Bicicleta
Lá vai a
bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo,
por um dia de verão
exemplar. De
pulmões às costas e bico
no ar, o
poeta pernalta dá à pata
nos pedais.
Uma grande memória, os sinais
dos dias
sobrenaturais e a história
secreta da
bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos
do coração ao ritmo dos pedais -
lá vai o
poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à
pata
como os
outros animais.
O sol é
branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A
vida é para sempre tenebrosa.
Entre as
rimas e o suor, aparece e desaparece
uma rosa. No
dia de verão,
violenta, a
fantasia esquece. Entre
o nascimento
e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente.
E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O
poeta aperta o volante e derrapa
no instante
da graça.
De pulmões
às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A
pata do poeta
mal ousa
pedalar. No meio do ar
distrai-se a
flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida
subdesenvolvida.
O bico do
poeta corre os pontos cardeais.
O sol é
branco, o campo plano, a morte
certa. Não
há sombra de sinais.
E o poeta dá
à pata como os outros animais.
Se a noite
cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de
verão se recolhe
ao seu nada,
e a única direcção é a própria noite
achada? De
pulmões às costas, a vida
é tenebrosa.
Morte é transfiguração,
pela imagem
de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa
interior dá à pata nos pedais
da confusão
do amor.
Pela noite
secreta dos caminhos iguais,
O poeta dá à
pata como os outros animais.
Se o sul é
para trás e o norte é para o lado,
é para
sempre a morte.
Agarrado ao
volante e pulmões às costas
como um pneu
furado,
o poeta
pedala o coração transfigurado.
Na memória
mais antiga a direcção da morte
é a mesma do
amor. E o poeta,
afinal mais
mortal do que os outros animais,
dá à pata
nos pedais para um verão interior.
(poeta
madeirense que hoje faz 83 anos)
Um poema fantástico daquele que será, porventura, o maior poeta português vivo.
ResponderEliminarAbraço
Nunca consegui um livri dele, porque tomou a decisão de não fazer reedições e, portanto, só consegui um livro de poemas que ele "transformou " para português e de que já publiquei akguns.
ResponderEliminarBom sonhos