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domingo, setembro 30, 2012

Cimento armado

Batem estacas no terreno morto,
No terreno morto surge vida nova,
As goiabeiras do velho parque
E os roseirais abandonados,
Serão cortados
E derrubados.

Um prédio novo de dez andares,
Frio e cinzento,
Terá seu corpo de cimento armado
Enraizado no velho parque
de goiabeiras
De roseirais.

Batem estacas no terreno morto.
Século vinte...
Vida de aço...
Cimento armado!

Batem as estacas
Um prédio novo, de dez andares,
Terraços tristes,
Pássaros presos,
Rosas suspensas,
Flores da vida,
Rosas de dor.


(poeta paulista que faz hoje 86 anos)

sábado, setembro 29, 2012

Recônditas palavras

Inquietam-me as dedadas
de deus rente à raiz da carne, ao indeciso
equilíbrio da alma
na balança, à cicatriz
azul do céu sobre o destino.

O mar pneumático, ao sabor
do qual contra os sentidos se nos fazem
e desfazem as ávidas lembranças,
assalta-me os sentidos, tenebrosas

crateras escavadas
no espírito e através
das quais, incandescentes, as imagens
do mundo sobre ele próprio se derramam

como uma lava espessa, esses sentidos
que, como aéreos
estigmas, nos imprimem
na carne a cicatriz do céu, a indecisa
maneira de as imagens

do mundo se guindarem
mais alto do que a alma ou o alento
de quem dentro de nós
aviva a sua chama. O que nos sai
do coração vem a ferver.

A carne, ao rés
da qual o céu se encurva, báscula
que deus deixou nos arredores
dum qualquer lugarejo

a encher-se de ferrugem, cicatriz
pesada, combustível, com raiz
nas mais profundas trevas, a carne âncora
submersa no destino, ergue-se a pique

de novo onde as lembranças
se fazem e desfazem
com todo o azul do céu
lá dentro a procurar rompê-la.

Sentados no convés, como se fosse
já noite e nos soubesse
o pão ao ranço da memória, contemplamos
os rudes marinheiros.

Depois que pela encosta procurámos
em vão uma escada de que o último
degrau fosse já dentro da memória,
suspenso na memória,

desfaz-se-nos dos ossos
a carne, com o seu quê de lírico e festivo,
em áreas portuárias onde o mar
nos sai do coração para galgar o molhe,

e, agora que começam
os anos a pesar
mais para trás que para a frente, acodem-nos
recônditas palavras aos ouvidos:

«Fecharam-se-te os olhos e eu fiquei de fora»,

«Nas tuas mãos começa o precipício».


(Luís Miguel Nava faria hoje 55 anos)

sexta-feira, setembro 28, 2012

Carta de um Contratado 
 
Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
uma carta que dissesse 
deste anseio 
de te ver 
deste receio de te perder 
deste mais que bem querer que sinto 
deste mal indefinido que me persegue 
desta saudade a que vivo todo entregue...
 
Eu queria escrever-te uma cara  
amor 
uma carta de confidências íntimas 
uma carta de lembranças de ti 
de ti 
dos teus lábios vermelhos como tacula 
dos teus cabelos negros como dilôa 
dos teus olhos doces como macongue 
dos teus seios duros como maboque 
do teu andar de onça 
e dos teus carinhos 
que maiores não encontrei por aí... 

Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
que recordasse nossos dias na capôpa 
nossas noites perdidas no capim 
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos 
o luar que se coava das palmeiras sem fim 
que recordasse a loucura 
da nossa paixão 
e a amargura nossa separação... 

Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
que a não lesses sem suspirar 
que a escondesses de papai Bombo 
que a sonegasses a mamãe Kieza 
que a relesses sem a frieza 
do esquecimento 
uma carta que em todo Kilombo 
outra a ela não tivesse merecimento... 

Eu queria escrever-te uma carta 
amor 
uma carta que te levasse o vento que passa 
uma carta que os cajus e cafeeiros 
que as hienas e palancas 
que os jacarés e bagres 
pudessem entender 
para que se o vento a perdesse no caminho 
os bichos e plantas 
compadecidos de nosso pungente sofrer 
de canto em canto 
de lamento em lamento 
de farfalhar em farfalhar 
te levasse puras e quentes 
as palavras ardentes 
as palavras magoadas da minha carta 
que eu queria escrever-te amor... 

