauro Machado Coelho

quinta-feira, novembro 28, 2013

Michel Berger faria hoje 66 anos. Faleceu aos 44.
Momento Lírico

Dá-me as tuas mãos, e vamos
Calados pela estrada
Sob a bênção dos ramos
E as flores da madrugada.

Onde houver uma fonte,
Paremos a beber
As águas de outra fonte
Ainda por nascer.

Onde houver um jardim,
Entremos, de mãos juntas,
Mas às rosas e aos lírios,
Não façamos perguntas.

Ouçamos os perfumes,
No zumbir das abelhas,
E colhamos apenas
Duas rosas vermelhas.

E guardemos as rosas,
Só para desfolhar
Nas mãos da madrugada
Que o céu poisa no mar.


(José Campos de Figueiredo faleceu em Coimbra em 28 de Novembro de 1965)

quarta-feira, novembro 27, 2013

Jimi Hendrix nasceu faz hoje 71 anos
Al borde

Soy alta;
en la guerra
llegué a pesar cuarenta kilos.
He estado al borde de la tuberculosis,
al borde de la cárcel,
al borde de la amistad,
al borde del arte,
al borde del suicidio,
al borde de la misericordia,
al borde de la envidia,
al borde de la fama,
al borde del amor,
al borde de la playa,
y, poco a poco, me fue dando sueño,
y aquí estoy durmiendo al borde,
al borde de despertar.


(poetisa madrilena falecida faz hoje 15 anos)

terça-feira, novembro 26, 2013

Ortofrenia

Aclamações
dentro do edifício inexpugnável
aclamações
por já termos chapéu para a solidão
aclamações
por sabermos estar vivos na geleira
aclamações
por ardermos mansinho junto ao mar
aclamações
porque cessou enfim o ruído da noite a secreta alegria por escadas
               de caracol
aclamações
porque uma coisa é certa: ninguém nos ouve
aclamações
porque outra é indubitável: não se ouve ninguém


(Mário Cesariny faleceu faz hoje 7 anos)

segunda-feira, novembro 25, 2013

A minha mão no teu cabelo

Os raios de chuva amolecem
O papel e a tua boca
Mexe-se em mastigações
De lágrimas que molham
Como a chuva a rua
O teu rosto.

A alegria não está no sol
Ou no sorriso contrariado
E tantas vezes fingido.
Mas na sensação
Que ao tocar-te provoca
A minha mão no teu cabelo.


(escritor bracarense que hoje faz 48 anos)

domingo, novembro 24, 2013

Máquina do Mundo

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.


Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasceu a 24 de Novembro de 1906

sábado, novembro 23, 2013

Bicicleta

Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais -
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.

O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e desaparece
uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.

De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.

O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.

Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
O poeta dá à pata como os outros animais.

Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.


(poeta madeirense que hoje faz 83 anos)

sexta-feira, novembro 22, 2013

Sempre soubemos

Quase acreditámos na luz rodopiando as sombras
para tornar transparente a maciez do húmus
preso à torrente das chuvas.
Pressentíamos que qualquer coisa de comovente
se alojava no brilho da folhagem atravessada
pelo perfil das aves migratórias.
Sempre soubemos que há rosas
que se desfolham antes de alguém as ver
derramando um leve aroma sobre o delírio da cor
para deslumbramento das borboletas.
Nunca se repete, sempre o soubemos,
a curva do tempo na concha ansiosa do olhar.



(poetisa figueirense que faz hoje 67 anos)

quinta-feira, novembro 21, 2013

RESUMO DO DIA

Nenhum recado de morte
que sempre abala
tanto a família.
O mundo perplexo parou
e a vida
               oblíqua
preferiu continuar traindo
sem matar ninguém.


(poeta paulista nascido em França que hoje faz 49 anos)
Inscrição

Ama silenciosamente o teu destino.
Nem pátria nem palavras memoráveis
farão durar a luz nos teus sentidos:
alguns objectos que te lembrem, poucos livros
e versos que sílaba a sílaba transfiguras
até entardecer cada palavra.

Teces o teu tremor. E sobre a pedra
a marca que ficar será de ausência.   


(poeta egitaniense que hoje faz 63 anos)

quarta-feira, novembro 20, 2013

Amanda Lee - Come Tell Me
A Tua Amada

Ninguém ma descreveu, mas era ela…
Passou por mim, airosa como a flor;
beleza que valesse o teu amor,
devia ser precisamente aquela…

E segredou-me a voz interior:
«Repara atentamente como é bela!
Não te parece a graça duma estrela,
tomando movimento, forma e cor?»

− Que julgas se passou na minha ideia?
Desgosto enorme de sentir-me feia
ou mágoa de a não ver feia também?

Se a inveja é predicado de mulher,
naquela ocasião deixei de o ser
e, só por teu amor, eu quis-lhe bem!…


(poetisa portuense falecida faz hoje 33 anos)

terça-feira, novembro 19, 2013

Tom Evans faleceu faz hoje 30 anos
Oferta

Nada tendo para te oferecer,
te oferto:
as rédeas da minha imaginação,
os meus versos,
e a sua precária imperfeição.

O que possa haver no meu canto
de puro e limpo,
claro dia, sol a pino,
frutos e flores,
cheiro de chuva subindo da terra seca,
tudo te oferto,
nesse verso, pobre bandeja.

Escravo do sonho,
Pintor do nada,
Equilibrista em terra firme,
Almirante sem navio,
triste até quando sorrio,
te ofereço como teto e casa
o meu ideal e esse sol bravio.


