How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
Páginas
▼
quinta-feira, janeiro 31, 2013
Poema da
Utopia
A noite
caiu sem
manchas e sem culpa.
Os homens
largaram as máscaras de bons actores.
Findou o
espectáculo. Tudo o mais é arrabalde.
No alto, a
utópica Lua vela comigo
E sonha
coalhar de branco as sombras do mundo.
Um palhaço,
a seu lado, sopra no ventre dos búzios.
Noite! Se o
espectáculo findou
Deixa-nos
também dormir.
(Fernando
Namora faleceu faz hoje 24 anos)
quarta-feira, janeiro 30, 2013
RUMO
É tempo,
companheiro!
Caminhemos ...
Longe, a
Terra chama por nós,
e ninguém
resiste à voz
da Terra ...
Nela,
o mesmo sol
ardente nos queimou
a mesma lua
triste nos acariciou,
e se tu és
negro
e eu sou
branca,
a mesma
Terra nos gerou!
Vamos, companheiro…
É tempo!
Que o meu
coração
se abra à
mágoa das tuas mágoas
e ao prazer
dos teus prazeres
irmão
Que as
minhas mãos brancas
se estendam
para
estreitar com amor
as tuas
longas mãos negras...
E o meu
suor
se junte ao
teu suor,
quando
rasgarmos os trilhos
de um mundo
melhor!
Vamos!
que outro
oceano nos inflama.. .
Ouves?
É a Terra
que nos chama...
É tempo,
companheiro!
Caminhemos ...
(poetisa
angolana falecida faz hoje 51 anos)
terça-feira, janeiro 29, 2013
Um pássaro
menor
Quis, de
facto, que o pássaro voasse
E próximo ao
meu lar não mais cantasse.
Cheguei à
porta para afugentá-lo,
Por
sentir-me incapaz de suportá-lo.
Penso que a
inteira culpa fosse minha,
E não do
pássaro ou da voz que tinha.
O erro
estava, decerto, na aflição
De querer
silenciar uma canção.
Robert Frost
faleceu faz hoje 50 anos
segunda-feira, janeiro 28, 2013
Taça com
asas
Uma taça com
asas: quem a viu
Antes de
mim? Vi-a ontem. Subia
Com lenta
majestade, como quem verte
Óleo
sagrado: em suas doces bordas
Meus
delicados lábios apertava:
Nem uma gota
sequer, nem uma gota
Do bálsamo
perdi que houve em teu beijo!
Tua cabeça
de negra cabeleira
-Lembras-te?
- com minha mão pedia,
Pra que de
mim teus lábios generosos
Não se
afastassem. - Serena como o beijo
Que a ti me
transfundia era a suave
Atmosfera em
redor: a vida inteira
Senti que a
mim, abraçando-te, abraçava!
Perdi de
vista o mundo, e seus ruídos,
Sua invejosa
e bárbara batalha!
Uma taça
subia pelo espaço
E eu, em
braços não vistos reclinado,
Atrás dela,
nas doces bordas preso:
Pelo espaço
azul eu ascendia!
Oh amor, oh
imenso, oh artista perfeito!:
Em roda ou
em carril funde o ferreiro o ferro:
Uma flor ou
mulher ou águia ou anjo
Em ouro ou
prata o ourives cinzela:
Apenas tu,
só tu, sabes o modo
De reduzir o
Universo a um beijo!
(José Martí
nasceu em Havana a 28 de Janeiro de 1853)
Tradução de
José Bento
domingo, janeiro 27, 2013
de auroras, noites
e sereias
Jogo os
dados no mar, como quem joga
a sorte das
estrelas ou do vento,
e fico a
embaralhar as ondas, como
o lúcido
hierofante que desvenda
nas cartas o
destino dos mortais.
Não sei qual
é a carta-chave, mas
capto o
sentido exato e a voz de quem
profere a
frase mágica de tudo.
