Coisas, Pequenas Coisas
Fazer das coisas fracas um poema.
Uma árvore está quieta,
murcha, desprezada.
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.
E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.
Fora de ti há o mundo
e nele há tudo
que em ti não cabe.
Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.
Fernando Namora, in Mar de Sargaços
How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
Páginas
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domingo, janeiro 31, 2010
sábado, janeiro 30, 2010
Fazer
Há dois tipos de pessoas: as que fazem as coisas, e as que dizem que fizeram as coisas. Tente ficar no primeiro tipo. Há menos competição.
Mahatma Gandhi
Há dois tipos de pessoas: as que fazem as coisas, e as que dizem que fizeram as coisas. Tente ficar no primeiro tipo. Há menos competição.
Mahatma Gandhi
sexta-feira, janeiro 29, 2010
O princípio do fim?
Embora Obama não seja tão pateta quanto o seu predecessor, ele não está menos desejoso de sacrificar milhares de vidas em troca de benefícios políticos.
Ray McGovern
Vindo de alguém que passou quase 30 anos nos serviços secretos dos Estados Unidos, o artigo do qual consta a afirmação merece leitura atenta.
Embora Obama não seja tão pateta quanto o seu predecessor, ele não está menos desejoso de sacrificar milhares de vidas em troca de benefícios políticos.
Ray McGovern
Vindo de alguém que passou quase 30 anos nos serviços secretos dos Estados Unidos, o artigo do qual consta a afirmação merece leitura atenta.
Liberdade
até as pedras negam
a paternidade
da terra.
no chão, não há reforma
nem raízes.
os homens fingem
acreditar em Deus,
enquanto as crianças
sonham com esfinges
e mitos,
porque adormecem com fome
quero uma enxada
e um arado,
porque onde piso
até as lágrimas
proliferam.
quero a união dos povos
e o amor de irmãos,
porque dito a paz
e não acredito em esmolas.
quero ajuda para construir,
esperança para modificar
e depois gritar:
liberdade! liberdade!
Fernando Braga*
*poeta brasileiro
até as pedras negam
a paternidade
da terra.
no chão, não há reforma
nem raízes.
os homens fingem
acreditar em Deus,
enquanto as crianças
sonham com esfinges
e mitos,
porque adormecem com fome
quero uma enxada
e um arado,
porque onde piso
até as lágrimas
proliferam.
quero a união dos povos
e o amor de irmãos,
porque dito a paz
e não acredito em esmolas.
quero ajuda para construir,
esperança para modificar
e depois gritar:
liberdade! liberdade!
Fernando Braga*
*poeta brasileiro
quinta-feira, janeiro 28, 2010
Quando Fores Velha
Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
William Butler Yeats
Tradução: José Agostinho Baptista
Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
William Butler Yeats
Tradução: José Agostinho Baptista
quarta-feira, janeiro 27, 2010
terça-feira, janeiro 26, 2010
Lição de boas maneiras
Ao arroto mal cheiroso dado pelo incompetente Jean-Claude Trichet a propósito dos actuais problemas orçamentais da Grécia, reagiu um Prémio Nobel da Economia do outro lado do Atlântico com uma soberba lição do que deve ser uma Europa solidária com os seus pequenos e periféricos membros.
Como dizia um conhecido comentador das corridas de Fórmula 1, há curvas dos circuitos onde os homens se distinguem dos rapazes. A situação actual da Grécia, que até podia ser a nossa, é claramente uma curva onde a seriedade e argúcia do homem Joseph Stiglitz contrastam com a inépcia e incapacidade do rapaz Jean-Claude Trichet.
Ao arroto mal cheiroso dado pelo incompetente Jean-Claude Trichet a propósito dos actuais problemas orçamentais da Grécia, reagiu um Prémio Nobel da Economia do outro lado do Atlântico com uma soberba lição do que deve ser uma Europa solidária com os seus pequenos e periféricos membros.
Como dizia um conhecido comentador das corridas de Fórmula 1, há curvas dos circuitos onde os homens se distinguem dos rapazes. A situação actual da Grécia, que até podia ser a nossa, é claramente uma curva onde a seriedade e argúcia do homem Joseph Stiglitz contrastam com a inépcia e incapacidade do rapaz Jean-Claude Trichet.
segunda-feira, janeiro 25, 2010
A garrafa
Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
- se foi a criança
ou o ladrão
ou o filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si ou para os outros.
Que se destrua contra os recifes
ou role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos
que importa?
... se só de atirá-la às ondas vagabundas
libertei meu destino
da sua prisão?...
Manuel Lopes*
*poeta cabo-verdiano
Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
- se foi a criança
ou o ladrão
ou o filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si ou para os outros.
Que se destrua contra os recifes
ou role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos
que importa?
... se só de atirá-la às ondas vagabundas
libertei meu destino
da sua prisão?...
Manuel Lopes*
*poeta cabo-verdiano
domingo, janeiro 24, 2010
sábado, janeiro 23, 2010
sexta-feira, janeiro 22, 2010
O eucalipto e o Saci
Um dia fui passear
Lá no reino encantado
E em cima de um cupim
Eu vi o saci sentado
Com os olhos cheios d’água
Que há pouco tinha chorado
Então lhe perguntei
Por que estava desolado
Deu um rodamoinho
E ele me respondeu
Olha para as montanhas
Veja o que aconteceu
Plantaram uns paus compridos
Que depressa cresceram
Todos os bichos foram embora
E alguns até morreram
É o tal de eucalipto
Planta que não é daqui
Uma mata silenciosa
Que acabou com tudo ali
Os macacos foram embora
Até o mico e o sagüi
Que saudade do sabiá
Do sanhaço e do bem-te-vi
Esta planta suga a terra
As nascentes estão secando
Nossos rios caudalosos
Devagar vão se acabando
As fazendas destruídas
Pelas máquinas vão tombando
O caipira sem destino
Pra cidade está mudando
Como são 32 oitavas, façam o favor de ler as restantes aqui.
(a propósito do 4º aniversário da plantação de um eucalipto para os lados Belém)
Um dia fui passear
Lá no reino encantado
E em cima de um cupim
Eu vi o saci sentado
Com os olhos cheios d’água
Que há pouco tinha chorado
Então lhe perguntei
Por que estava desolado
Deu um rodamoinho
E ele me respondeu
Olha para as montanhas
Veja o que aconteceu
Plantaram uns paus compridos
Que depressa cresceram
Todos os bichos foram embora
E alguns até morreram
É o tal de eucalipto
Planta que não é daqui
Uma mata silenciosa
Que acabou com tudo ali
Os macacos foram embora
Até o mico e o sagüi
Que saudade do sabiá
Do sanhaço e do bem-te-vi
Esta planta suga a terra
As nascentes estão secando
Nossos rios caudalosos
Devagar vão se acabando
As fazendas destruídas
Pelas máquinas vão tombando
O caipira sem destino
Pra cidade está mudando
Como são 32 oitavas, façam o favor de ler as restantes aqui.
(a propósito do 4º aniversário da plantação de um eucalipto para os lados Belém)
Os novos cruzados
Está a causar grande celeuma a denúncia de que um fabricante de miras telescópicas, que são vendidas às centenas de milhares às forças armadas dos Estados Unidos para serem incorporadas em espingardas utilizadas no Iraque e no Afeganistão pelos militares, quer nas operações de guerra quer no treino dos exércitos e polícias locais, coloca disfarçadamente à frente do número de série referências codificadas ao Novo Testamento, o que desrespeita a Constituição do país e os Regulamentos militares.
Na imagem é visível a inscrição JN8:12, uma clara referência ao versículo 12 do capítulo 8 do Evangelho de João: “Jesus falou-lhes novamente e disse: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”. Mas há outras imagens com o código 2COR4:6, referência ao versículo 6 do capítulo 4 da Segunda Carta de Paulo aos Coríntios: “Porque o Deus que disse: das trevas brilhe a luz, foi quem brilhou nos nossos corações, para irradiar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo”.
A notícia apareceu inicialmente em 18 de Janeiro no sítio da ABC News, por denúncia da Fundação para a Liberdade Religiosa Militar, que recebeu inúmeras queixas de militares no activo, e rapidamente se espalhou por vários jornais, incluindo os chamados “de referência”.
Apesar de o assunto ter vindo a ser comentado nos bastidores há quase 4 anos, porta-vozes do Exercito e dos Fuzileiros Navais disseram que os serviços não tinham conhecimento das inscrições. Entretanto, as forças da Nova Zelândia no Afeganistão, que utilizam o mesmo tipo de miras, já disseram que iam remover tais códigos.
Este é o tipo de gentalha que depois se queixa de que os muçulmanos são fundamentalistas e que se eriça toda quando alguém fala dos novos cruzados.
P.S. Parece que a empresa, após os veementes protestos de neozelandezes e australianos e reparos dos militares estado-unidenses, se prontificou a retirar os códigos. A notícia pode ser lida no sítio da FLRM.
Está a causar grande celeuma a denúncia de que um fabricante de miras telescópicas, que são vendidas às centenas de milhares às forças armadas dos Estados Unidos para serem incorporadas em espingardas utilizadas no Iraque e no Afeganistão pelos militares, quer nas operações de guerra quer no treino dos exércitos e polícias locais, coloca disfarçadamente à frente do número de série referências codificadas ao Novo Testamento, o que desrespeita a Constituição do país e os Regulamentos militares.
Na imagem é visível a inscrição JN8:12, uma clara referência ao versículo 12 do capítulo 8 do Evangelho de João: “Jesus falou-lhes novamente e disse: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”. Mas há outras imagens com o código 2COR4:6, referência ao versículo 6 do capítulo 4 da Segunda Carta de Paulo aos Coríntios: “Porque o Deus que disse: das trevas brilhe a luz, foi quem brilhou nos nossos corações, para irradiar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo”.
A notícia apareceu inicialmente em 18 de Janeiro no sítio da ABC News, por denúncia da Fundação para a Liberdade Religiosa Militar, que recebeu inúmeras queixas de militares no activo, e rapidamente se espalhou por vários jornais, incluindo os chamados “de referência”.
Apesar de o assunto ter vindo a ser comentado nos bastidores há quase 4 anos, porta-vozes do Exercito e dos Fuzileiros Navais disseram que os serviços não tinham conhecimento das inscrições. Entretanto, as forças da Nova Zelândia no Afeganistão, que utilizam o mesmo tipo de miras, já disseram que iam remover tais códigos.
Este é o tipo de gentalha que depois se queixa de que os muçulmanos são fundamentalistas e que se eriça toda quando alguém fala dos novos cruzados.
P.S. Parece que a empresa, após os veementes protestos de neozelandezes e australianos e reparos dos militares estado-unidenses, se prontificou a retirar os códigos. A notícia pode ser lida no sítio da FLRM.
quinta-feira, janeiro 21, 2010
Filha roubada
Mais uma história de arrepiar, numa reportagem do jornalista José Ramos e Ramos no programa Linha da Frente de ontem, na RTP1, cerca das 21 horas, posta corajosamente no ar mesmo perante as ameaças recebidas.
Maria é o nome da criança de 8 anos que, há 7 meses, foi retirada à mãe sob pretexto de sofrer de um desequilíbrio psíquico (síndrome de alienação parental) da qual nem a Organização Mundial de Saúde nem a Associação Americana de Psiquiatria reconhecem a existência.
