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sexta-feira, janeiro 31, 2014

Cais

Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exactos por dentro.


(Fernando Namora faleceu faz hoje 25 anos)

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Marcelo Bonfá faz hoje 49 anos
O GRANDE POEMA

Este é o poema que eu escrevi
para as crianças da minha terra!...
Para as crianças negras,
e brancas,
e mestiças,
sem distinção de cor...
comungando o Amor
que as unirá...

Este é o poema que eu escrevi a sonhar...
de olhos perdidos no mar,
que me separa delas...

O poema que escrevi a sorrir…
a gritar confianças desmedidas
nas ânsias partidas,...
quebradas...
como velas de naufrágio!...

O poema que eu escrevi a soluçar,
sobre os livros
onde não encontrei
para os sonhos resposta um dia!...


(poetisa angolana falecida faz hoje 52 anos)

quarta-feira, janeiro 29, 2014

A estrada que não foi seguida

Duas estradas separavam-se num bosque amarelo,
Que pena não poder seguir por ambas
Numa só viagem: muito tempo fiquei
Mirando uma até onde enxergava,
Quando se perdia entre os arbustos;

Depois tomei a outra, igualmente bela
E que teria talvez maior apelo,
Pois era relvada e fora de uso;
Embora na verdade, o trânsito
As tivesse gasto quase o mesmo,

E nessa manhã nas duas houvesse
Folhas que os passos não enegreceram.
Oh, reservei a primeira para outro dia!
Mas sabia como caminhos sucedem a caminhos
E duvidava se alguma vez lá voltaria.

É com um suspiro que agora conto isto,
Tanto, tanto tempo já passado:
Duas estradas separavam-se num bosque e eu -
Eu segui pela menos viajada
E isso fez a diferença toda


(poeta estado-unidense falecido faz hoje 51 anos)

Tradução de José Alberto Oliveira

terça-feira, janeiro 28, 2014

In Memoriam
Pete Seeger deixou-nos ontem
Morte

Nem temor nem esperança assistem
Ao animal agonizante;
O homem que seu fim aguarda
Tudo teme e espera;
Muitas vezes morreu,
Muitas vezes de novo se ergueu.
Um grande homem em sua altivez
Ao enfrentar assassinos
Com desdém julga
A falta de alento;
Ele conhece a morte até ao fundo -
O homem criou a morte.


(poeta irlandês falecido faz hoje 75 anos)

Tradução: José Agostinho Baptista

segunda-feira, janeiro 27, 2014

Elegia

Criaram flores de existência efêmera,
criaram noites e auroras nos caminhos,
aquários musicais para a canção
e estátuas para a vida e para a morte.

Criaram o teto do céu que sustentamos
em colunas de estrelas e de mares
e os rios que afagamos, derramando
a poesia da vida em nossas mãos.

E criaram também rios insones
que as nossas mãos jamais hão de acolher:
criaram faces com sulcos para as lágrimas,
pois havia corações para sofrer.

Mas sob o teto do céu que sustentamos
nós somos flores de existência efêmera
e – estátuas para a vida e para a morte –
nos deram olhos humanos para o pranto!


(poeta sergipiano que hoje faz 95 anos)

domingo, janeiro 26, 2014

Elegía

Tú debes ser un ángel
de un edén que he perdido y no recuerdo.
Tienes la luz y aroma conocidos
de un mundo que he vivido, no sé cuando,
más allá de los bosques de mi infancia;
de un mundo amigo y dulce,
de una paz primitiva
que siento perdurar en los demás humanos,
y que a través de tu cristal aún miro,
en la luz de tus ojos.

Por esa luz me llega a este destierro
mi nombre, pronunciando con la cadencia vieja
de cuando yo era niño y me llamaban...
Son como las estrellas que mira un prisionero.
Sobre tu labio tienes, blancamente,
inminencia de vuelo de ala de mariposa.
Ay, qué triste me pones;
resucitas mis tardes con la luz que tuvieron,
mis sueños por rincones,
mis anhelos difuntos,
aquel alma perdida.