E se há no
fundo náufragos que vão
com dedos
ágeis folheando páginas
de noites e
de auroras impossíveis,
na
superfície há sempre olhos profanos
de peixes e
sereias, traduzindo
o jogo de
meus dedos sobre o mar.
(poeta
sergipiano que hoje faz 94 anos)
sábado, janeiro 26, 2013
Elegia da
Minha Infância
Eis a minha
fotografia de criança
a cravar em
mim meus olhos, mais profundos que nunca,
com uma
coisa vaga
pousada
entre as mãos, distraídas e leves.
É o banco de
pedra
– os pés não
chegando ao chão ainda –
do parque de
meus sonhos infantis
onde o sol
era amigo
e a areia
tomava
um tacto de
mãe velha e conhecida.
… Guardo a
imagem turva
de um menino
que, de repente, se distrai
no meio dos
jogos
e ao poente
fica pensativo
a escutar o
rumor distante das ruas…
O mundo ia
nascendo pouco a pouco
para mim
unicamente.
A terra era
uma alegre maçã de merenda,
um balão de
cores inesperado.
Os pássaros
cantavam porque eu estava a ouvi-los,
as árvores
nasciam quando eu abria os olhos…
E os medos,
depois…
Tudo podia
ser no escuro do quarto.
Ao fundo do
corredor
pulsava todo
o negro deste mundo,
todas as
vagas forças inimigas,
todas as
negações…
Alma da
minha infância!
Só vivo por
completo quando volto a menino.
Que outra
revelação maior do que essa
do mundo e
da vida em minhas mãos?
(… quando
todas as coisas eram como palavras…)
Que sonho
como aquele
de
pressentir do limiar da alma
os dias a
esperar-me?
Oh, Senhor,
aquele menino que era eu,
suplica-te, morto,
que o deixes
viver no meu presente um pouco!
Que continue
em mim, Deus meu – como tu nos dizias -,
e viverei
completamente,
e sentirei
plenamente a vida,
e serás o
meu assombro virginal cada manhã…
(escritor
estremenho nascido faz hoje 87 anos)
Tradução de
José Bento
sexta-feira, janeiro 25, 2013
POEMA DE
QUEM FICOU
Eu não te
quero mal
por esse
orgulho que tu trazes;
por esse teu
ar de triunfo iluminado
com que
voltas…
… O mundo
não é maior
que a pupila
dos teus olhos:
tem a
grandeza
da tua
inquietação e das tuas revoltas.
… Que teu
irmão que ficou
sonhou
coisas maiores ainda,
mais belas
que aquelas que conheceste…
Crispou as
mãos à beira do mar
e teve
saudades estranhas, de terras estranhas,
com bosques,
com rios, com outras montanhas
– bosques de
névoa, rios de prata, montanhas de oiro–
que nunca
viram teus olhos
no mundo que
percorreste…
(poeta
cabo-verdiano falecido faz hoje 8 anos)
quinta-feira, janeiro 24, 2013
É preciso
ficar, aqui
É preciso
ficar, aqui, entre os destroços,
E cinzelar a
pedra e recompor a flor.
É preciso
lançar no vazio dos ossos
A semente do
amor.
É preciso
ficar, aqui, entre os caídos,
E desmontar
o medo e construir o pão.
É preciso
expulsar dos cegos dias idos
A insónia da
prisão.
É preciso
ficar, aqui, entre os escombros,
E libertar a
pomba e partilhar a luz.
É preciso
arrastar, pausa a pausa, nos ombros,
A ascensão
de uma cruz.
É preciso
ficar, aqui, entre as ruínas,
E aferir a
balança e tecer linho e lã.
É preciso o
jardim a envolver oficinas:
É preciso
amanhã.
(escritor
vianense nascido faz hoje 90 anos)
quarta-feira, janeiro 23, 2013
Ansiedade
É urgente
que uma
alegria qualquer
me aconteça.
É urgente
que alguma coisa pura,
palavra ou
gesto,
limpe meus
olhos
desta
tristeza.
