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terça-feira, maio 31, 2011


frio

aguada de inverno
um telhado contra o azul
lavado de estrelas

primeira geada de junho
sobre os pinheiros do sul


(escritor paranaense falecido a 31 de Maio de 2010)

segunda-feira, maio 30, 2011


Eu quero duas rimas

Eu quero duas rimas para liberdade.
Nem cidade nem saudade,
nem faculdade nem eternidade.
Eu quero duas rimas para liberdade
para escrever um poema
que fale da fome de um operário,
que fale da angústia de um camponês.
Achei as duas rimas para liberdade!
Luta e União.

Amigos!
Sejamos todos poetas!
Utilizemos as rimas!
E escrevamos todos juntos.
de uma vez,
o poema da liberdade
que acabe com a fome de um operário,
que acabe com a angústia de um camponês.


(actor e poeta carioca falecido a 30 de Maio de 2002)

domingo, maio 29, 2011

O milagre das paciências itinerantes

Os pés dos homens são frágeis,
mas a teimosia de seus passos
acaba alisando as pedras da rua.

José Costa Matos

(poeta cearense)

sábado, maio 28, 2011


Aforismo

Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.

Estávamos iguais
com duas diferenças:

Não era interrogada
e por descuido podiam pisa-la.

Mas aos dois intencionalmente
podiam por-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.


(escritor moçambicano nascido a 28 de Maio de 1922)

sexta-feira, maio 27, 2011


Poesia Matemática

Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?"indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.


(Millôr Fernandes nasceu a 27 de Maio de 1924)

quinta-feira, maio 26, 2011


Eu

Sou só e sou eu mesma. O que pensem e digam
os demais, nada importa; eu tenho a minha lei.
Que outros a multidão, covardemente, sigam,
pelo caminho oposto, altiva, eu seguirei.

Que, sem brio e vergonha, outros tudo consigam
e que zombem de mim porque nada alcancei;
quanto mais, com seu ódio, o meu nome persigam,
tanto mais orgulhosa em trazê-lo, serei.

Às pedradas não fujo e as tormentas aceito;
mas a espinha não curvo em prol de algum proveito,
minha atitude sempre a mesma se revela;

A mim mesma fiel, a minha fé não traio;
e, se em dia fatal ferida pelo raio
tombar minha bandeira eu tombarei com ela!


(poetisa paulista nascida a 26 de Maio de 1882)
O "arco" da governação


quarta-feira, maio 25, 2011

Epigramática

Vermes da epigeia somos
Nos poemas doutros astros;
Nem lá novos parecemos...

Como a velha burguesia dos actores
Perdido do teatro o sacro antigo,
Por demónios-animais nos tomam...

Um dia será vulgar pedir
Ao poeta pobre dois versos emprestados...

José Blanc de Portugal

(poeta lisboeta)

terça-feira, maio 24, 2011

 O Outro

só quero
o que não
o que nunca
o inviável
o impossível

não quero
o que já
o que foi
o vencido
o plausível

só quero
o que ainda
o que atiça
o impraticável
o incrível

não quero
o que sim
o que sempre
o sabido
o cabível

eu quero
o outro


(Ricardo de Carvalho Duarte, poeta carioca, nasceu a 24 de Maio de 1951)

Blowin' In The Wind


How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
Yes, ’n’ how many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes, ’n’ how many times must the cannonballs fly
Before they’re forever banned?
The answer, my friend, is blowin’ in the wind
The answer is blowin’ in the wind

How many years can a mountain exist
Before it’s washed to the sea?
Yes, ’n’ how many years can some people exist
Before they’re allowed to be free?
Yes, ’n’ how many times can a man turn his head
Pretending he just doesn’t see?
The answer, my friend, is blowin’ in the wind
The answer is blowin’ in the wind

How many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes, ’n’ how many ears must one man have
Before he can hear people cry?
Yes, ’n’ how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin’ in the wind
The answer is blowin’ in the wind


(Robert Allen Zimmerman nasceu a 24 de Maio de 1941)

segunda-feira, maio 23, 2011


À beira mágoa

Eu soube de um país à beira-mar,
à beira-pesadelo, à beira-pranto...
De insónias e tristezas no cantar,
do sonho, que a tardar, doía tanto!

Eu soube de um país que teve um cais
e um barco que largou ao mundo além...
Que foi e que voltou por entre os ais
e sempre desse além ficou refém...

Eu soube de um país à beira-fado,
guitarra dedilhando a decadência...
Amante, entre grinaldas, mal-amado,
cativo de masmorras e de ausência...

Eu soube de um país que se rendeu,
num dia de Novembro, e se perdeu...

