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sábado, janeiro 26, 2013

Elegia da Minha Infância

Eis a minha fotografia de criança
a cravar em mim meus olhos, mais profundos que nunca,
com uma coisa vaga
pousada entre as mãos, distraídas e leves.
É o banco de pedra
– os pés não chegando ao chão ainda –
do parque de meus sonhos infantis
onde o sol era amigo
e a areia tomava
um tacto de mãe velha e conhecida.

… Guardo a imagem turva
de um menino que, de repente, se distrai
no meio dos jogos
e ao poente fica pensativo
a escutar o rumor distante das ruas…

O mundo ia nascendo pouco a pouco
para mim unicamente.
A terra era uma alegre maçã de merenda,
um balão de cores inesperado.
Os pássaros cantavam porque eu estava a ouvi-los,
as árvores nasciam quando eu abria os olhos…

E os medos, depois…
Tudo podia ser no escuro do quarto.
Ao fundo do corredor
pulsava todo o negro deste mundo,
todas as vagas forças inimigas,
todas as negações…

Alma da minha infância!
Só vivo por completo quando volto a menino.
Que outra revelação maior do que essa
do mundo e da vida em minhas mãos?
(… quando todas as coisas eram como palavras…)
Que sonho como aquele
de pressentir do limiar da alma
os dias a esperar-me?

Oh, Senhor, aquele menino que era eu,
suplica-te,  morto,
que o deixes viver no meu presente um pouco!
Que continue em mim, Deus meu – como tu nos dizias -,
e viverei completamente,
e sentirei plenamente a vida,
e serás o meu assombro virginal cada manhã…


(escritor estremenho nascido faz hoje 87 anos)

Tradução de José Bento

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