Pelo que se vi e ouviu, os pais da criança divorciaram-se há alguns anos, tendo a criança ficado à guarda da mãe. Mas, com o tempo, Maria recusou-se peremptoriamente a visitar o pai e, vai daí, um juiz de 30 anos, com “larga experiência” em assuntos de crianças, decidiu interná-la compulsivamente numa instituição dirigida por uma seita religiosa do mais troglodita que existe (mas mesmo que não o fosse, o problema persistia), sem sequer autorizar que se despedisse da mãe e de outros familiares.
Que sim, afirmou um psicólogo que viu a Maria a pedido do pai, a criança sofria do tal desequilíbrio, mas ele não foi ouvido sobre o seu internamento e considerava um perfeito disparate que o juiz a tivesse retirado à mãe. Outros especialistas mais maduros, quer da área da medicina quer da área do direito, zurziram a bom zurzir no juiz inimputável.
As visitas da mãe são limitadas a uma hora, sempre na presença de alguém da instituição, só foi autorizada a levar um brinquedo e não pode tirar fotografias à filha. As crianças são periodicamente enfiadas numa carrinha para se deslocarem ao serviço religioso e saem da carrinha sem o apoio de qualquer adulto.
Tudo em defesa dos “superiores interesses da criança” um chavão que alguém inventou para classificar o inclassificável. Talvez quem o cunhou e o tal juiz nunca tenham sido crianças, quem sabe. Entretanto o avô chora, a mãe (professora) desfaz-se em lágrimas e vive em desespero, enquanto se perpetua a injustiça em nome da justiça.
Para quem não viu, vale a pena ouvir e ver.
Mais uma história de arrepiar, numa reportagem do jornalista José Ramos e Ramos no programa Linha da Frente de ontem, na RTP1, cerca das 21 horas, posta corajosamente no ar mesmo perante as ameaças recebidas.
Maria é o nome da criança de 8 anos que, há 7 meses, foi retirada à mãe sob pretexto de sofrer de um desequilíbrio psíquico (síndrome de alienação parental) da qual nem a Organização Mundial de Saúde nem a Associação Americana de Psiquiatria reconhecem a existência.
Pelo que se vi e ouviu, os pais da criança divorciaram-se há alguns anos, tendo a criança ficado à guarda da mãe. Mas, com o tempo, Maria recusou-se peremptoriamente a visitar o pai e, vai daí, um juiz de 30 anos, com “larga experiência” em assuntos de crianças, decidiu interná-la compulsivamente numa instituição dirigida por uma seita religiosa do mais troglodita que existe (mas mesmo que não o fosse, o problema persistia), sem sequer autorizar que se despedisse da mãe e de outros familiares.
Que sim, afirmou um psicólogo que viu a Maria a pedido do pai, a criança sofria do tal desequilíbrio, mas ele não foi ouvido sobre o seu internamento e considerava um perfeito disparate que o juiz a tivesse retirado à mãe. Outros especialistas mais maduros, quer da área da medicina quer da área do direito, zurziram a bom zurzir no juiz inimputável.
As visitas da mãe são limitadas a uma hora, sempre na presença de alguém da instituição, só foi autorizada a levar um brinquedo e não pode tirar fotografias à filha. As crianças são periodicamente enfiadas numa carrinha para se deslocarem ao serviço religioso e saem da carrinha sem o apoio de qualquer adulto.
Tudo em defesa dos “superiores interesses da criança” um chavão que alguém inventou para classificar o inclassificável. Talvez quem o cunhou e o tal juiz nunca tenham sido crianças, quem sabe. Entretanto o avô chora, a mãe (professora) desfaz-se em lágrimas e vive em desespero, enquanto se perpetua a injustiça em nome da justiça.
Para quem não viu, vale a pena ouvir e ver.
quarta-feira, janeiro 20, 2010
Eles estão de volta
Santiago do Chile: os apoiantes de Sebastian Piñera comemoram a vitória do seu candidato erguendo bem alto um busto do ditador Augusto Pinochet. A imagem não surpreende quem sabe que o multimilionário está rodeado dos ideólogos da ditadura, dos mentores do descalabro económico da mesma e dos torcionários que ainda pululam pelo país. Mau sinal e um alerta para a América Latina, depois do golpe nas Honduras, das bases estado-unidenses na Colômbia e no Panamá, dos ataques à Venezuela, dos confrontos entre o poder político e o poder económico na Argentina e dos crescentes perigos de golpe no Paraguai. Evidentemente, a CIA não tem nada a ver com todos estes acontecimentos.
Fotografia: Jorge Saenz/AP
Santiago do Chile: os apoiantes de Sebastian Piñera comemoram a vitória do seu candidato erguendo bem alto um busto do ditador Augusto Pinochet. A imagem não surpreende quem sabe que o multimilionário está rodeado dos ideólogos da ditadura, dos mentores do descalabro económico da mesma e dos torcionários que ainda pululam pelo país. Mau sinal e um alerta para a América Latina, depois do golpe nas Honduras, das bases estado-unidenses na Colômbia e no Panamá, dos ataques à Venezuela, dos confrontos entre o poder político e o poder económico na Argentina e dos crescentes perigos de golpe no Paraguai. Evidentemente, a CIA não tem nada a ver com todos estes acontecimentos.
Fotografia: Jorge Saenz/AP
terça-feira, janeiro 19, 2010
Quarto interior
Na cómoda algumas gavetas
com os caprichosos guinchos da madeira
não só entoavam sons como aspergiam
o ar de antiquíssima alfazema.
Moviam-se devagar para o regaço,
aceitavam escassamente a luz,
gemiam até estancarem
abertas e exalarem
por fim a plena
onda de aroma.
Fiama Hasse Pais Brandão
Na cómoda algumas gavetas
com os caprichosos guinchos da madeira
não só entoavam sons como aspergiam
o ar de antiquíssima alfazema.
Moviam-se devagar para o regaço,
aceitavam escassamente a luz,
gemiam até estancarem
abertas e exalarem
por fim a plena
onda de aroma.
Fiama Hasse Pais Brandão
Fragmento do Homem
Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.
Eugénio de Andrade, in Os Afluentes do Silêncio
Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.