Ter pena de
mim mesmo
já não
consola...
É preciso
que alguma coisa boa
me aconteça,
sobre para
mim
que há tanto
tempo espero.
É preciso
que alguma coisa boa
me aconteça,
para que
esta ternura pela vida
não se perca
à falta de
uns cabelos
para as
minhas mãos.
Edson Guedes de Morais
(poeta
paraibano nascido a 23 de Janeiro de 1930)
terça-feira, janeiro 22, 2013
No domingo à noite
As estrelas ao longe
A cidade maravilhosa
A escuridão claramente triste
Testemunhavam:
A fome.
Encarcerada nos escombros,
Nos corpos imunes –
Crianças, grávidas, velhos, desempregados –
Nas bactérias resistentes tanto quanto ao calor
Humano!
A Vigilância Sanitária diz:
“O calor descaracteriza o produto
não serve para a alimentação
humana”.
Humana?...
A Polícia tenta conter,
As lágrimas,
Diante das cinzas,
Dos miseráveis,
Superiores aos de Victor Hugo:
“Não tenho coragem de coibir”.
Irajá, Acari,
Vigilância, bactérias,
Cinzas, rebentos,
Polícia, alimentos,
Ceasa, o calor...
Artistas kafquianos?
O frio
De nossa desumanidade errática.
Juscelino Vieira
Mendes
(poeta paulista)
segunda-feira, janeiro 21, 2013
domingo, janeiro 20, 2013
Dorme, meu
amigo
Podia ler-te
um poema de Al' mutamide... esta noite
reler-te
Neruda, uma página sublime de amor
contar-te
palavras minhas, sonhadas
não não
quero enganar-te
esta terra é
pobre e nada assim floresce...
apenas a
força de dizer sim ao verbo acontecer
só essa
graça te levo
dorme, meu
amigo, descansa...
quem sabe se
amanhã voas
desamarrando
as tuas próprias crenças
querendo
como eu à autenticidade do agora
Maria Lascas
(Maria José
Lascas Fernandes nasceu em Montemor-o-Novo a 20 de Janeiro de 1962)
sábado, janeiro 19, 2013
O sal da
língua
Escuta,
escuta: tenho ainda
uma coisa a
dizer.
Não é
importante, eu sei, não vai
salvar o
mundo, não mudará
a vida de
ninguém - mas quem
é hoje capaz
de salvar o mundo
ou apenas
mudar o sentido
da vida de
alguém?
Escuta-me,
não te demoro.
É coisa
pouca, como a chuvinha
que vem
vindo devagar.
São três,
quatro palavras, pouco
mais.
Palavras que te quero confiar.
Para que não
se extinga o seu lume,
o seu lume
breve.
Palavras que
muito amei,
que talvez
ame ainda.
Elas são a
casa, o sal da língua.
(Eugénio de
Andrade nasceu faz hoje 90 anos)
sexta-feira, janeiro 18, 2013
O Futuro
Isto vai meus amigos
isto vai
um passo
atrás são sempre dois em frente
e um povo
verdadeiro não se trai
não quer
gente mais gente que outra gente.
Isto vai meus amigos
isto vai
o que é
preciso é ter sempre presente
que o
presente é um tempo que se vai
e o futuro é
o tempo resistente.
Depois da
tempestade há a bonança
que é verde
como a cor que tem a esperança
quando a
água de Abril sobre nós cai.
O que é
preciso é termos confiança
se fizermos
de Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.
(Ary dos
Santos faleceu faz hoje 29 anos)
quinta-feira, janeiro 17, 2013
Esperança
Tantas
formas revestes, e nenhuma
Me satisfaz!
Vens às
vezes no amor, e quase te acredito.
Mas todo o
amor é um grito
Desesperado
Que apenas
ouve o eco...
Peco
Por absurdo
humano:
Quero não
sei que cálice profano
Cheio de um
vinho herético e sagrado.
