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quinta-feira, dezembro 22, 2016


Joe Cocker faleceu faz hoje 2 anos
Tudo mudo

A vida muda, muda o ano,
o som, as cores... mudam
e eu aqui, inteiramente mudo,
a contemplar essa mudança,
e mudo eu, nessa mudança,
e muda o mundo, e muda a vida.
Tudo muda, tudo mudo.


(poeta pernambucano que hoje faz 69 anos)

quarta-feira, dezembro 21, 2016

Eu já não choro

Eu já não choro
excepto por aquilo que algum dia
me fez chorar:
os aviões que proclamavam
que tudo tinha terminado;
a estação amarela diluída na noite
na qual coincidiam, somente por uns instantes,
o comboio que partia para o norte
e o que partia para o oeste
e que jamais voltariam a encontrar-se;
e a voz de Juan Rulfo: “diz-lhes que não me matem”;
e a malaguenha canária;
e a menina de Lisboa
que me pediu um “beijinho”.

Eu já não choro.
Nem sequer quando recordo
o que ainda me falta chorar.



(poeta madrileno falecido faz hoje 10 anos)

segunda-feira, dezembro 19, 2016


Édith Piaf nasceu faz hoje 101 anos

sábado, dezembro 17, 2016

Prece

Num mundo onde grassa a corrupção,
obrigado, Senhor,
pelos que detêm o poder
e, ainda, lutam para continuarem honestos.
Por aqueles que não põem a honradez à venda,
seja à vista, a prazo, pré-datado, no cartão...
Num mundo de gananciosos,
soberbos, egoístas,
Te agradecemos, Senhor,
pelos desapegados,
pelos amigos sinceros,
pelos que praticam a caridade,
pelos humildes, pelas almas puras,
pelo povo simples.
Num caldeirão de desesperanças,
grato, Senhor,
pelos que ainda têm a coragem de esperar.
Num mundo de iconolatria,
materialismo, exibicionismo,
obrigado, Senhor,
pelos espiritualistas,
pelos que meditam,
por aqueles a quem amamos,
e por aqueles que nos amam,
e, sobretudo,
pelos que ainda acreditam.
Num mundo onde muitos
só pensam no estômago,
obrigado, Senhor,
pelos que ainda possuem um coração.
Numa era de guerras, carnificinas,
ódios descabidos, torpes vinganças,
como Te agradecer, Senhor,
pelas famílias, pelas boas lembranças,
por um sorriso franco, pelos pássaros,
pelas nossas crianças?
Num mundo de ódios raciais, de lutas religiosas,
de inconcebíveis preconceitos e constantes desavenças,
graças Te damos, Senhor,
pelos amigos de todas as idades, de todas as raças,
de todas cores e de todas as crenças.
Num mundo de governos destrambelhados,
de discursos vãos, caras-de-pau,
arautos funéreos, falsos profetas,
valores às avessas,
não sabemos como Te agradecer, Senhor,
pelos que ainda mantêm a ética,
cultivam a verdade,
cumprem suas promessas.
Puxa, quase esqueço!
E obrigado, também, pelos poetas...



(escritor gaúcho que hoje faz 81 anos de idade)

quinta-feira, dezembro 15, 2016

Parâmetro

Uma tarde amarela noroeste
modo nosso de amar lembrando a estrada,
que passa sempre a leste
de urna tarde espantada,
de urna tarde amarela soterrada
numa caixa de pêssegos, madura,
uma janela madura de bandeiras abortas
para o mar, e frias;

encarcerada pelo verdoenga de pêssegos
e açúcar cristalizado sobre a polpa
dos verdes apanhados na chácara. Setembro.
Ah, setembro, setembro
essa menina e teus jardins sobre a cabeça
castanha e cacheada, numa tarde amarela
de vapores entrando a barra, de sinos
batendo, que reconheço de outra época,

do espanto de outras torres, de outra tarde espantada,
que amarravas no inverno embora outubro:
esse rapaz que atravessa o corporal de pêssegos
de urna tarde amarela,
como se fincasse a cisma de uma lança
no rosto da palavra genial
e seu ramo de rosas, sua neblina.


(poeta catarinense nascido faz hoje 94 anos)

quarta-feira, dezembro 14, 2016

Noiva

Linda, como somente vós sabeis,
forte, como a esperança que em vós ponho,
alegre, como fostes, sois, sereis,
assim vos penso, assim vos recomponho,
curvada embora à vida e às suas leis
mas nunca libertada do meu sonho.
Fostes a noiva na manhã de Reis,
ainda hoje o sois nos versos que componho.

Leio Luís de Camões, o nosso poeta,
a suspirar do amor mais desgraçado
e a maldizer o dia em que nasceu.

Sobreponho-me à morte e à dor secreta,
o amor feliz, senhora, é o nosso fado,
cantá-lo, a chave do destino meu.


(escritor maranhense nascido faz hoje 102 anos)

segunda-feira, dezembro 12, 2016

Amar-te é Vir de Longe

Amar-te é vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mãos e te perfazem;
como se o sino à hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem só para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou música lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
- meu nome exacto e pão
no chão das alegrias.

Pedro Tamen 

Posta dedicada à minha companheira, com quem casei faz hoje 40 anos

domingo, dezembro 11, 2016

Paisagens

o verão estende a sua sombra até aos joelhos
em que a luz se dobra: a isso chamávamos Outono

Na campânula do nevoeiro o plátano
incendeia a cinza: oiro e vermelho
inverosímeis como uma tempestade
eléctrica no écran da janela;
uma floração delirante do olhar
afectado pelo crepúsculo
recordado na paixão.
Depois
a água gris lavará tudo
excessivamente.