Eugénio de Andrade, in Os Afluentes do Silêncio
segunda-feira, janeiro 18, 2010
Retrato do Herói
Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.
Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.
Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.
Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.
Jose Carlos Ary dos Santos, in Fotosgrafias
Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.
Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.
Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.
Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.
Jose Carlos Ary dos Santos, in Fotosgrafias
domingo, janeiro 17, 2010
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga - in Câmara Ardente
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga - in Câmara Ardente
sábado, janeiro 16, 2010
O eucalipto e a má moeda
Não é preciso ser um especialista em silvicultura para saber que o eucalipto e a má moeda têm mais afinidades do que dissemelhanças.
O eucalipto, árvore oriunda do continente quase deserto, seca tudo à sua volta para que ele próprio e os seus eucaliptozinhos se possam alimentar dos escassos nutrientes da terra árida. A má moeda transforma os pobres em miseráveis e os remediados em pobres para que os ricos possam ser cada vez mais ricos.
Normalmente são aliados, como quando se trata de anatematizar “evangelhos” pouco canónicos ou tocar em violinos peças escritas para piano. Quando a má moeda pode ameaçar a plantação do eucalipto em terreno mais fértil, tornam-se inimigos e à má moeda não resta outra solução que não seja “andar por aí”, até que o eucalipto desertifique o novo local de plantio e dê largas à sua” magnanimidade”, convertendo a má moeda em boa moeda e elevando-a a uma categoria merecedora de sinecuras por serviços distintos prestados à pátria.
A Bem da Nação.
Não é preciso ser um especialista em silvicultura para saber que o eucalipto e a má moeda têm mais afinidades do que dissemelhanças.
O eucalipto, árvore oriunda do continente quase deserto, seca tudo à sua volta para que ele próprio e os seus eucaliptozinhos se possam alimentar dos escassos nutrientes da terra árida. A má moeda transforma os pobres em miseráveis e os remediados em pobres para que os ricos possam ser cada vez mais ricos.
Normalmente são aliados, como quando se trata de anatematizar “evangelhos” pouco canónicos ou tocar em violinos peças escritas para piano. Quando a má moeda pode ameaçar a plantação do eucalipto em terreno mais fértil, tornam-se inimigos e à má moeda não resta outra solução que não seja “andar por aí”, até que o eucalipto desertifique o novo local de plantio e dê largas à sua” magnanimidade”, convertendo a má moeda em boa moeda e elevando-a a uma categoria merecedora de sinecuras por serviços distintos prestados à pátria.
A Bem da Nação.
sexta-feira, janeiro 15, 2010
quinta-feira, janeiro 14, 2010
Fundamentalismo e cretinice troglodita
Mesmo perante os maiores infortúnios, como é o caso do arrasador terramoto do Haiti, há mamíferos falantes que continuam a pensar com o intestino grosso.
É o caso do pretenso ministro cristão, o tele-evangelista Pat Robertson, que no seu programa televisivo de terça-feira à noite disse que o terramoto do Haiti era devido ao seu povo ter sido amaldiçoado por ter feito um pacto com o diabo, referindo-se aos rituais vodu realizados antes da revolta de 1791 contra os colonizadores franceses.
Depois de ter advogado o assassinato puro e simples de Hugo Chaves, de ter atribuído aos pagãos, defensores do aborto, feministas e homossexuais a culpa do 11 de Setembro e do furacão Katrina e de dizer que o acidente vascular cerebral que Ariel Sharon sofreu foi castigo de Deus pela retirada dos colonatos de Gaza, chegou agora a vez de bolçar sobre o martirizado povo haitiano o seu ódio a tudo o que ultrapassa a sua tacanha visão das coisas. E, o que é ainda mais triste, tem dezenas de milhões de ouvintes e seguidores fundamentalistas.
Mesmo perante os maiores infortúnios, como é o caso do arrasador terramoto do Haiti, há mamíferos falantes que continuam a pensar com o intestino grosso.
É o caso do pretenso ministro cristão, o tele-evangelista Pat Robertson, que no seu programa televisivo de terça-feira à noite disse que o terramoto do Haiti era devido ao seu povo ter sido amaldiçoado por ter feito um pacto com o diabo, referindo-se aos rituais vodu realizados antes da revolta de 1791 contra os colonizadores franceses.
Depois de ter advogado o assassinato puro e simples de Hugo Chaves, de ter atribuído aos pagãos, defensores do aborto, feministas e homossexuais a culpa do 11 de Setembro e do furacão Katrina e de dizer que o acidente vascular cerebral que Ariel Sharon sofreu foi castigo de Deus pela retirada dos colonatos de Gaza, chegou agora a vez de bolçar sobre o martirizado povo haitiano o seu ódio a tudo o que ultrapassa a sua tacanha visão das coisas. E, o que é ainda mais triste, tem dezenas de milhões de ouvintes e seguidores fundamentalistas.
quarta-feira, janeiro 13, 2010
Deixemo-nos matar e logo se vê
A jovem da fotografia chama-se Myleene Klass e é uma apresentadora de televisão inglesa e modelo da Marks & Spencer. À meia noite de sexta feira, 8 de Janeiro, encontrava-se na cozinha da sua casa, com a sua filha no andar de cima (o companheiro estava ausente em negócios), quando descobriu uns jovens intrusos no seu jardim. Cheia de medo, agarrou numa faca e começou a bater com ela na janela e a gritar antes de eles terem fugido. Acabou por ser avisada pela polícia de que não devia ter utilizado a faca para assustar os jovens, porque empunhar uma “arma ofensiva”, mesmo dentro da própria casa, era ilegal. A polícia explicou-lhe, ainda, que mesmo que estivesse sozinha em casa e se confrontasse com um intruso, não podia proteger-se.