Eu queria escrever-te uma carta... 
Mas ah meu amor, eu não sei compreender 
por que é, por que é, por que é, meu bem  
que tu não sabes ler 
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!


(poeta angolano nascido a 28 de Setembro de 1924)

quinta-feira, setembro 27, 2012

Desejo bom

Eu seria feliz, se os meus versos se impregnassem
dessa humildade silenciosa e boa
das estações pequenas dos subúrbios,
das cidades velhas e castas,
dos bairros pobres das cidades ricas
e dos arrabaldes abandonados;
se eles tivessem a alegria honesta
das tardes que caem nos bairros operários
aglomerando boas almas nas calçadas;
se revelassem um pouco do alto encanto
que há nos ranchos das crianças pobres
bailando na poeira das ruas
ou nos quintais varridos das fazendas;
se eles dissessem do contentamento ingênuo
de operários que jogam aos serões domingueiros,
ou bebem ruidosos nas tavernas rumorosas!

Mais do que isso, porém, quisera que em meus versos
palpitasse o sofrimento dos anônimos
tão fundo e tão doloroso!
Quisera que neles clamassem
todos os homens oprimidos:
os que esperam a festa dos dias vindouros,
pobres pequenos que têm sede de justiça!

Assim os meus versos teriam,
na alegria profunda e na tristeza profunda,
o sabor das canções que nasceram nas ruas.
E eu me orgulharia de escrevê-los,
pois sou dos pequeninos e dos simples.
E vi que a Dor e o Amor, entre os humildes,
têm um sentido mais tocante no infinito!


(poeta paulista nascido faz hoje 115 anos)

quarta-feira, setembro 26, 2012

Sexa

- Pai…
- Hmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- O quê?
- O feminino de sexo.
- Não tem.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem sexo masculino?
- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.
- E como é o feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra "sexo" é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
- Não devia ser "a sexa"?
- Não.
- Por que não?
- Porque não! Desculpe. Porque não. "Sexo" é sempre masculino.
- O sexo da mulher é masculino?
- É. Não! O sexo da mulher é feminino.
- E como é o feminino?
- Sexo mesmo. Igual ao do homem.
- O sexo da mulher é igual ao do homem?
- É. Quer dizer… Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo?
- Certo.
- São duas coisas diferentes.
- Então como é o feminino de sexo?
- É igual ao masculino.
- Mas não são diferentes?
- Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.
- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
- A palavra é masculina.
- Não. "A palavra" é feminino. Se fosse masculina seria "O pal…"
- Chega! Vai brincar, vai.
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:
- Temos que ficar de olho nesse guri…
- Por quê?
- Ele só pensa em gramática.


(Luís Fernando Veríssimo faz hoje 76 anos)
A chave

No meio da noite, configura
a fragrância das palavras mágicas
Na chave da noite, a ternura,
pluma que verte enigmas

Nas mãos do tempo,
o arado que rasga os mistérios
do sentimento que define
O homem da meia noite,

em seu caminho de volta
que faz

ao adentrar a meia lua
das unhas dos enigmas.
A mão da noite destrava a chave
da fragrância das palavras mágicas

Alice Spíndola

(poetisa mineira que hoje faz 72 anos)

terça-feira, setembro 25, 2012

o céu é aquela clareira

o céu é aquela clareira
onde deito os olhos com ténues
cambiantes de cor que quase
gasto nas mãos, e como. como
o céu e aguardo uma
digestão convulsa. enquanto
o aguaceiro seca na terra antes que o
possa beber e deus se
vinga de mim ditando
os versos que escondem
a água ao mundo. já as
fogueiras florindo em volta,
murchando o dia que me
persegue. uma intervenção
divina para me resistir


(valter hugo mãe faz hoje 41 anos)

segunda-feira, setembro 24, 2012

Num gesto de luta

Num gesto de luta
aproveita o intervalo.
Espetáculo verdadeiro
de verdadeiro entusiasmo.

Um nome.
Um peixe que sobe,
saltita, pula e dança.
Dança trotando
e retorna às águas do mar.

É o velho e o mar.

Mãos firmes
na corda da pescaria
sangra a firmeza do sonho.
Sonho grande
na grandeza de um peixe.

Luta perpassa a hora,
horas contínuas
de vida e coragem.

Hemingway fascinante
no espetáculo da novela,
da guerra entre dois,
da vitória e da vida.


(poeta goiano que faz hoje 72 anos)

domingo, setembro 23, 2012

Morre lentamente

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos,
quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Morre lentamente...


(Pablo Neruda faleceu – ou foi assassinado – faz hoje 39 anos)

sábado, setembro 22, 2012

Génese

Os búzios eram nas trevas
nas trevas brilharam olhos
os olhos rasgaram águas
as águas encheram ventres
os ventres criaram filhos
os filhos comeram terra
a terra deu logo bichas
as bichas pariram bichos
os bichos pejaram ruas
nas ruas nasceram casas
das casas saíram braços
os braços treparam muros
os muros prenderam bocas
as bocas disseram vozes
as vozes gritaram gritos
os gritos tornaram vozes
as vozes passaram muros
dos muros vieram braços
os braços ruíram casas
as casas fizeram ruas
nas ruas havia bichos
os bichos furaram terras
das terras surgiram filhos
os filhos só tinham ventres
os ventres traziam água
a água tapou os olhos
os olhos ficaram trevas

nas trevas cantaram búzios.


(poeta madeirense nascido a 22 de Setembro de 1925)

sexta-feira, setembro 21, 2012

Não dizia nada

Não dizia nada,
aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.

Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias
Até abrir na pele,
Jorros de sonho
Feito carne interrogando as nuvens.

Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Igual em figura, iguais em amor, iguais em desejo.

Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.


(poeta sevilhano nascido a 21 de Setembro de 1902)

quinta-feira, setembro 20, 2012

A minha dor

Dói
a mesmíssima angústia
nas almas dos nossos corpos
perto e à distância.

E o preto que gritou
é a dor que se não vendeu
nem na hora do sol perdido
nos muros da cadeia.


(poetisa moçambicana nascida a 20 de Setembro de 1926)

quarta-feira, setembro 19, 2012

Teias

estas malhas que a vida tece
a vida que me enternece
e entristece
e entontece

estas malhas que ato
e desato
e me envolvem
e comovem

e com mãos pacientes
paciente
vou soltando
libertando

transformando.


(escritora salaciense nascida a 19 de Setembro de 1935)
Nada Fica de Nada

Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.


(Ricardo Reis “nasceu” no Porto há 125 anos)

terça-feira, setembro 18, 2012

Jimi Hendrix faleceu faz hoje 42 anos
Paraíso perdido

Outro, não eu, que desespero, ao cabo
De, em pedrarias de arte e versos de ouro,
Ter dissipado todo o meu tesouro,
Como os florins e as jóias de um nababo; 

Outro, não eu, que para o chão desabo
Esquecendo-te as culpas e o desdouro,
E a teus pés de marfim, como o rei mouro
Em torrentes de lágrimas acabo; 

Outro conspurca-te a beleza augusta,
Cujo anseio de posse ainda me custa
Como um verme faminto andar de rastros.

E mais deploro este meu sonho falso
Ao recordar que andei no teu encalço
Pelo caminho rútilo dos astros!


(poeta carioca falecido a 18 de Setembro de 1916)
In memoriam
Luís Goes faleceu hoje, aos 79 anos de idade

segunda-feira, setembro 17, 2012

Profissão de fé

Amar o metro e a música
na construção do verso,
e a música do verso
na palavra incendida.

Buscar e amar o som
dos hiatos e, ao fim,
dar contenção ao ritmo
com que constróis o verso.

O poema - esse abismo
sem face - há de surgir
na forma clara e exata
das impressões concretas.

Mas amar sobretudo
a precisão do verbo:
pedra fundamental
de tua criação.


(poeta mineiro que hoje faz 65 anos)
Cântico negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


(José Régio nasceu faz hoje 111 anos)

domingo, setembro 16, 2012

Victor Jara foi assassinado faz hoje 39 anos
As Usinas

Desce o rio, lento, pesadão, molengo.

Mas, de repente,
se despenha no desespero do despenhadeiro.
É a cachoeira, a acachoar, zoando e retumbando no seio virgem da floresta virgem.

E, além, são as águas, que se refreiam,
                                   que se represam,
e é a luta esplêndida de mil cavalos imaginários
nos canos grossos,
nos tubos longos,
pelas turbinas adentro, - em turbilhão.

E, então, lá no alto, à luz do dia, apoteóticamente,
as fábricas gemem,
os teares cantam,
as serras guincham,

- e, à noite, como que num milagre, é a cidadela
toda esplendente de alampadários.

Henrique de Resende

(poeta mineiro falecido a 16 de Setembro de 1973)

sábado, setembro 15, 2012

Canção Quase Sábia

Entre amiga e amada
Esta parede aérea, vidro
De circunstâncias que a gente inventa
E desfaz.
Entre duas praias quase iguais
O coração viaja:
Eu - farol aceso em cada lado -
Sou as duas sendo uma
E assim existo mais.
Descobrimos talvez que o mar
- sendo maior que nós -
não faz tanta diferença


(poetisa gaúcha que hoje faz 74 anos)

sexta-feira, setembro 14, 2012

Em pé

Continuo em pé
por pulsar
por costume
por não abrir a janela decisiva
e olhar de uma vez a insolente
morte
essa mansa
dona da espera

continuo em pé
por preguiça nas despedidas
no fechamento e demolição
da memória

não é um mérito
outros desafiam
a claridade
o caos
ou a tortura

continuar em pé
quer dizer coragem

ou não ter
onde cair
morto


(poeta uruguaio nascido a 14 de Setembro de 1920)

quinta-feira, setembro 13, 2012

Motivos

Por que a poeira da estrada já se faz pálida
Há um rumor clamando urgências.

Por que os olhos da noite já se tornaram glaucos
Há uma esteira iluminando ontens.

Por que as nuvens galopam desenhos do instinto
Há uma foice ceifando minutos.

Por que o presto está prestes a partir na aventura
Há grãos debulhando agoras.

Por que o desejo alimenta a lentidão
Há um pandeiro no ritmo de frevo.

Por que a fala já é rouca no eco das sílabas
Há um discurso rotulando verbos.

Por que a carícia se assola no solo da pele
Há uma partitura sem sons no silêncio da gruta.

Motivos existem circundando mandalas
Mandá-las soar as sete notas sem as pausas
Alimentar os ventos aventureiros
Cantar a canção de embalo da sesta
Preservar a sedução no horário do corpo
Soprar nuvens no céu dos neurônios
Bem assim o pedido para alongar a música.


(escritor amazonense nascido faz hoje 68 anos)


Poema retirado daqui
Nuvens correndo num rio

Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!

Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.

Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?

Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?

Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.


(Natália Correia nasceu faz hoje 89 anos)

quarta-feira, setembro 12, 2012

Ser Mulher...

Tudo é mulher!
Um sopro de vida.
Um sorriso.
Um barco sem rumo.
O texto e o contexto.
O nexo e o conexo.

Andar na chuva
Deixando que a água
Molhe a alma e
Caindo dos olhos
Faça a folha brotar
(em nova vida)
À procura do sol,
Assim é a mulher!

Modificando-se a cada segundo.
Adaptando-se conforme a estação,
Florindo, dando frutos,
Caindo como folha seca
no outono da vida,
É a mulher!

Não é fácil ser mulher,
Viver à beira do precipício
Com tantas imposições
Condicionada a sentir,
Carregando na mão
O traçado do contradito,
Os mistérios sem raízes
dos sonhos que não cabem
No seu oceano interior!

Ser mulher é carregar o mundo no ventre,
O coração nos lábios,
A saudade n'alma,
E na metade que o mundo conhece
A grandeza invisível da metade que não se vê!


(poetisa sul-mato-grossense que hoje faz 62 anos)

terça-feira, setembro 11, 2012

Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ó, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paúl, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.


(Antero de Quental faleceu a 11 de Setembro de 1891)

segunda-feira, setembro 10, 2012

Mau Despertar

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.


(poeta maranhense que hoje faz 82 anos)

domingo, setembro 09, 2012