(poeta eborense nascido a 11 de Dezembro de 1945)

sábado, dezembro 10, 2016

Cidade-Rapaz

quero viver contigo
numa cidade-rapaz
e jantar num restaurante situado no ombro
talvez mais tarde um passeio pelo peito
esconder-me contigo na floresta do peito
oh mas nunca conhecer
esse rapaz que é cidade
nem o seu coração que bate como trovoada
a sua insanidade saudável
mas no final do dia
quero deitar-me contigo
ouvindo a sua respiração suave
{entrando na sua respiração aí suave}
e falar para esta cidade
em forma de corpo indecente
esperando suas reacções mais espontâneas
seus sonhos mais nefastos
e quando a cidade acordar
fingir-nos-emos
mitológicos como a dissolução
dos cúmplices
e viveremos atrás dos olhos
num interstício da alma.


(poetisa farense que hoje faz 32 anos)

sexta-feira, dezembro 09, 2016

Dá-me a Tua Mão

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.


(poetisa brasileira de origem ucraniana, falecida a 9 de Dezembro de 1977)

quinta-feira, dezembro 08, 2016


John Lennon foi assassinado faz hoje 36 anos
Canção grata

Por tudo o que me deste
inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia
Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão


(Florbela Espanca nasceu a 8 de Dezembro de 1894 e faleceu a 8 de Dezembro de 1930)

quarta-feira, dezembro 07, 2016

Epígrafe

De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pré-feitos blocos de cimento.

De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso  a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.

De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro  quando as digo.

Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
- expressão da multidão que está comigo.


(Ary dos Santos nasceu faz hoje 79 anos)

terça-feira, dezembro 06, 2016

Os novos heróis

Digo-te que os novos heróis chegarão
Marchando ao compasso do nosso hino
Em que se entoam as esperanças,
Daqueles que com o seu sangue generoso regaram
A Pátria que hoje pisam os seus continuadores

Chegarão vindos dos campos, das bolanhas, das minas
A terra será livre na sua entrega amorosa e fecunda
Sem temer a violação de bombas criminosas,
A conspurcação de botas mercenárias.
Chegarão, a paz temperando-se no sal do seu suor

Dentre os tempos novamente pioneiros
- Pois que serão as metas atingidas
Senão novos pontos de partida, novos desafios? -
Dentre ventos soalheiros a aumentar a produção,
Virão verticais e seguros das suas raízes

Das fábricas modelando novos horizontes às tabancas,
Para que as culturas ancestrais transbordando as nascentes
Galguem novos espaços, ganhem novas alturas.
Estes homens serão colheita e sementeira, gérmen e fruto
Da sociedade nova porque se forjam e morrem os heróis!


(poeta guineense que hoje faria 67 anos)

segunda-feira, dezembro 05, 2016

Cântico

Belo é ver florir os galhos
das velhas árvores.
E ver chegar as aves
que voltam do Sul.
Belo é o sangue rubro
dum lanho fresco,
e o riso que nasce
das nossas palavras.
Belo é o vir da manhã
sobre os telhados nus
das cidades brancas.
E mais belo ainda
que este sol visível
enflorando, amor,
teus longos cabelos
de guizos dourados:
mais belos que os ventos
cavalgando as nuvens
e dizendo-nos: vinde!,
e que o meu gênio abrindo
suas asas nos céus:

Mais belo que o fluir
silente desta célula
fluindo nos cosmos:
Mais belo, amor,
que a tua própria beleza

é este sol inviolável,
rútilo, no fundo de nós.


(Papiniano Carlos faleceu faz hoje 4 anos)

domingo, dezembro 04, 2016

In Memoriam

Um instante

Aqui me tenho
Como não me conheço
            nem me quis

sem começo
nem fim

          aqui me tenho
          sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
        transparente

(poeta maranhense falecido hoje)
O Solitário

Não: uma torre se erguerá do fundo
do coração e eu estarei à borda:
onde não há mais nada, ainda acorda
o indizível, a dor, de novo o mundo.

Ainda uma coisa, só, no imenso mar
das coisas, e uma luz depois do escuro,
um rosto extremo do desejo obscuro
exilado em um nunca-apaziguar,

ainda um rosto de pedra, que só sente
a gravidade interna, de tão denso:
as distâncias que o extinguem lentamente
tornam seu júbilo ainda mais intenso.


(poeta checo nascido a 4 de Dezembro de 1875) 

(Tradução: Augusto de Campos)

quinta-feira, dezembro 01, 2016

Ensoneto

Entretanto, meu filho, é vinho tinto,
erosão persistida, abraço baço.
Lumes novos, quem é que os inventa
melhor do que o calor que nós nos damos?

Às uvas pois. O mais é uma cadeira
e o olhar do céu com chuva ou não,
enquanto as aves fogem e nós as imitamos
quase sem dor nem arte - só sentidos.

Assim sossega, assim verdeja e está,
eructa e vê, olhando à transparência,
um céu assim mais lento.

Só depois te levantas e contigo
vai certeza nenhuma, só viver
outra vez, amanhã, a vida mesma.


(Pedro Tamen faz hoje 82 anos)