(escritor estremenho nascido faz hoje 88 anos)

sábado, janeiro 25, 2014

Tom Jobim nasceu faz hoje 77 anos
Restos

Há um resto de noite pela rua
Que se dissolve em bruma e madrugada.

Há um resto de tédio inevitável
Que se evola na tênue antemanhã.

Há um resto de sonho em cada passo
Que antes de ser se foi, já não existe.

Há um resto de ontem nas calçadas
Que foi dia de festa e fantasia.

Há um resto de mim em toda a parte
Que nunca pude ser inteiramente.


(escritor baiano nascido faz hoje 74 anos)

sexta-feira, janeiro 24, 2014

Alegoria

Fruto tão maduro
Que me apodreceu.
Foi-se a colheita do futuro:
Podeis aproveitar, aves do céu!

Pomar de luto.
Venha outro Outono pra me consolar;
Outro fruto
Que mate a minha fome e sede de cantar.

E não mais espantalhos a suster
A gula natural dos meus sentidos:
Seja, enfim, livre pra morder,
Ainda verde, o que nascer
Destes ramos despidos!


(escritor vianense nascido faz hoje 91 anos)

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Tempo e Casualidade

Nenhum deus me fez ou sabe.
Houve um gesto; depois,
a involuntária duração do gesto
como um punhado de areia
que se atira para o alto.

O fado é não podermos ver,
a cavaleiro, nossos próprios passos,
esquecermos depressa a semeada
e este germinar à nossa frente.

Muito antes de mim, depois,
a folha, o vento e o movimento
da folha sobre a estrada pelo vento.

Edson Guedes de Morais

(poeta paraibano nascido a 23 de Janeiro de 1930)

quarta-feira, janeiro 22, 2014

Noite e dia

não me agradam
essas coisas que despertam
barulho, susto, água fria
tudo na minha cara
mais nenhum sonho por perto

não me agradam
essas coisas que adormecem
vazio, escuro, calmaria
tudo que lembra morte
quando nada mais dá certo

não me agradam
essas coisas sem poesia
uma noite só noite
um dia só dia


(poetisa paranaense que hoje faz 68 anos)

terça-feira, janeiro 21, 2014

Peggy Lee faleceu faz hoje 12 anos
Sobras

Só cuida das partes escondidas quem as vai mostrar a alguém.
Há fímbrias e debruns,
Pregas e recessos, vincos, dobras…
Em tudo quanto escrevo;
Tudo limpo e engomado
No poema escrito…
O que ainda não disse… são as sobras.


(poeta algarvio que hoje faz 55 anos)

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Etta James faleceu faz hoje 2 anos
Sinal

Apetece-me escrever... não sei se há amanhã
mas mesmo se houver é de hoje este respirar
o trabalho feito, o cansaço, o Sol, o anoitecer
nada volta a ser igual

Em cada manhã inicio-me
e não sei se ainda irei esperar o teu sinal.
se o fizeres como hoje o esperava
pode já ser fora do tempo que te dou...

e assim à cautela escrevo hoje
depois não digas que o Universo não te avisou.

Maria Lascas

(Maria José Lascas Fernandes nasceu em Montemor-o-Novo a 20 de Janeiro de 1962)

domingo, janeiro 19, 2014

Da voz das coisas

Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.

Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.


(escritora lisboeta falecida faz hoje 7 anos)
Elis Regina deixou-nos faz hoje 32 anos
Em louvor do fogo 

Um dia chega
de extrema doçura:
tudo arde

Arde a luz
nos vidros da ternura.

As aves
no branco
labirinto da cal.

As palavras ardem,
a púrpura das naves.

O vento,

onde tenho casa
à beira do outono.

O limoeiro, as colinas.

Tudo arde
na extrema e lenta
doçura da tarde.


(Eugénio de Andrade nasceu faz hoje 91 anos)

sábado, janeiro 18, 2014

Retrato do Herói

Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar    de morte certa.

Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome    fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.

Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo    nem mártir    nem soldado
Mas apenas    por último    indefeso.

Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.


(Ary dos Santos faleceu faz hoje 30 anos)

sexta-feira, janeiro 17, 2014

Prospecção

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.


