How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
domingo, setembro 14, 2008
Visão, tempo e identidade
No espaço de oito dias, perdi os óculos não sei onde, o relógio não sei quando e a carteira de identidade não sei por quê. Se poeta eu fosse, diria ter perdido a visão, o tempo e o meu próprio "eu".
Como sou um "homem idiota", no sentido socrático da expressão, homem comum do qual só se pede a verdade, o certo seria providenciar uma segunda via da carteira de identidade, comprar outro relógio, mandar fazer outros óculos...
Sem a visão, porém, deixei de ler e escrever. A linguagem escura me envolveu. Caverna sem fim, passagens estreitas, escorregão, queda, tropeço, queda.
Como reencontrar a visão sem a visão necessária?
A perda do tempo foi num minuto. As horas demoradas ou a década veloz, tudo parou de passar. Tudo não passa, não chega, não vem. O futuro não passa. O presente não se futuriza. O tempo não há. Sequer posso contemporizar...
Como poderei agora reclamar do tempo, seja fugaz ou interminável? Tempo perdido, perco a noção do certo e do errado. Meus passatempos perdem sua função. Não há mais atrasos ou adiantamentos. Não preciso sofrer se o minuto de dor é longo, se a semana de prazer é num piscar de olhos...
Sem tempo, esqueço a frase "estou sem tempo". O tempo se foi, sumiu, aquela algema no pulso esquerdo foi retirada sem eu perceber.
A identidade era de 1978, rosto imberbe, seriedade adolescente. O que aconteceu comigo nesses últimos 30 anos? As idéias começam a ficar grisalhas. Trocaram de pele.
Vou, no entanto, poupar meu tempo e buscar outra identidade. As impressões digitais são as mesmas. Mudaram as impressões mentais, são outras as tentações, as opiniões, as desilusões.
Em algumas horas, ganhei novo tempo, nova identidade. Resta-me buscar nova visão. Hoje, em qualquer esquina, existem mil olhos à venda, pontos de vista ao alcance do bolso, horizontes bons e baratos.
No começo, é difícil aceitar a nova identidade, essa outra visão, esse maldito... bendito tempo. Jamais serei o mesmo depois desses oito dias de liberdade, cegueira e anonimato.
Identificado, de novo, sei que serei eu a dizer "eu", sem heterônimos a me ajudarem, sem pseudônimos a me protegerem, sem homônimos a me substituírem.
De novo cronometrado, de novo correndo contra o tempo. De novo no caminho longo-curto. Correndo no túnel do tempo. Até o instante final.
Gabriel Perissé*
*professor e escritor
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
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