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quarta-feira, agosto 31, 2011

Terceiro Motivo

Toma essa palavra
que arranquei de minha vontade
e desfibra letra por letra
até encontrar o dom do seu mistério

Toma essa arquitetura de símbolos
que elevei do nada
antes que os pombos partissem em revoada

Toma a minha paz
enquanto tem duração de algumas horas
e acalma os cães raivosos dessa estrada

Toma
Guarda-a em teus segredos
Essa é minha única herança
Que só a ti revelarei.

José Mário Rodrigues

(poeta pernambucano)

terça-feira, agosto 30, 2011

Não Te Rendas Jamais

Procura acrescentar um côvado
à tua altura. Que o mundo está
à míngua de valores
e um homem de estatura justifica
a existência de um milhão de pigmeus
a navegar na rota previsível
entre a impostura e a mesquinhez
dos filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se derrama sobre a areia
e busca as profundezas, o tumulto
do sangue a irromper na veia
contra os diques do cinismo
e os rochedos de torpezas
que as nações antepõem a seus rebeldes.
Não te rendas jamais, nunca te entregues,
foge das redes, expande teu destino.
E caso fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te lamber a mão,
atira-te contra as escarpas
de tua angústia e explode
em grito, em raiva, em pranto.
Porque desse teu gesto
há de nascer o Espanto.


(poeta carioca)

Poema dedicado à minha filha, no dia do aniversário.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Noite

não são meus olhos
que procuram estrelas
no infinito espaço

são meus lábios
para dizer-lhes
meus versos precários

José Marins

(poeta paranaense)

domingo, agosto 28, 2011

O Taciturno

Compreenderás
que as coisas mais simples
não tiveram explicações;
que a tarde caindo
ao findar do sonho
mais fria se torna
que a neve nos lábios
de um cadáver noturno.

Compreenderás
ao calor dos fornos
a utilidade do pão
que te foi negado;
e deste regato
onde flui a solidão de outras sedes
em vão beberás a água do teu mistério
sabendo-te insaciável.

Compreenderás
na melancolia de uma lágrima caída
a verdade do pranto que já se faz sonoro;
sentirás na própria carne
a amarga frustração
de uma difícil morte trabalhada
na voragem da existência
- e não ousarás proclamá-la aos céus.

José Maria Nascimento

(poeta brasileiro)

sábado, agosto 27, 2011

Envelhecer

Envelhecer! Dilema da existência,
transcendental mudança de uma vida!...
Entardecer de uma estação florida,
sonhos e anseios em deliqüescência.

De início - sol risonho... só subida,
mocidade vibrando em efervescência.
Cinqüenta anos depois... a decadência,
a velhice chegando, só descida...

Cruel ter do destino, como herança,
a morte das sonhadas ilusões
e o fenecer da última esperança.

É doloroso, em meio a sonhos ternos,
ver bem longe a alegria dos verões
e bem perto a mortalha dos invernos.

José Luiz Holzmeister

(poeta espírito-santense)

sexta-feira, agosto 26, 2011

Regresso

Por toda a parte espectros
Do mapa percorrido em cinco e quarenta
Prolongados anos

A cidade encontra
O espectro do que eu fui
Saído dos horrores da adolescência

Filtra obscuramente
O meu imo
Que não conheço

Vem
(irreconhecível)
Ao meu encontro

Tacteamo-nos no escuro
Apaixonadamente

O amor é cego
Mas só ele permite
Realmente ver


(Alberto de Lacerda faleceu a 26 de Agosto de 2007)

quinta-feira, agosto 25, 2011


Constatação

Chega um tempo em que as nuvens não te reconhecem.
Não digas nada.
Longe não deslindas um som que te freqüentava.
Não aguces os ouvidos.
Na gruta passam por ti como se te não vissem.
Não esfregues os olhos.
Caminhas pela campina e teus pés nada sentem.
Não troques de passo.
A palavra não é mais dita, apenas lida por outrem.
Não fales nada.

