quarta-feira, novembro 24, 2010

Poema da Terra Adubada

Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.

As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.

Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.

António Gedeão, in Linhas de Força

(Rómulo de Carvalho nasceu em Lisboa a 24 de Novembro de 1906)

3 comentários:

Sensualidades disse...

fantastico

Bjinhos

Paula

vieira calado disse...

Forte.

Muito forte!

Como tudo o que você transcreve,

ou escreve.

Um grande abraço

Sofá Amarelo disse...

António Gedeão conseguia encontrar as palavras certas nos poemas que contavam histórias e realidades como se fossem prosa...