Esta bizarro episódio surge menos de um mês depois de uma controversa sentença que condenou Munir Hussain e o seu irmão Tokeer Hussain a 30 e 39 meses de prisão efectiva. Munir Hussain é um pacato homem de negócios londrino e, quando chegou a casa durante o Ramadão, vindo da mesquita com a família, foi confrontado com três ladrões mascarados que os prenderam e ameaçaram matá-los a todos. O filho adolescente conseguiu fugir e foi pedir ajuda ao tio Tokeer, que veio em auxílio da família. Os ladrões fugiram, mas os dois irmãos conseguiram apanhar um deles, criminoso com 50 condenações no cadastro, batendo-lhe com uma pá de críquete, o que lhe deixou danos neurológicos permanentes. Tratou-se, na opinião do juiz que os condenou, de “um terrível e violento ataque” cometido pelos dois irmãos. Resolveu, por isso, destruir as suas famílias, pois é disso que se trata quando um homem de negócios islâmico é condenado a dois anos e meio de prisão num país como a Inglaterra.
Cá mais perto, um ourives da Trofa foi assaltado por jovens armados, espoliado de mais de duzentos mil euros e baleado. Conseguiu, mesmo assim, empunhar uma caçadeira e atingir um dos ladrões no abdómen. Com o comparsa a esvair-se em sangue dentro da viatura, os outros continuaram os assaltos até que o ferido morreu e foi abandonado. O ourives foi acusado de “homicídio privilegiado», um crime previsto na lei para os casos em que a actuação surge num estado de «emoção violenta, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a culpa» e é punível com prisão entre um a cinco anos.
Não deixa de ser curioso que o assaltado seja acusado de “homicídio privilegiado”, pois dá-se a entender que nem todos os cidadãos podem ter o “privilégio” de serem assaltados, roubados, baleados e, ainda, terem acesso a uma caçadeira e espetarem com um chumbos no abdómen de um dos assaltantes. Compreendia-se melhor se fosse acusado de homicídio por negligência, já que não tomou as medidas ao seu alcance para levar mais uns tiros dos bondosos rapazes que o assaltaram.
Bem sei que num estado de direito não se pode fazer justiça pelas próprias mãos e longe de mim ser apologista de tal. Mas isso é uma coisa, e ter de ficar inactivo enquanto se é assaltado, violado, roubado ou baleado é outra completamente diferente, já que a faca de cozinha, a pá de críquete e, presumo, a caçadeira estavam legalmente na posse das pessoas. Depois queixem-se de que os paulinhos das feiras de lá e de cá atraem muita gente quando falam de insegurança e pedem um polícia para cada cidadão mais dois polícias para vigiarem cada um dos outros e se vigiarem mutuamente.
E eu que até estava a pensar comprar um machado no AKI para ter atrás da porta de entrada da minha casa! Agora, até a vara de oliveira vou ter de arrumar e, se for assaltado, pergunto se querem beber umas bujecas com amendoins ou tremoços. Caso sejam da elite, poderei mesmo oferecer uns uísques velhos acompanhados de figos secos com nozes, presunto com broa e vinho verde, porto vintage com queijo da serra de comer à colher ou tinto alentejano do meio da tabela com torresmos, enquanto a minha companheira tenta, sub-repticiamente, telefonar à polícia para virem acompanhá-los à porta.
A jovem da fotografia chama-se Myleene Klass e é uma apresentadora de televisão inglesa e modelo da Marks & Spencer. À meia noite de sexta feira, 8 de Janeiro, encontrava-se na cozinha da sua casa, com a sua filha no andar de cima (o companheiro estava ausente em negócios), quando descobriu uns jovens intrusos no seu jardim. Cheia de medo, agarrou numa faca e começou a bater com ela na janela e a gritar antes de eles terem fugido. Acabou por ser avisada pela polícia de que não devia ter utilizado a faca para assustar os jovens, porque empunhar uma “arma ofensiva”, mesmo dentro da própria casa, era ilegal. A polícia explicou-lhe, ainda, que mesmo que estivesse sozinha em casa e se confrontasse com um intruso, não podia proteger-se.
Esta bizarro episódio surge menos de um mês depois de uma controversa sentença que condenou Munir Hussain e o seu irmão Tokeer Hussain a 30 e 39 meses de prisão efectiva. Munir Hussain é um pacato homem de negócios londrino e, quando chegou a casa durante o Ramadão, vindo da mesquita com a família, foi confrontado com três ladrões mascarados que os prenderam e ameaçaram matá-los a todos. O filho adolescente conseguiu fugir e foi pedir ajuda ao tio Tokeer, que veio em auxílio da família. Os ladrões fugiram, mas os dois irmãos conseguiram apanhar um deles, criminoso com 50 condenações no cadastro, batendo-lhe com uma pá de críquete, o que lhe deixou danos neurológicos permanentes. Tratou-se, na opinião do juiz que os condenou, de “um terrível e violento ataque” cometido pelos dois irmãos. Resolveu, por isso, destruir as suas famílias, pois é disso que se trata quando um homem de negócios islâmico é condenado a dois anos e meio de prisão num país como a Inglaterra.
Cá mais perto, um ourives da Trofa foi assaltado por jovens armados, espoliado de mais de duzentos mil euros e baleado. Conseguiu, mesmo assim, empunhar uma caçadeira e atingir um dos ladrões no abdómen. Com o comparsa a esvair-se em sangue dentro da viatura, os outros continuaram os assaltos até que o ferido morreu e foi abandonado. O ourives foi acusado de “homicídio privilegiado», um crime previsto na lei para os casos em que a actuação surge num estado de «emoção violenta, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a culpa» e é punível com prisão entre um a cinco anos.
Não deixa de ser curioso que o assaltado seja acusado de “homicídio privilegiado”, pois dá-se a entender que nem todos os cidadãos podem ter o “privilégio” de serem assaltados, roubados, baleados e, ainda, terem acesso a uma caçadeira e espetarem com um chumbos no abdómen de um dos assaltantes. Compreendia-se melhor se fosse acusado de homicídio por negligência, já que não tomou as medidas ao seu alcance para levar mais uns tiros dos bondosos rapazes que o assaltaram.