No universo transverso desse tempo
Na contramão de versos claudicantes
Ainda restam as mãos para o incêndio das horas.


(poeta amazonense falecido a 25 de Agosto de 2009)

quarta-feira, agosto 24, 2011

cheio de tudo

vazio agudo
ando meio
cheio de tudo


(poeta paranaense nascido a 24 de Julho de 1944)
Meus olhos

Os caminhos estão fechados

Há uma corda atando mundos
um cão fuçando a sombra
um porco na oquidão

Sou o soco nas costas do retardado
a órfã de castigo
o cego que aleijaram
pra completar o escuro

Sou a vampira que dá de mamar
o chiclete no cabelo da professora
o pirulito sobre o qual mijaram

Sou a raquete arrebentada
o omelete que não deu certo
o homem que se afogou no Canal da Mancha

Meus olhos se espalham
sobre a tua cara


(poeta paulista nascido a 24 de Agosto de 1967)
Silêncio

De pedra ser.
Da pedra ter
o duro desejo de durar.
Passem as legiões
com seus ossos expostos.
Chorem os velhos
com casacos de naftalina.
A nave branca chega ao porto
e tinge de vinho o azul do mar.
O maciço de rocha,
de costas para a cidade
sete vezes destruída,
celebra o silêncio.
A pedra cala
o que nela dói.


(poeta mineiro nascido a 24 de Agosto de 1955)

terça-feira, agosto 23, 2011

A PAZ

A alva pomba da paz voou aos céus serenos.

Embaixo homens se agitavam
entre gritos e tiros.

Paquidermes mecânicos
sulcavam fossos
rasgando trincheiras.

Cansada de librar-se nas alturas
a pomba da paz
buscou na terra um pouso
e flechou
num vôo reto
rumo a uma coisa imóvel
hirta e muda no raso campo verde.

E pousou
calma e triste
sobre as mãos cruzadas de um cadáver.


(poeta paulista falecido a 23 de Agosto de 1988)

segunda-feira, agosto 22, 2011

A semente possível

tenho a luz na algibeira
e restos de um país em construção.
na areia as estrelas morrem cegas
enquanto desenho sonhos
na infância longínqua.
há sempre uma fala de búzios
possível na linha de água
com os peixes e os segredos das escamas
em conciliábulos de sombras
onde um feixe de luz sussurra
a nítida claridade.

José Nascimento Félix

(poeta natural de Angola residente em Portugal)

domingo, agosto 21, 2011



já não é hoje ?
não é aquioje?

já foi ontem?
será amanhã?

já quandonde foi?
quandonde será?

eu queria um jàzinho que fosse
aquijá
tuoje aquijá.


(Alexandre O'Neill faleceu há 25 anos, a 21 de Agosto de 1986)

sábado, agosto 20, 2011


Jamie Cullum nasceu a 20 de Agosto de 1979
EUPOEMA

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim.

Eu jamais soube ler: meu olhar
de errata apenas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve,
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém
são ecos do enlevo.


(poeta paulista nascido a 20 de Agosto de 1927)
Ressalva

Versos... não
Poesia... não
um modo diferente de contar velhas histórias


(poetisa goianiense nascida a 20 de Agosto de 1889)

sexta-feira, agosto 19, 2011

Sinto

Sinto
que em minhas veias arde
sangue,
chama vermelha que vai cozendo
minhas paixões no coração.

Mulheres, por favor,
derramai água:
quando tudo se queima,
só as fagulhas voam
ao vento.


(Federico Garcia Lorca foi assassinado há 75 anos, a 19/08/1936)

Tradução de Oscar Mendes

quinta-feira, agosto 18, 2011

Fronteira

Quando morrer
burlarei a alfândega das almas...
Vou levar comigo aquele beijo
que roubei de ti
enquanto dormias


(poeta gaúcho nascido a 18 de Agosto de 1926)

quarta-feira, agosto 17, 2011

Qualquer Tempo

Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer.

Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.

Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.


(Carlos Drummond de Andrade faleceu a 17 de Agosto de 1987)

terça-feira, agosto 16, 2011

Tristia

minicâmaras térmicas
para inativação do vírus da
tristeza
em borbulhas de
citros


(poeta paulista falecido a 16 de Agosto de 2003)

segunda-feira, agosto 15, 2011

Verso Vão

Onda de sol, verso de ouro,
perífrase vã. Extasiar-me,
antes, por esta fusão,
mistura de brilhos. Ou, ainda
mais íntima, a consciência
extensa como o céu, o corpo de tudo,
semelhança absoluta. Respirar
na quebra da onda. Na água,
uma braçada lenta
até ao limite de mim.


(Fiama Hasse Pais Brandão nasceu a 15 de Agosto de 1938)

domingo, agosto 14, 2011

Condição humana

Como captar da vida
o que rápido, foge
entre dúvidas? Como
reter o que, mal surge,
já se desfaz: é sombra,
algo vago, já neutro,
réstia pálida, eco
de nada, de ninguém?
Um minuto se esboça,
rútilo se sonha,
ardente se anuncia.
Onde? Quando? Quem sabe?
Sempre se sabe tarde,
sem mais onde, nem quando.


(poeta mineiro nascido a 14 de Agosto de 1902)

sábado, agosto 13, 2011

O utopista

Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.


(poeta mineiro falecido em Lisboa a 13 de Agosto de 1975)

sexta-feira, agosto 12, 2011

Da Realidade

Que renda fez a tarde no jardim,
Que há cedros que parecem de enxoval?
Como é difícil ver o natural
Quando a hora não quer!
Ah! não digas que não ao que os teus olhos
Colham nos dias de irrealidade.
Tudo então é verdade,
Toda a rama parece
Um tecido que tece
A eternidade.


(Miguel Torga nasceu a 12 de Agosto de 1907)
Grito

Não. Não irei sem grito.
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária.
Definida.

As portas adormecidas abrirão
passagem para o mundo.

Meus sonhos, meus fantasmas,
meus exércitos derrotados,
sacudirão o exército de convenção
e as máscaras de piedade compungida.

Dispensarei as rosas, as violetas,
os absurdos véus sobre meu rosto.

Serei eu mesma.
Estarei inteira sobre a mesa.
As mãos vazias e crispadas,
os olhos acordados,
a boca vincada
de amargor.

Não. Não irei sem grito.

Abram as portas adormecidas,
levantem as cortinas,
abaixem as vozes
e as máscaras -

que eu vou sair inteira.
Eu mesma. Solitária,
Definida.


(poetisa brasileira nascida a 12 de Agosto e 1905)

quinta-feira, agosto 11, 2011

centauro de areia

No abraço do tempo
o metamórfico

centauro de areia cruza o mar

na messe dos teus olhos
há rumores de cão e gato

metade é meu mundo de som e silêncio,
não os de Ovídio. trôpego centauro
nada a temer
cidade vazia, labirinto secular
dedo na cara, asas de mosca
poeira, pó,
estrada.

José Leite Netto

(poeta cearense)

quarta-feira, agosto 10, 2011

Só o silêncio arde

Já nem as aves cantam pela maré cheia
da tarde.
À flor da areia
só o silêncio arde.


(escritor português nascido a 10 de Agosto de 1921)
La Çarandilheira


Né Ladeiras nasceu a 10 de Agosto de 1959
Pelo Amor

pelo amor
palavra
que diga
sim
palavra
que diga
não
pelo amor
palavra
:

o amor
em si
jamais
cilada
nenhuma
pergunta


(poeta baiano nascido a 10 de Agosto de 1951)

terça-feira, agosto 09, 2011

Lembra-te

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos


(Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu a 9 de Agosto de 1923)

segunda-feira, agosto 08, 2011

Este céu passará

Este céu passará e então
teu riso descerá dos montes pelos rios
até desaguar no nosso coração


(poeta riomaiorense falecido a 8 de Agosto de 1978)

domingo, agosto 07, 2011

Centenário

Testamento Aberto

Só para ver curar minhas pernas partidas
Nas dores eternas
Dos saltos gorados,
Eu amo a aparente inconsciência dos loucos,
Embora fique aos poucos nos meus saltos
Desabridos e falhados.