(escritor pernambucano nascido faz hoje 72 anos)

segunda-feira, novembro 18, 2013

Atropelamento e Fuga

Era preciso mais do que silêncio,
era preciso pelo menos uma grande gritaria,
uma crise de nervos, um incêndio,
portas a bater, correrias.
Mas ficaste calada,
apetecia-te chorar mas primeiro tinhas que arranjar o cabelo,
perguntaste-me as horas, eram 3 da tarde,
já não me lembro de que dia, talvez de um dia
em que era eu quem morria,
um dia que começara mal, tinha deixado
as chaves na fechadura do lado de dentro da porta,
e agora ali estavas tu, morta (morta como se
estivesses morta!), olhando-me em silêncio estendida no asfalto,
e ninguém perguntava nada e ninguém falava alto!


(Manuel António Pina nasceu faz hoje 70 anos)

domingo, novembro 17, 2013

Silenciosa Música do Cosmos

As bocas que estão fechadas
não estão caladas

Os braços que estão caídos
não estão imóveis

E os olhos que estão voltados
não estão sem ver

Homem só homem só
tu bem me compreendes quando digo
que não estás só
e bem entendes bem entendes
este longo discurso enchendo o ar
que vem de toda a parte e vai a toda a parte
eternamente
em surdina


(Mário Dionísio faleceu faz hoje 20 anos)

sábado, novembro 16, 2013

Espaço curvo e finito

Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.


(José Saramago nasceu faz hoje 91 anos)

sexta-feira, novembro 15, 2013

O REGO

Queriam canalizar
as águas pro monjolo
mas o que abriram foi um rego de céu
Agora
a manhã fugiu do céu
e veio morar dentro do açude.
De tarde
o céu entorna o crepúsculo no açude,
cujo silêncio paralítico
os sapos espetam
com canafístulas de gluglus.

As estrelas lavam roupa de luz
nos espraiados.
Já houve até quem visse anjos
- muitos anos - voando
nas asas dos pirilampos.

Foi desse jeito
que os homens escravizaram um retalho de céu,
amarrando-o ao rabo do monjolo.


(escritor goiano nascido faz hoje 98 anos)

quinta-feira, novembro 14, 2013

Tristeza

Eu poderia ter ficado zangado
com aqueles que amo
se o amor
não me tivesse ensinado
a ficar triste.


(poeta turco falecido faz hoje 63 anos)

quarta-feira, novembro 13, 2013

John Balance faleceu faz hoje 9 anos
Trago-te nos braços

Trago-te nos braços ao cair da tarde
quando a glicínia cheira na porta do meu corpo
tacteias a espaço a porta entreaberta
e reténs o grito na fogueira da boca
convulsionada e ágil te conduzo
na relva agora húmida e macia.
Fecho-me para crescer em ti
os dedos acordados e subtis

e é tudo água, vórtice, clarão.


(poetisa satense nascida faz hoje 76 anos)

terça-feira, novembro 12, 2013

O Duo Doloroso

Difícil o vazio. Mais difícil
entre as quatro paredes do intelecto.
Ali, entre os sentidos, sob o teto
e o solo onde começa o precipício,

o vôo, impertinente, tinha início
a todo instante e nunca era direto,
era oblíquo: ora o gozo era suplício,
ora o suplício mesmo era dileto...

O abismo era metódico, seu método
audaz, mas um se foi e outro esvaiu-se
como mais um suspiro sem remédio.

Já o vazio, o mais límpido exercício,
era um puro palácio aritmético...
Mas e a vida? Ah, a vida era esse vício!                


(poeta carioca nascido a 12 de Novembro de 1940)

segunda-feira, novembro 11, 2013

Uma vida esquecida
Para o Fernando Alves dos Santos

Eu conheço o vidro franja por franja
meticulosamente
à porta parado um homem oco
franja por franja no espaço
meticulosamente oco uma porta parada.

Um relógio dá dez badaladas ininterruptamente
dez badaladas por brincadeira dança
um homem com pernas de mulher
e um olhar devasso no Marte
passo por passo uma criança chora
uma águia e um vampiro recuados no tempo


(poeta lisboeta falecido faz hoje 60 anos, com apenas 25 de idade)
Hotel Fraternité

Aquele que não tem com o que comprar uma ilha
Aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema
Aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa
Aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado
Aquele que olha nos olhos duros do chantagista
Aquele que range os dentes nos carrocéis
Aquele que derrama vinho rubro na cama sórdida
Aquele que toca fogo em cartas e fotografias
Aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas
Aquele que alimenta os esquilos
Aquele que não tem um centavo
Aquele que observa
Aquele que dá socos na parede
Aquele que grita
Aquele que bebe
Aquele que não faz nada

Meu inimigo
Debruçado sobre o balcão
Na cama em cima do armário
No chão por toda parte
Agachado
Olhos fixos em mim
Meu irmão


(poeta alemão que hoje faz 84 anos)

Tradução de Aldo Fortes. Música e interpretação de Arnaldo Antunes
Modelo da teoria do conhecimento

Aqui tens
uma grande caixa
com o rótulo:
caixa.
Se a abrires,
encontrarás nela
uma caixa
com o rótulo:
caixa
tirada de uma caixa
com o rótulo:
caixa.
Se a abrires –
agora me refiro
a esta caixa
não àquela –,
encontrarás nela
uma caixa
com o rótulo
etcetera;
e se continuares
assim,
encontrarás,
depois de infindáveis fadigas,
uma caixa
infinitamente pequena
com um rótulo
tão miúda
que, por assim dizer,
se evapora diante de teus olhos.
É uma caixa
que existe só na tua imaginação.
Uma caixa totalmente
vazia.


(poeta alemão que hoje faz 84 anos)

(Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan)