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segunda-feira, abril 30, 2012

Ilha nua

Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras...

                        (É nosso o solo sagrado da terra)


(Alda Neves da Graça do Espírito Santo, nasceu a 30 de Abril de 1926, em São Tomé)

domingo, abril 29, 2012

Tammi Terrel faria hoje 67 anos. Faleceu aos 24 de tumor cerebral.
Confissão

De um e outro lado do que sou,
da luz e da obscuridade,
do ouro e do pó,
ouço pedirem-me que escolha;
e deixe para trás a inquietação,
a dor,
um peso de não sei que ansiedade.

Mas levo comigo tudo
o que recuso. Sinto
colar-se-me às costas
um resto de noite;
e não sei voltar-me
para a frente, onde
amanhece.


(Nuno Júdice faz hoje 63 anos)

sábado, abril 28, 2012

Choro de Vagas

Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;

Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando, ou já mortos e debruços,
Largados das marés, em ermas plagas…

Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!


(poeta carioca nascido faz hoje 155 anos)

sexta-feira, abril 27, 2012

O legado

Dá-me os abismos da noite
e seu mistério.
Estou cansado de ser óbvio
e de ser sincero.

Prefiro agora enigmas insolúveis
e herméticos sortilégios.
Repudiei os calendários
e seus primos, os relógios.

Despedir-me-ei em hieróglifos
de sentido para sempre encoberto.
Lego-te a máscara de gesso
e o silêncio do morto.


(poeta paulista que hoje faria 91 anos)

quinta-feira, abril 26, 2012

O Fantasma

O que farei na vida - o Emigrado
Astral após que fantasiada guerra -
Quando este Oiro por fim cair por terra,
Que ainda é Oiro, embora esverdinhado?

(De que Revolta ou que país fadado?...)
- Pobre lisonja a gaze que me encerra...
- Imaginária e pertinaz, desferra
Que força mágica o meu pasmo aguado?...

A escada é suspeita e é perigosa:
Alastra-se uma nódoa duvidosa
Pela alcatifa - os corrimãos partidos...

- Taparam com rodilhas o meu norte,
- As formigas cobriram minha Sorte,
- Morreram-me meninos nos sentidos...


(Mário de Sá-Carneiro faleceu faz hoje 96 anos)

Patrick Watson - To Build A Home -  ao vivo no The Barbican, Londres, 2007
Trajetória

Onipresente
Melancolia
Que entre a alegria
Sorris prudente.

Sombra latente
À luz do dia,
Mudez sombria
Que o som pressente.

Por te vencermos
Percorreremos
Longínquos ermos,

Lá dançaremos
E expiraremos
Sem te esquecermos.


(poeta carioca que hoje faz 49 anos)

quarta-feira, abril 25, 2012

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, abril 24, 2012

In memoriam

A vida não é senão um intrincado novelo de relações de poder. E a política, por maioria de razão. O paradoxo é que, quanto mais o tempo avança, mais ela é tentada pelo que não precisa e se demite do que deve. 
Miguel Portas
Marcha fúnebre

Marcha fúnebre
com os vivos todos em caixões
e o cadáver atrás, a pé, sozinho,
ao som da filarmónica
que marca o passo a fingir vida
na poeira morta
do caminho…

Filarmónica transcendente
que afinal
só toca a valsa banal
da morte nua de toda a gente.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, abril 23, 2012

Poema e Fuga em Ré Menor

Sobre o piano - rosas
entre as rosas o azul
e o azul não era azul
era vermelho.
Tocavam Bach
e era como luz que transitasse
no mistério.
Todos estavam silenciosos
e no fulgor das pupilas
envenenadas pelo medo
havia uma estranha dor de morte
prematura.

Minha mãe chegou-se a mim e disse: fica
meu avô me segurava do retrato,
meus netos me acenavam do futuro.
Porém eu estava sitiado
entre a fuga e a tocata.
A nuvem carregou-me adormecido,
varei a criação,
transpus o limbo,
quando acordei,
meu pai,
já era céu.


(poeta paraense falecido faz hoje 22 anos)
David Cross (violino) faz hoje 63 anos

domingo, abril 22, 2012

DE PROFUNDIS

Há um restolhal, onde cai uma chuva negra.
Há uma árvore marrom; ali solitária.
Há um vento sibilante, que rodeia cabanas vazias.
Como é triste o entardecer

Passando pela aldeia
A terra órfã recolhe ainda raras espigas.
Seus olhos arregalam-se redondos e dourados no crepúsculo,
E seu colo espera o noivo divino.

Na volta
Os pastores acharam o doce corpo
Apodrecido no espinheiro.

Sou uma sombra distante de lugarejos escuros.
O silêncio de Deus
Bebi na fonte do bosque.

Na minha testa pisa metal frio
Aranhas procuram meu coração.
Há uma luz, que se apaga na minha boca.

À noite encontrei-me num pântano,
Pleno de lixo e pó das estrelas.
Na avelãzeira
Soaram de novo anjos cristalinos.


(tradução: Cláudia Cavalcante)

sábado, abril 21, 2012

Fragmentos

Muros castos e tristes
Cativos de si mesmos

Como criaturas que envelhecem
Sem conhecer a boca
De homens e mulheres.

Muros escuros, tímidos:
Escorpiões de seda
No acanhado da pedra.

Há alturas soberbas
Danosas, se tocadas.
Como a tua própria boca, amor,
Quando me toca...


(poetisa paulista que hoje faria 82 anos)

sexta-feira, abril 20, 2012

Quimera

Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.

Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir a história de Carmina Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga da mendiga.

Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo.

Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.
Por isso fiquei só, com o meu corpo.


(Rosa Lobato de Faria nasceu faz hoje 80 anos)

quinta-feira, abril 19, 2012

O Último Poema

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação


(Manuel Bandeira nasceu faz hoje 126 anos)

quarta-feira, abril 18, 2012

A chuva nos cabelos

A chuva molhava os seus cabelos,
A chuva descia sobre os seus cabelos
Voluptuosamente.
A chuva chorava sobre os seus cabelos,
Macios,
A chuva penetrava nos seus cabelos,
Profundamente,
Até as raízes!

Ela era uma árvore,
Uma árvore molhada
E coberta de flores.


(poeta carioca nascido faz hoje 106 anos

terça-feira, abril 17, 2012

Revolução

Expressarei o sangue
Na tez da Primavera

Se o homem não amar a mulher
E a mulher não amar o homem

Direi: sou inverno e terno

José Terra

(poeta pernambucano)

segunda-feira, abril 16, 2012

DO PENSAMENTO

O mistério me leva à estrada
e a estrada revela
a poeira que sou.

O espanto me conduz à reflexão
e a reflexão revela
a peneira que sou.

José Inácio Vieira de Melo

(poeta alagoano que hoje faz 44 anos)

domingo, abril 15, 2012

Joey Ramone faleceu faz hoje 11 anos
Poema da Hora Escoada

Minhas mãos
- duas chamas débeis de vela
unidas no mesmo destino.

Minhas mãos
derretidas em cera
que vai escorrendo,
gota a gota,
ao longo do corpo hirto
da vela moribunda.
Que vai escorrendo,
lenta,
na calmaria falsa e densa
da luz delida e mortuária do meu quarto.

E o livro de Anatomia,
grave e inútil,
aberto em frente.

E todo o mundo,
que me espera
e desespera,
nas páginas inúteis e graves
do livro de Anatomia.

E as horas
morrendo, morrendo,
como uma vela que se vai derretendo
no quarto frio de um morto.

Ai! minhas mãos, minhas mãos
- duas chamas débeis de vela
unidas no mesmo destino!

                - Que horas serão?

A vida
é uma vela de corpo hirto
que se vai derretendo, derretendo,
na calmaria falsa e densa
de um quarto de morto.


(Fernando Namora faleceu faz hoje 23 anos)
PARAGEM

Com os meus bois.
Os meus bois que mugem e comem o chão,
Os meus bois parados,
De olhos parados,
Chorando,
Olhando...
O boi da minha solidão,
O boi da minha tristeza,
O boi do meu cansaço,
O boi da minha humilhação.

E esta calma, esta canga, esta obediência.


(poeta paulista falecido faz hoje 21 anos)

sábado, abril 14, 2012

Para ver e ouvir
Vi este artista no Herman 2012bdo passado 31 e fiquei fascinado
MURO FINAL

Que pretensão de sermos uma ponte
entrelaçando gerações!
Que ilusão de sermos segmento
da sonhada trajetória!

Talvez sejamos contas de um rosário
de amor e morte
que os dedos trêmulos desfiam,
mal chegando até os lábios frios
o reprimido impulso de uma prece.

Com a saudade dos entes que perdemos
vamos tecendo os fios da existência
e de repente damos conta disso
como quem surpreende a própria idade
nas rugas ou nas mãos de um velho amigo.

Vivemos e, quanto mais os anos passam,
mais nosso ser é o ser dos encantados,
até chegarmos, peregrinos cegos,
junto ao muro das lágrimas iguais.


(escritor paulista falecido faz hoje 6 anos)

sexta-feira, abril 13, 2012

Crianças de rua
 
Frutos de quê?
 
Da irresponsabilidade dos pais?
Do descaso do governo?
Da cumplicidade de todos nós?
 
Criança de rua
Criança dura
Criança ternura
 
RUA
URA
URRA
 
Por que a situação AINDA perdura?

Josete Maria Vichineski

(poetisa paranaense)

quinta-feira, abril 12, 2012


Alabama Shakes, um jovem grupo que promete. Já vi escrito que a voz de Brittany Howard vale mais do que as reservas de petróleo dos Estados Unidos.
Instante

... e há sonhos para nunca mais realizados
tal é o instante
            preciso
                        que antecede a bala.

A imagem longe do caminho
flutua sobre as ondas
duma qualquer recordação banal
O peso da arma aos ombros
a monotonia dos passos
o cansaço
as folhas secas
tudo mergulhou profundamente
no sono de algo bem amado;
os nervos que há momentos estavam tensos
lançando os olhos como setas
bússola dos ruídos
repousavam uns segundos
do tempo de poesia
            no instante
                        preciso
                                   que antecede a bala.

E quando a bala
feriu o silêncio carregado
prostrando o homem sobre a terra
não foram assassinos que o mataram.
O guerrilheiro também vive
um tempo de poesia
como a vida de uma bala
na emboscada dos murmúrios
                        apenas respirados.

O guerrilheiro é terra móvel
            decisão de liberdade
                        na pátria raivosamente escrava.


(escritor angolano nascido a 12 de Abril de 1936)

quarta-feira, abril 11, 2012

BOCA

Irrompe feito Verbo, o pensamento
Pela boca, e na graça de um sorriso
Descobre o nosso olhar um paraíso
Num fulgurante e rápido momento.

Da boca sai o cântico e o lamento;
As lindas rosas da manhã diviso
Na tua boca, e em beijos corporizo
O meu desejo rútilo e sangrento…

Folha revolta, arrebatada palma
Do vento impetuoso da paixão,
A teus pés, caindo-te a minha alma,

Arde em mim, Bem-Amada, a ânsia louca
(Para sentir melhor teu coração)
De colar ao teu seio a minha boca…


(poeta louletano nascido faz hoje 141 anos)

terça-feira, abril 10, 2012

PEQUENO POEMA

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

para que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha mãe.


(Sebastião da Gama nasceu há 88 nos)
Meu epitáfio

Morta... serei árvore,
serei tronco, serei fronde
e minhas raízes
enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes
a pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.

Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.


(poetisa goiana falecida faz hoje 27 anos)

segunda-feira, abril 09, 2012

Tristezas da Lua

Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.

No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.

Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer,
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,

No côncavo das mãos toma essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no seu peito.


(Charles Baudelaire nasceu a 9 de Abril de 1821)

domingo, abril 08, 2012

Jacques Brel nasceu faz hoje 83 anos
Madrugada

Um leve tremor precede a madrugada
Quando mar e céu na mesma cor se azulam
E são mais claras as luzes dos barcos pescadores
E para além de insânias e rumores
A nossa vida se vê extasiada

Sophia de Melo Breyner

sábado, abril 07, 2012

A sombra sou eu

A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!


(Almada Negreiros nasceu faz hoje 119 anos)

sexta-feira, abril 06, 2012

Noite

Noite. Noite em nossa roda. Noite aberta.
E encontramos um silêncio imenso,
Um silêncio perfeito que nos esperava desde sempre.
E uma solidão que era a nossa imagem,
E uma profunda esperança,
Como se a noite tremesse
De tocar a aurora.

Sophia de Melo Breyner
Paixão de Cristo


Apesar do vaso que é branco e de sua louça que é fina
lá estão no fundo magestáticas as que no plural se convocam - fezes.
Para que me insultem basta uma grama de felicidade
baixa o tom de sua voz, não acredite tanto no seu poder
o martírio é incruento, mas a dor é a mesma.

Adélia Prado, por si mesma