Apraz-me, no espelho, esta face esmagada,
à força de querer transpor o além
Da minha porta fechada...

Porém,
Seja o que for, que seja,
Se uma CERTEZA alcanço
E uma mulher me beija.

Que importa
Que eu fique molemente olhando a minha porta
Aberta,
Ou que eu parta e a morte me espreite
Num desfiladeiro?...
E quem virá chorar e quem virá,
Se a morte que vier for a de lá
Certeira e minha...
E merecida como um sono que se dorme
Após a noite perdida?...

E que piedade anda a escrever um frágil,
Na embalegem dos ossos
Que trago emprestados...
Que deixarei ficar ao sol e à chuva
E que serão limados
No entulho dos calhaus que também foram rocha?...

Para quê, se mil vezes provoco
Os tombos do chegar e do partir?!
- A minha fragilidade
Foi-me dada
Para me servir.


(poeta português nascido a 7 de Agosto de 1911)

sábado, agosto 06, 2011

Glosa para José Gomes Ferreira

O mundo, dizias tu,
não é só dos pássaros
e do vento, o mundo
é também nosso. Foi
por isso, poeta,
que encheste
uma gaveta
de nuvens com a memória
das palavras e acendeste
no chão
dos dias
comuns
algumas estrelas
com tua mão.


(Albano Martins nasceu no Fundão a 6 de Agosto de 1930)

sexta-feira, agosto 05, 2011

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

a história da humanidade
é a prova da insanidade
a que estamos submetidos
- sem deus, sem destino 

bilhões de seres calcinados
reciclando a pervers(idade)
readubando rancores, sortilégios
agourentos, malfadados 

a história não tem ciclos
nem fases, mas camadas
- ossários, escombros
matéria em decomposição

recompor os mortos
putrefactos, liquefeitos
de olhos arregalados
sem a noção de tempo

anjos sem asas, desfeitos
como poeira, atritando-se
desviando-se no espaço
de um tempo estagnado:

tempo sem cronologia
espaço de materialidade
transformável e errante
na indissolução do fim


(escritor brasileiro nascido a 5 de Agosto de 1940)

quinta-feira, agosto 04, 2011


Perfil secreto

O assassino de crianças
cortou uma flor
para sentir nas mãos
o sussurro da manhã estrangulada.

Depois lavou-as na fonte
com doçura assassina
de ver tremer no frio dos dedos
um pescoço metálico de menina.

José Gomes Ferreira
Acredite se quiser

O actual Governo começa a parecer-se de mais com uma comissão liquidatária do património do Estado a preços de saldo (e com os contribuintes a financiar os compradores).

A eliminação das "golden shares" a troco de nem um cêntimo não foi outra coisa senão uma escandalosa liberalidade ao capital privado. E não se diga que foi imposição da "troika" pois a "imposição" foi aceite, é bom não esquecê-lo, por PSD, CDS e PS e apesar de Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Irlanda, Grécia, Finlândia, Bélgica e Polónia continuarem a manter "golden shares" em empresas estratégicas (provavelmente terão é governos menos servis).

O BPN será, por sua vez, "vendido" ao BIC com o Estado a suportar os encargos dos despedimentos e ter que nele meter ainda mais 550 milhões, além dos 2,4 mil milhões que já lá estão. Tudo por... 40 milhões.

Seguir-se-ão os transportes, as estruturas aeroportuárias, os Correios, a água... O processo será o mesmo dos transportes: primeiro limpam-se os passivos das empresas à custa dos contribuintes (os aumentos "colossais" das tarifas dos transportes públicos dão uma ideia do que está para vir) depois são entregues de bandeja ao capital privado.

Para isso, o Orçamento Rectificativo agora apresentado na AR prevê 12 mil milhões para a banca mais um aumento de 20 para 35 mil milhões em garantias. Assim não faltarão à banca dinheiro nem garantias do Estado para ir aos saldos do Estado.

Manuel António Pina, in Jornal de Notícias

quarta-feira, agosto 03, 2011

Para mais logo



























E agora vou ver a janta, que a companheira ainda não pode.
Génesis

O mundo existe desde que eu fui nado.
Tudo o mais é um... era uma vez
- A história que se contou.

No princípio criou-se o leite que mamei
E eu vi que era bom e chorei
Quando a fonte materna secou.

A terra era sem forma
E vazia;
Havia trevas no abismo.

E formou-se o chão
E amassou-se o pão
Que eu comi.
(Era este aquela esponja que eu mordia,
Que eu babava,
Que eu sujava,
Que uma gente andrajosa pedia).

E então se fez
a geração remota dos papões:
Nascera a esmola, o medo, a prece
E o rosto que empalidece...
E a rosa criou-se,
Desejada,
E logo o espinho,
A lágrima,
O sangue.
Este era vermelho e doce,
A lágrima doce, brilhante, salgada;
No espinho havia o gosto
Da vingança perfumada.

E eu vi que tudo era bom.

E fizeram-se os luminares
Porque eu tinha olhos,
E o som fez-se de cantares
E de gemidos,
Porque eu tinha ouvidos.
Nasceram as águas
E os peixes das águas
E alguns seres viventes da terra
E as aves dos céus.
O homem que então era vagamente feito,
Dominou o homem, comprimiu-lhe o peito,
E fizeram-se as mágoas
E o adeus.

E eu vi que tudo era bom.

A mulher só mais tarde se fez:
Foi duma vez
Em que eu e ela nos somámos
e ficámos três.

Nisto e no mais se gastaram
Sete longuíssimos dias.

O mundo era feito
E embora por tudo e por nada imperfeito,
Eu vi que era bom.

Acaba o mundo
Quando eu morrer.
Sim... será o fim!:
Também tu deixas de existir,
No mesmo dia.

E o resto que se seguir
É profecia.


(poeta português falecido em 3 de Agosto de 1939)

terça-feira, agosto 02, 2011

O Parto

Meu corpo está completo, o homem - não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.


(poeta maranhense, nascido a 2 de Agosto de 1935)

Os Eunucos



Os eunucos devoram-se a si mesmos
Não mudam de uniforme, são venais
E quando os mais são feitos em torresmos
Defendem os tiranos contra os país

Em tudo são verdugos mais ou menos
No jardim dos haréns os principais
E quando os mais são feitos em torresmos
Não matam os tiranos pedem mais

Suportam toda a dor na calmaria
Da olímpica visão dos samurais
Havia um dono a mais na satrapia
Mas foi lançado à cova dos chacais

Em vénias malabares à luz do dia
Lambuzam da saliva os maiorais
E quando os mais são feitos em fatias
Não matam os tiranos pedem mais

(Zeca Afonso nasceu a 2 de Agosto de 1929)

segunda-feira, agosto 01, 2011


Alta Tensão

eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.


(poetisa e actriz paulista, nascida a 1 de Agosto de 1952)

Z

As formas, as sombras, a luz que descobre a noite
e um pequeno pássaro

e depois longo tempo eu te perdi de vista
meus braços são dois espaços enormes
os meus olhos são duas garrafas de vento

e depois eu te conheço de novo numa rua isolada
minhas pernas são duas árvores floridas
os meus dedos uma plantação de sargaços

a tua figura era ao que me lembro da cor do jardim.


(poeta lisboeta nascido a 1 de Agosto de 1928)