(Miguel Torga faleceu faz hoje 19 anos)

quinta-feira, janeiro 16, 2014

A Nau do Tempo

Esconjuro o feitiço do retorno
e sigo nos meus passos, os meus passos,
alheio aos gritos das marés.
Ainda, nos sinais de toda a praia,
um pedaço de luz que lá ficou
retido numa poça de silêncio...
As raivas apodrecem pelas sombras
e as palavras caem absurdas
nas barcas que perderam o futuro.
As rochas são fantasmas na penumbra
que a madrugada vem despir dos medos
a deixar-nos seguir mais adiante,
como se a «Nau-do-Tempo» lá ficasse
para podermos aumentar o Mundo!


(poeta matosinhense falecido faz hoje 6 anos)

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Depois de Amanhã

Não canto ontem nem hoje
canto depois de amanhã
não mais cantarei a fonte
só a gaivota na foz
não canto o grito de agora
só o silêncio depois
quando no meio da noite
despido de glória vã
erguer a voz que sobrou
para cantar amanhã


(poeta flaviense falecido faz hoje 3 anos)

terça-feira, janeiro 14, 2014

Imemorial

Não fui quem sou, quando nasci.

Nem sou quem sou, quando amo.
Nem quando sofro.
Porque coexisto. Porque a angústia
é uma herança.

Só me aproximo de mim mesmo
quando fujo,
atravesso a fronteira,
ou me defendo, ou fico triste.

Ou quando sinto a rosa
secreta e quente da vergonha
subir-me à face.

O mar me bate à porta,
como um grito da origem.
Mas como descobrir
a onda imemorial que me trouxe?


(poeta brasileiro falecido faz hoje 40 anos)

segunda-feira, janeiro 13, 2014

O espírito da composição

Só as coisas tocadas pelo amor dos
Outros têm voz
Fiama Hasse Pais Brandão

No corpo habita a partitura
das claves alinhadas em escalas ondulantes
dos sons incrustados em cada órgão leve
esperando o despertar das ondas musicais
do encontro com a espessura do tacto
dos códigos dos anéis da coda

na cadência a matéria ganha voz
a harmonia dos metais, o sopro oco da madeira
e o ar alcança a expressão dos sons espessos do real
animado pela "fonte impalpápel das sensações"

no corpo habita a harmonia dos acordes
a leitura encantada dos tecidos
a osmose dos sentidos
o espírito da composição

Gisela Ramos Rosa

(poetisa portuguesa nascida no Maputo a 13/01/1964)

domingo, janeiro 12, 2014

Ode aos calhordas

Os calhordas são casados com damas gordas
Que às vezes se entregam à benemerência:
As damas dos calhordas chamam-se calhôrdas
E cumprem seu dever com muita eficiência

Os filhos dos calhordas vivem muito bem
E fazem tolices que são perdoadas.
Quanto aos calhordas pessoalmente porém
Não fazem tolices - nunca fazem nada.
Quando um calhorda se dirige a mim
Sinto no seu olho certa complacência.
Ele acha que o pobre e o remediado
Devem procurar viver com decência.

Os calhordas às vezes ficam resfriados
E essa notícia logo vem nos jornais:
"O Sr. Calhorda acha-se acamado
E as lamentações da Pátria são gerais."

Os calhordas não morrem - não morrem jamais
Reservam o bronze para futuros bustos
Que outros calhordas da nova geração
Hão de inaugurar em meio de arbustos.

O calhorda diz: "Eu pessoalmente
Acho que as coisas não vão indo bem
Pois há muita gente má e despeitada
Que não está contente com aquilo que tem."

Os calhordas recebem muitos telegramas
E manifestações de alegres escolares
Que por este meio vão se acalhordando
E amanhã serão calhordas exemplares.

Os calhordas sorriem ao Banco e ao Poder
E são recebidos pelas Embaixadas.
Gostam muito de missas de ação de graças
E às sextas-feiras comem peixadas.


(escritor brasileiro nascido faz hoje 101 anos)

sábado, janeiro 11, 2014