(Miguel Torga
faleceu faz hoje 18 anos)
quarta-feira, janeiro 16, 2013
terça-feira, janeiro 15, 2013
Lembrança
Passa um
vento morno,
Um vento
morno
Na trémula
palmeira,
Na neblina
prateada.
Envoltos na
ténue distância
Morros azuis
de mata
Lá ao longe.
Algures um
sino suave tange.
No vento
ondula como flâmula
Uma saia
berrante cor de sangue.
Árvores de
fruta pão
Bailando,
mãos abertas,
Leques de
bananeiras
Oscilando
lentamente.
Visão
fugidia, retratada
Por inteiro
No livro
silencioso da memória.
Lembrança de
São Tomé,
Sangué,
trémula e prateada...
Saudade de
São Tomé...
(poeta
matosinhense nascido faz hoje 92 anos)
segunda-feira, janeiro 14, 2013
A rua
Bem sei que,
muitas vezes,
O único
remédio
É adiar
tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
A dívida, o
divertimento,
O pedido de
emprego, ou a própria alegria.
A esperança
é também uma forma
De contínuo
adiamento.
Sei que é
preciso prestigiar a esperança,
Numa sala de
espera.
Mas sei
também que espera significa luta e não, apenas,
Esperança
sentada.
Não
abdicação diante da vida.
A esperança
Nunca é a
forma burguesa, sentada e tranqüila da espera.
Nunca é
figura de mulher
Do quadro
antigo.
Sentada,
dando milho aos pombos.
(poeta
brasileiro falecido a 14 de Janeiro de 1974)
domingo, janeiro 13, 2013
Com as mãos
Com as mãos
projecto os muros
para além da
Casa
construo
extensões da alma
modelo
verbos silêncios
apuro os
sentidos na paisagem
para habitar
este lugar transitório
com as mãos
suspensas na página
observo a
harmonia da linhas do mundo
como se meu
corpo fosse uma gaivota
voando
voando voando na rotação
de um
movimento original
retornando
às mãos
reencontro
as rotas da criação
e recordo
com o sabor agudo da língua
a água do
mar
nelas
mergulho o corpo
e respiro
Gisela Ramos Rosa
(poetisa
portuguesa nascida no Maputo a 13/01/1964)
sábado, janeiro 12, 2013
Vida Sempre
Entre a vida
e a morte há apenas
o simples
fenómeno
de uma
subtil transformação. A morte
não é morte
da vida.
A morte não
é inação, inutilidade.
A morte é
apenas a face obscura,
mínima, em
gestação
de uma
viagem que não cessa de ser. Aventura
prolongada
desde o
porão do tempo. Projectando-se
nas naves
inconcebíveis do futuro.
A morte não
é morte da vida: apenas
novas formas
de vida. Nova
utilidade.
Outro papel a desempenhar
no palco
velocíssimo do mundo. Novo ser-se (comércio
do pó) e não
se pertencer.
Nova
claridade, respiração, naufrágio
na maquina
incomparável do universo.
Casimiro de Brito
Poema
dedicado ao meu irmão, falecido faz hoje 2 anos
sexta-feira, janeiro 11, 2013
OFÍCIO DE
LADRÃO
depois,
disseste que a vida se propagava em transcendente vertigem
e que a
seiva ao penetrar os poros do estrume fecundaria a visão
eu
perguntava, que dom seria aquele?
o do cego
assistindo à projecção dum filme mudo
ambos
conhecíamos o sabor do sangue e das açucenas tardias
mas, o tempo
atropelou tudo em redor
esquecemos
os objectos íntimos e o que estávamos ali a fazer
das palavras
restavam os pedúnculos ocos na respiração dum recente
medo
viajávamos
sem rumo
abandonei-te
à transgressão do voo e do açúcar
e quando
regressámos um ao outro
consentiste-me
que roubasse aos deuses o silêncio
e a
luminosidade do monólogo
(poeta
coimbrão que hoje faria 65 anos)