José-Augusto de Carvalho

(poeta natural de Viana do Alentejo)

domingo, maio 22, 2011

Imagem, Semelhança, Esperança

Ego
Cêntrico.
Ego
Ísmo.

Cego
Idêntico,
Perfeito
Sofismo.

Fronteira
Contra 
Horizonte.

Limites 
E
Infinitos.

Quebre-se
A questão
Que não existe.

Assuma-se
À imagem e semelhança,
Tal como em criança,
Jamais se perderá
A Esperança.

José Augusto de Almeida Filho

(poeta carioca)
Ignorância, xenofobia e cretinismo-III

Idade média de reforma

Fonte: Jornal de Negócios

sábado, maio 21, 2011


Resumo

Palavras, antes esquecê-las,
lambendo todo o sal do mar
numa única pedra.


(escritora paraense, nascida a 21 de Maio de 1933)
Ignorância, xenofobia e cretinismo-II

Dias de férias anuais

Fonte: Jornal de Negócios

sexta-feira, maio 20, 2011


Teia

Retomo cada dia
a teia
        aberta

No tecido manso
dos teus lábios


(Maria Teresa Horta nasceu em Lisboa a 20 de Maio de 1937)
Ignorância, xenofobia e cretinismo

Horas semanais de trabalho
Fonte: Jornal de Negócios

quinta-feira, maio 19, 2011


Catarina Eufémia

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

Sophia de Mello Breyner

(Catarina Eufémia foi assassinada em 19 de Maio de 1954)

quarta-feira, maio 18, 2011


Somos
  
somos apenas para dizer palavras 
e entregamos o nosso corpo nas ruas 
depois repousamos os músculos. 
não somos puros porque 
despidos depois de amar 
não permanecemos. 
nos perdemos na busca de símbolos: 
só as casas têm números 
só os homens têm nomes. 
queimadas as pálpebras nas cinzas do sono 
não sabemos que a madrugada se faz 
nas estrelas que gotejam sangue. 
morremos e não percebemos as semelhanças 
que há no peixe e no pássaro 
no musgo e no vento. 
possuímos um silêncio para os mortos 
e um tumulto para o que amamos. 
guardamos cores na lembrança 
e envelhecemos antes de sair da infância. 
refletimos o nosso medo e solidão 
nos muros, nos bichos, nas flores, 
sem sabermos que os mortos são fotogênicos 
sem acharmos a serenidade 
que faz este mar azul.

Carlos Cunha

(poeta maranhense nascido a 18 de Maio de 1933)
Heart and soul

Instincts that can still betray us,
A journey that leads to the sun,
Soulless and bent on destruction,
A struggle between right and wrong.
You take my place in the showdown,
I'll observe with a pitiful eye,
I'd humbly ask for forgiveness,
A request well beyond you and I.

Heart and soul, one will burn.
Heart and soul, one will burn.

An abyss that laughs at creation,
A circus complete with all fools,
Foundations that lasted the ages,
Then ripped apart at their roots.
Beyond all this good is the terror,
The grip of a mercenary hand,
When savagery turns all good reason,
There's no turning back, no last stand.

Heart and soul, one will burn.
Heart and soul, one will burn.

Existence well what does it matter?
I exist on the best terms I can.
The past is now part of my future,
The present is well out of hand.
The present is well out of hand.

Heart and soul, one will burn.
Heart and soul, one will burn.
One will burn, one will burn.
Heart and soul, one will burn.

Letra, música e voz de Ian Curtis

(Ian Curtis faleceu a 18 de Maio de 1980)

terça-feira, maio 17, 2011


O GUARDA-RIOS

É tão difícil guardar um rio
quando ele corre
dentro de nós


(poeta vila-verdense)

Only Time


Who can say
where the road goes
where the day flows
- only time
And who can say
if your love grows
as your heart chose
- only time

Who can say
why your heart sighs
as your love flies
- only time
And who can say
why your heart cries
when your love lies
- only time

Who can say
when the roads meet
that love might be
in your heart.
And who can say
when the day sleeps
if the night keeps
all your heart.

Night keeps all your heart

Who can say
if your love grows
as your heart chose
- only time
And who can say
where the road goes
where the day flows
- only time

Who knows    - only time
Who knows    - only time

Eithne Patricia Ní Bhraonáin (Enya) nasceu a 17 de Maio de 1961


segunda-feira, maio 16, 2011


Meio-dia

Choque de claridades
Palmas paradas
Brilhos saltando nas pedras enxutas.
Batendo de chofre na luz
as andorinhas levam o sol na ponta das asas!


(poeta carioca nascido a 16 de Maio de 1893)
Pavão marinho
















O pavão marinho é uma ave migratória que se reproduz no norte da Eurásia e passa o Inverno nos trópicos, principalmente na África, o que faz dele o mais africano de todos os pavões.

Fantasia

Há uma mulher em toda a minha vida,
Que não se chega bem a precisar.
Uma mulher que eu trago em mim perdida,
Sem a poder beijar.

Há uma mulher na minha vida inquieta.
Uma mulher? Há duas, muitas mais,
Que não são vagos sonhos de poeta,
Nem formas irreais.

Mulheres que existem, corpos, realidade,
Têm passado por mim, humanamente,
Deixando, quando partem, a saudade
Que deixa toda a gente.

Mas coisa singular, essa que eu não beijei,
É quem me ilude, é quem me prende e quer.
Com ela sonho e sofro... Só não sei
Quem é essa mulher.

Alfredo Brochado

(poeta amarantino falecido a 16 de Maio de 1949)

domingo, maio 15, 2011


Testamento

Um dia quando morrer (agora não)
Quero que me toquem guitarra.
Quero dizer: Qualquer coisa como variação.
Quero que chore a guitarra, mas com garra!

Venham senhoras e venham senhores!
Depois, por favor, façam-me um bem:
Que um a um deponha flores,
Na campa da minha mãe.

Essas flores que são dela,
Eu já não lhas poderei dar,
Pois já lá estarei com ela.

E a guitarra será fado.
O fado que hei-de cantar,
Lá longe do outro lado!

 (... e assim foi!)

José Armelim

(poeta açoriano)

sábado, maio 14, 2011


N.U.N.C.A.

N. unca!
U. ma palavra que
N. unca deveria ser dita
C. omo se fosse,
A. final, algo banal...

José Antonio Klaes Roig

(poeta brasileiro)

Escafederam-se

Engasgado pelos pentelhos cuspidos pelo Catroga ou assustado pelo gato preto da sexta-feira treze, entre as 21H30 do dia 12 e as 6H45 do dia 13 o Blogger eliminou as postas dos dias 11 e 12 bem como os respectivos comentários já publicados. Ontem, ao fim do dia, as postas foram automaticamente repostas, mas os comentários nem vê-los. Penso não ter sido caso único, mas aqui ficam as minhas desculpas aos autores dos comentários eliminados sem “justa causa”.

sexta-feira, maio 13, 2011


Corte transversal do poema

A música do espaço pára, a noite se divide em dois pedaços.
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça,
fica com um braço de fora.
Alguém anda a construir uma escada prós meus sonhos.
Um anjo cinzento bate as asas
em torno da lâmpada.
Meu pensamento desloca uma perna,
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados.
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia,
um olho andando, com duas pernas.
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem.
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios.
Só tenho o outro lado da energia,
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou.


(poeta mineiro, nascido a 13 de Maio de 1901)

quinta-feira, maio 12, 2011


Ser ou não ser

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.

Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.

Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.


(Manuel Alegre completa hoje 75 anos)

quarta-feira, maio 11, 2011

No Woman no cry


Bob Marley faleceu a 11 de Maio de 1981

Velando

Junto dela, velando… E sonho e afago
imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar é um lago
em que um lírio alvorece reflectido…

Vejo-a dormir e sonho… Só de vê-la
meu olhar se perfuma e, em minha vista,
há um céu de Amor a estremecê-la
e a devoção ansiosa dum Artista…

Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
das montanhas do céu - ó sono leve,
hálito de jasmim, lírio, luar…

 Respiração de flor, doçura, prece…
- Ó rouxinóis, calai! Fonte, adormece,
senão o meu Amor pode acordar!


(Augusto Casimiro dos Santos nasceu em Amarante a 11 de Maio de 1889)

terça-feira, maio 10, 2011


Luar do Sertão


Oh que saudade 
Do luar da minha terra 
Lá na serra branquejando 
folhas secas pelo chão

Este luar cá da cidade 
Tão escuro 
Não tem aquela saudade 
Do luar lá do sertão

Se a lua nasce 
Por detrás da verde mata 
Mais parece um sol de prata 
Prateando a solidão

E a gente pega 
Na viola que ponteia 
E a canção 
É a lua cheia 
A nos nascer do coração

Não há, oh gente 
oh não, Luar 
Como esse do sertão

Coisa mais bela 
Neste mundo não existe 
Do que ouvir-se um galo triste 
No sertão, se faz luar

Parece até que a alma da lua 
É que descanta 
Escondida na garganta 
Desse galo a soluçar

Não há, oh gente 
oh não, Luar 
Como esse do sertão

Ah, quem me dera 
Que eu morresse lá na serra 
Abraçado à minha terra 
E dormindo de uma vez

Ser enterrado 
Numa grota pequenina 
Onde à tarde a sururina 
Chora a sua viuvez


(poeta, músico e compositor brasileiro falecido a 10 de Maio de 1946)

(Canta Maria Bethânia)

Amigos da onça

Enquanto o inflexível FMI nos vai cobrar uma taxa de juro entre 3,25% e 4,25%, a “solidária” Comissão liderada pelo cherne da tanga fica-se por uma “mísera taxa de usura” entre os 5,5% e os 6%. Depois chamem-lhe ajuda.

segunda-feira, maio 09, 2011


Lucidez:

Eis que a procuro;
Que desafia-me a razão
Que esgota-me o intelecto,

Que leva-me
Aos limites do cérebro
E da consciência...

Que confunde-me a fé
Exacerba-me a emoção
E elimina-me a inocência.

E que à sua proximidade,
Espanta-me.

E excita-me!

José Antônio Gama de Souza

(poeta mineiro)

domingo, maio 08, 2011


NAU SEM RUMO

Não preciso de cartas de navegação:
basta-me o sonho de travessias impossíveis.

Caminhar sobre a superfície do oceano,
pisando em pássaros submarinos,
tropeçando em ruínas de outras civilizações,
beijando cadáveres de náufragos,
até a definitiva conversão em água, sal e vento.

Sei que não tenho destino.
É o destino que me possui.
As correntezas traçam a rota
e as tempestades preparam o naufrágio.

O mar não precisa de caminhos,
tece na solidão as formas da morte,
enquanto o vento entoa cantos fúnebres
sobre os campos azuis do país marítimo.

O mar não precisa de navios,
precisa apenas de corpos.

José Antônio Cavalcanti

(poeta brasileiro)

sábado, maio 07, 2011

Sesquicentenário

O Último Negócio

Certa manhã
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
- Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
- Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.

As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
- Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.

Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
- Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.

O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
- Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.


(Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861)

sexta-feira, maio 06, 2011


As Passagens Secretas

(fragmentos) 

Corremos pela praia com a nossa nudez porque deixamos
algures os mantimentos escassos
de que a nossa tristeza se mantém.

Corremos pela praia e as mãos deslizam
para um cobertor lavado pelo mar,
o oiro magnífico, a distância
mais curta entre dois pontos. É de noite,

e corremos porque o tacto é uma promessa,
casam-se os búzios, conchas
azuis habitam o olhar, barcos,

homens que bebem a água como se fosse terra,
pequeninas sementes,
dissimulam a sede a que deus nos condena. 


(poeta portuense nascido a 6 de Maio de 1953)

quinta-feira, maio 05, 2011


Biografia

Era um grande nome
- ora que dúvida!
Uma verdadeira glória.

Um dia adoeceu,
morreu,
virou rua...

E continuaram a pisar em cima dele.


(poeta gaúcho falecido a 5 de Maio de 1994)

Sucessão de São Pedro

- Seu vigário!
Está aqui esta galinha gorda
que eu trouxe pró mártir São Sebastião!

- Está falando com ele!
- Está falando com ele!


(poeta pernambucano falecido a 5 de Maio de 1965)

quarta-feira, maio 04, 2011


Os festejos das hienas

















Afinal, as hienas não são as únicas a festejar as carnificinas. Muito mais humanos do que seria expectável portam-se, afinal, bem pior. 

As Viagens

Antes seja afastado do que já alcancei que o seja daquilo para que vou.
A posse é um declínio.

Antes um pássaro a voar que dois na mão.
Dois pássaros na mão são o que já não falta.
Um pássaro a voar: é ir com os olhos a voar com ele;
ir sobre os montes, sobre os rios, sobre os mares;
dar a volta ao mundo e continuar;
é ter um motivo de viver - é não ter chegado ainda.


(Branquinho da Fonseca nasceu a 4 de Maio de 1905)

terça-feira, maio 03, 2011


Sistema

O desenho de uma estrela
quantifica o papel
deslumbra o vazio. 

A simplicidade
equaciona o absurdo.

Jorge Tufic

(poeta cearense)

segunda-feira, maio 02, 2011


A puta que pariu!

Atentamente repare
como o equilíbrio luta:
A cada puta que pare,
nos nasce um filho da puta.


(poeta brasileiro nascido a 2 de Maio de 1986)

domingo, maio 01, 2011


Recusa

Convosco, não, traidores!
Que poeta decente poderia
Acompanhar-vos um segundo apenas?
À quente romaria do futuro
Não vão homens obesos e cansados.
Vão rapazes alegres.
Moças bonitas,
Trovadores,
E também os eternos desgraçados,
Revoltados
E sonhadores.

Miguel Torga