Bem sei que num estado de direito não se pode fazer justiça pelas próprias mãos e longe de mim ser apologista de tal. Mas isso é uma coisa, e ter de ficar inactivo enquanto se é assaltado, violado, roubado ou baleado é outra completamente diferente, já que a faca de cozinha, a pá de críquete e, presumo, a caçadeira estavam legalmente na posse das pessoas. Depois queixem-se de que os paulinhos das feiras de lá e de cá atraem muita gente quando falam de insegurança e pedem um polícia para cada cidadão mais dois polícias para vigiarem cada um dos outros e se vigiarem mutuamente.
E eu que até estava a pensar comprar um machado no AKI para ter atrás da porta de entrada da minha casa! Agora, até a vara de oliveira vou ter de arrumar e, se for assaltado, pergunto se querem beber umas bujecas com amendoins ou tremoços. Caso sejam da elite, poderei mesmo oferecer uns uísques velhos acompanhados de figos secos com nozes, presunto com broa e vinho verde, porto vintage com queijo da serra de comer à colher ou tinto alentejano do meio da tabela com torresmos, enquanto a minha companheira tenta, sub-repticiamente, telefonar à polícia para virem acompanhá-los à porta.
terça-feira, janeiro 12, 2010
Um Sonho de Simplicidade
Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou os amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?
Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.
A vida bem poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava a água fresca da talha, e a água era boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.
Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo do Acre? A gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chegamos à choça de um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo, depois me deitei numa grande rede branca - foi um carinho ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e votes distantes de animais noturnos.
Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira: conversamos muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras almas?
Mas para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse oficio absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas... Seria preciso fazer algo de sólido e de singelo: tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo. mas deixasse a alma sossegada e limpa.
Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. E apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, um número... Para que tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver - sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.
Rubem Braga (in"A Traição das Elegantes”)
Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providências a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou os amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?
Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.
A vida bem poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava a água fresca da talha, e a água era boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.
Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo do Acre? A gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chegamos à choça de um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo, depois me deitei numa grande rede branca - foi um carinho ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e votes distantes de animais noturnos.
Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira: conversamos muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras almas?
Mas para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse oficio absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas... Seria preciso fazer algo de sólido e de singelo: tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo. mas deixasse a alma sossegada e limpa.
Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. E apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, um número... Para que tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver - sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.
Rubem Braga (in"A Traição das Elegantes”)
segunda-feira, janeiro 11, 2010
De degrau em degrau
de degrau em degrau afundo-me na sabedoria
do ouro e da visão conheço a lenta travessia
onde o corpo se evapora no fogo do tempo
reclamado de rostos e de petrificadas memórias
regresso pela transparente teia dos gestos
e pelos desertos junto ao mar
amámos
sobre o envelhecido espelho
fingimos morrer
já não posso dizer que nada existe
repovoámos o sonho e na boca cresceu
subitamente um pássaro o exíguo espaço
de um país
ó ave
dispersa esta réstia de sangue sobre o mar!
Al Berto
de degrau em degrau afundo-me na sabedoria
do ouro e da visão conheço a lenta travessia
onde o corpo se evapora no fogo do tempo
reclamado de rostos e de petrificadas memórias
regresso pela transparente teia dos gestos
e pelos desertos junto ao mar
amámos
sobre o envelhecido espelho
fingimos morrer
já não posso dizer que nada existe
repovoámos o sonho e na boca cresceu
subitamente um pássaro o exíguo espaço
de um país
ó ave
dispersa esta réstia de sangue sobre o mar!
Al Berto
domingo, janeiro 10, 2010
Seu nome é hoje
Somos culpados
de muitos erros e faltas
porém nosso pior crime
é o abandono das crianças
negando-lhes a fonte
da vida.
Muitas das coisas
de que necessitamos
podem esperar. A criança não pode.
Agora é o momento em que
seus ossos estão se formando
seu sangue também o está
e seus sentidos
estão se desenvolvendo.
A ela não podemos responder “amanhã”.
Seu nome é hoje.
Gabriela Mistral
(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)
Somos culpados
de muitos erros e faltas
porém nosso pior crime
é o abandono das crianças
negando-lhes a fonte
da vida.
Muitas das coisas
de que necessitamos
podem esperar. A criança não pode.
Agora é o momento em que
seus ossos estão se formando
seu sangue também o está
e seus sentidos
estão se desenvolvendo.
A ela não podemos responder “amanhã”.
Seu nome é hoje.
Gabriela Mistral
(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)
sábado, janeiro 09, 2010
Homenagem a Picasso
O esquadro disfarça o eclipse
que os homens não querem ver.
Não há música aparentemente
nos violinos fechados.
Apenas os recortes dos jornais diários
acenam para mim como o juízo final.
João Cabral de Mello Neto
(Pedra do Sono, 1940/1941)
O esquadro disfarça o eclipse
que os homens não querem ver.
Não há música aparentemente
nos violinos fechados.
Apenas os recortes dos jornais diários
acenam para mim como o juízo final.
João Cabral de Mello Neto
(Pedra do Sono, 1940/1941)
sexta-feira, janeiro 08, 2010
Uma EPAL sem vergonha
Fiquei hoje a saber, através do presidente da AMEGA (Associação de Municípios para Estudos e Gestão da Água), que vou ter de pagar mais pela água que consumo, porque a EPAL o vai impor apesar da inflação negativa.
A AMEGA reúne 19 serviços municipalizados de água abastecidos pela EPAL, desde Vila Nova da Barquinha e Torres Novas até Cascais e Sintra, passando pela totalidade dos municípios que formam a área metropolitana de Lisboa a norte do Tejo, e a quase totalidade da água captada pela EPAL provém desses mesmo municípios.
Mais fiquei a saber, pelo também presidente da Câmara de Loures, que a EPAL e Lisboa estão a subsidiar-se à custa dos municípios limítrofes, já que a EPAL vende a água directamente aos clientes de Lisboa a 16 cêntimos por metro cúbico, enquanto vende o mesmo metro cúbico aos municípios pelo módico preço de 47 cêntimos ( 3 vezes mais), obrigando os serviços municipalizados a disponibilizá-la aos munícipes a mais de 50 cêntimos.
Isto significa que as centenas de milhares de pessoas que se deslocam todos os dias para os seu locais de trabalho na capital, ziguezagueando por entre os buracos existentes em tudo o que é rua e avenida, saltitando nos passeios para evitar os excrementos dos cães, tendo de caminhar pelas ruas porque os passeios estão atulhados de carros e tendo de utilizar chapéus para se protegeram da merda dos pombos, têm como recompensa pela riqueza que trazem à cidade (as transferência para os municípios estão relacionadas com os impostos arrecadados pelo estado em cada um) a imposição de subsidiarem a água que os lisboetas - que não têm a mínima responsabilidade no facto - consomem, além dos luxos da própria EPAL, como o pagamento de consultadoria a uma empresa terrorista israelita de que já aqui falei.
A atitude da EPAL é ainda mais obscena por se traduzir numa grosseira manipulação da opinião pública acerca dos custos dum serviço público fundamental, já que em Lisboa toda os munícipes sabem que o preço da água é da responsabilidade da EPAL, enquanto a imensa maioria dos quase dois milhões de habitantes da área abrangida pela AMEGA julga que o preço da água é da responsabilidade das respectivas câmaras municipais, sobre as quais recai o odioso da situação.
Fiquei hoje a saber, através do presidente da AMEGA (Associação de Municípios para Estudos e Gestão da Água), que vou ter de pagar mais pela água que consumo, porque a EPAL o vai impor apesar da inflação negativa.
A AMEGA reúne 19 serviços municipalizados de água abastecidos pela EPAL, desde Vila Nova da Barquinha e Torres Novas até Cascais e Sintra, passando pela totalidade dos municípios que formam a área metropolitana de Lisboa a norte do Tejo, e a quase totalidade da água captada pela EPAL provém desses mesmo municípios.
Mais fiquei a saber, pelo também presidente da Câmara de Loures, que a EPAL e Lisboa estão a subsidiar-se à custa dos municípios limítrofes, já que a EPAL vende a água directamente aos clientes de Lisboa a 16 cêntimos por metro cúbico, enquanto vende o mesmo metro cúbico aos municípios pelo módico preço de 47 cêntimos ( 3 vezes mais), obrigando os serviços municipalizados a disponibilizá-la aos munícipes a mais de 50 cêntimos.
Isto significa que as centenas de milhares de pessoas que se deslocam todos os dias para os seu locais de trabalho na capital, ziguezagueando por entre os buracos existentes em tudo o que é rua e avenida, saltitando nos passeios para evitar os excrementos dos cães, tendo de caminhar pelas ruas porque os passeios estão atulhados de carros e tendo de utilizar chapéus para se protegeram da merda dos pombos, têm como recompensa pela riqueza que trazem à cidade (as transferência para os municípios estão relacionadas com os impostos arrecadados pelo estado em cada um) a imposição de subsidiarem a água que os lisboetas - que não têm a mínima responsabilidade no facto - consomem, além dos luxos da própria EPAL, como o pagamento de consultadoria a uma empresa terrorista israelita de que já aqui falei.
A atitude da EPAL é ainda mais obscena por se traduzir numa grosseira manipulação da opinião pública acerca dos custos dum serviço público fundamental, já que em Lisboa toda os munícipes sabem que o preço da água é da responsabilidade da EPAL, enquanto a imensa maioria dos quase dois milhões de habitantes da área abrangida pela AMEGA julga que o preço da água é da responsabilidade das respectivas câmaras municipais, sobre as quais recai o odioso da situação.
quinta-feira, janeiro 07, 2010
A biquinha
Zeca sente muita saudade do tempo de criança. Ele morava numa casa na roça, onde tudo era melhor.
A água era pura, cristalina, trazida diretamente da mina até a porta da cozinha por uma bica feita com um pau oco apoiado sobre algumas forquilhas fincadas no chão. Ela saía da mina e já entrava na bica, para cair lá na frente, limpinha, gostosa, para Zeca pegar para sua mãe, beber ali mesmo ou brincar com monjolinhos.
- Os anos foram passando – conta Zeca – e a bica continuava lá, já meio podre. Um dia ela caiu de vez, mas a água já estava acostumada e continuou saindo da mina, indo até lá na frente pelo ar, como se a bica continuasse existindo, e caindo na porta da cozinha...
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
Zeca sente muita saudade do tempo de criança. Ele morava numa casa na roça, onde tudo era melhor.
A água era pura, cristalina, trazida diretamente da mina até a porta da cozinha por uma bica feita com um pau oco apoiado sobre algumas forquilhas fincadas no chão. Ela saía da mina e já entrava na bica, para cair lá na frente, limpinha, gostosa, para Zeca pegar para sua mãe, beber ali mesmo ou brincar com monjolinhos.
- Os anos foram passando – conta Zeca – e a bica continuava lá, já meio podre. Um dia ela caiu de vez, mas a água já estava acostumada e continuou saindo da mina, indo até lá na frente pelo ar, como se a bica continuasse existindo, e caindo na porta da cozinha...
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
quarta-feira, janeiro 06, 2010
Careca mais à mostra
Será que Rupert Murdoch tem ogivas nucleares para vender? Na verdade, depois de a CIA ter dito que o relatório publicado no The Times em 14 de Dezembro sobre a alegada posse de tecnologia para uma bomba nuclear, por parte do Irão, era uma fraude, o jornal voltou à carga, agora com uma história rocambolesca de corte e costura.
Como sempre, Gareth Porter não deixou os seus créditos por mãos alheias e voltou a pôr tudo em pratos limpos, com pormenores indesmentíveis. Parece que o jornal londrino se assemelha cada vez mais à sua "irmã" Fox News, onde pontifica o troglodita Glen Beck. Como disse o grande Cícero na 4ª Catilinária, o tempora o mores!
Será que Rupert Murdoch tem ogivas nucleares para vender? Na verdade, depois de a CIA ter dito que o relatório publicado no The Times em 14 de Dezembro sobre a alegada posse de tecnologia para uma bomba nuclear, por parte do Irão, era uma fraude, o jornal voltou à carga, agora com uma história rocambolesca de corte e costura.
Como sempre, Gareth Porter não deixou os seus créditos por mãos alheias e voltou a pôr tudo em pratos limpos, com pormenores indesmentíveis. Parece que o jornal londrino se assemelha cada vez mais à sua "irmã" Fox News, onde pontifica o troglodita Glen Beck. Como disse o grande Cícero na 4ª Catilinária, o tempora o mores!
terça-feira, janeiro 05, 2010
Verdade
Temei os profetas e aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois, em geral, farão morrer muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes deles, por vezes no lugar deles.
Vem esta citação a pretexto do 78º aniversário do grande escritor italiano e para, mais uma vez, desmascarar um auto-proclamado paladino dos valores da "liberdade", que afirmou recentemente estar disposto a morrer por ela, provavelmente depois de matar mais umas dezenas de milhares de concidadãos, como aconteceu há mais de duas décadas.
Refiro-me ao sr. Mir-Hossein Moussavi, que foi um protegido de Khomeini, o líder espiritual da dita revolução de 1979, e exerceu o cargo de primeiro ministro do Irão entre de 1981 e 1989, durante a guerra com o Iraque, deixando feitos de se lhe tirar o chapéu.
Das suas proezas em prol da “liberdade” já falei aqui com algum detalhe. Não me espanta que o ocidente defenda este lacaio com unhas e dentes, pois a liberdade e os direitos humanos são só para encher a boca, não valendo um chavo quando os torcionários disponibilizam bases militares, petróleo ou outras matérias primas essenciais ao seu estilo de vida. O que me espanta, apesar do fraco conceito em que tenho o sr. Ahmadinejad, é que tanta gente que se reclama de progressista embarque nas loas a tal escroque.
Temei os profetas e aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois, em geral, farão morrer muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes deles, por vezes no lugar deles.
Vem esta citação a pretexto do 78º aniversário do grande escritor italiano e para, mais uma vez, desmascarar um auto-proclamado paladino dos valores da "liberdade", que afirmou recentemente estar disposto a morrer por ela, provavelmente depois de matar mais umas dezenas de milhares de concidadãos, como aconteceu há mais de duas décadas.
Refiro-me ao sr. Mir-Hossein Moussavi, que foi um protegido de Khomeini, o líder espiritual da dita revolução de 1979, e exerceu o cargo de primeiro ministro do Irão entre de 1981 e 1989, durante a guerra com o Iraque, deixando feitos de se lhe tirar o chapéu.
Das suas proezas em prol da “liberdade” já falei aqui com algum detalhe. Não me espanta que o ocidente defenda este lacaio com unhas e dentes, pois a liberdade e os direitos humanos são só para encher a boca, não valendo um chavo quando os torcionários disponibilizam bases militares, petróleo ou outras matérias primas essenciais ao seu estilo de vida. O que me espanta, apesar do fraco conceito em que tenho o sr. Ahmadinejad, é que tanta gente que se reclama de progressista embarque nas loas a tal escroque.
segunda-feira, janeiro 04, 2010
NÚPCIAS DE NADA
Desenhar riscos de nada sobre nada
que sofrem por antecipação
pelo nada que são;
fazer do nada lixo
para o nada imanente
ao momento de criação.
De um nada ao outro
criar uma ponte ausente
onde trafega a ilusão
de dor que vai
e volta pequena
dádiva de absolvição
da culpa de nada.
Aqui está: de absolutamente
nada a representação.
Mas diga que não há,
após tais núpcias de nada,
algum mistério absurdo,
algum silêncio túrgido,
alguma fosforescência no pensando.
Felipe Vasconcelos*
*poeta carioca
Desenhar riscos de nada sobre nada
que sofrem por antecipação
pelo nada que são;
fazer do nada lixo
para o nada imanente
ao momento de criação.
De um nada ao outro
criar uma ponte ausente
onde trafega a ilusão
de dor que vai
e volta pequena
dádiva de absolvição
da culpa de nada.
Aqui está: de absolutamente
nada a representação.
Mas diga que não há,
após tais núpcias de nada,
algum mistério absurdo,
algum silêncio túrgido,
alguma fosforescência no pensando.
Felipe Vasconcelos*
*poeta carioca
domingo, janeiro 03, 2010
Sinais contraditórios
sábado, janeiro 02, 2010
Para que ninguém esqueça
Crianças palestinas participam numa manifestação contra as barreiras na fronteira de Gaza com o Egipto.
Para elas, um novo ano será sempre pior do que o anterior até que o chamado ocidente lhes reconheça o direito de viverem como seres humanos, direito que lhes foi negado quando decidiram expoliá-las da terra que pertencia aos seus ancestrais.
Imagem: Said Khatib/AFP/Guardian
Crianças palestinas participam numa manifestação contra as barreiras na fronteira de Gaza com o Egipto.
Para elas, um novo ano será sempre pior do que o anterior até que o chamado ocidente lhes reconheça o direito de viverem como seres humanos, direito que lhes foi negado quando decidiram expoliá-las da terra que pertencia aos seus ancestrais.
Imagem: Said Khatib/AFP/Guardian
sexta-feira, janeiro 01, 2010
RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade