Páginas

quarta-feira, junho 30, 2010

O Ponto

Mínimo sou,
Mas quando ao Nada empresto
A minha elementar realidade,
O Nada é só o resto.

Alerta

Pedindo desculpa aos amigos que me visitam, informo de que me vi forçado a activar a moderação de comentários, dado que um caramelo qualquer que é porco e ordinário no seu próprio blogue decidiu vir insultar-me à minha caixa de comentários. Aceito, obviamente, qualquer discordância de pontos de vista, mas não admito insultos soezes, próprios de quem não tem uma pinta de carácter e se alimenta do ódio ao seu semelhante. 

terça-feira, junho 29, 2010

Os Pequenos Varredores

Pela escura avenida arborizada,
ninguém. Lá para cima,
escuta-se um rumor que se aproxima,
nuvens rolando pelo chão, mais nada...

Depois, enche-se a noite de pavores,
há risos, pragas, uivos;
dançam, ao longe, contra o vento, ruivos
de poeira, pequeninos varredores.

De ombros estreitos e de faces cavas,
lutam com seus destinos,
nas horas em que todos os meninos
dormem e sonham com princesas flavas.

Há, entre eles, alguns que são precoces,
fumam e bebem. Vários,
transitam para a noite dos ossários,
têm o pulmão comido pelas tosses.

Arrastando o esqualor destas sarjetas,
dirão, olhos em brasa,
que é melhor acabar na Santa Casa
do que viver assim, como grilhetas.

E lá se vão. A nuvem se adelgaça;
um senhor, na alameda
sem luz, toma do lenço, que é de seda,
tapa o nariz, inclina a fronte, e passa...

Afonso Schmidt*, in Janelas Abertas

* poeta paulista

segunda-feira, junho 28, 2010

Vestígio 

Ubíquo Mar,
sedento de barcos,
de seixos e seios.
Vesgo olhar de conchas,
tração de maresia.
Mar de algas

ondeando em manchas de ódios,
areando em arpões sonolentos.
(recolhendo-se à espuma)

travesso mar,
de porões encardidos,
golpeando os náufragos
que a ti se lançam.
Mar de ferrugem,
de fuligem,
de ressaca.
Vestígio.

Francisco Perna Filho*

*poeta brasileiro

domingo, junho 27, 2010

FRAGMENTO DE UM CORO

Nós
         os de cinza e tempo
nós os de olhar barrado
nós os de céus ardendo
e ventos desfigurados
nós os de mito e queda
nós os de mãos atadas
ecos
         desdobrando
                            gritos
mudos mantos desdobrados
nós silenciados muros
de desesperos caiados
nós cegos irmãos em luto
por mundos manietados
nós sonâmbulos
                   remotos
nós vagos
só recordados
os estáticos andantes
escuramente pisados
nós os egressos da sede
diuturnamente velada
nós o exílio de nós mesmos
viva lâmpada apagada
nós entre o infinito e o medo
esparsos
            desencontrados
nós frios
de cinza e tempo
em tempo e cinza
                       encerrados


*poeta brasileiro

sábado, junho 26, 2010

De papo para o ar
















Nas próximas três semana vou abancar na minha terra natal, no concelho cuja sede é uma vila que não quer ser cidade. Para descansar e bebericar um verde tinto à saúde dos meus amigos.

sexta-feira, junho 25, 2010

O tempo

O tempo tem tempo de tempo ser,
o tempo tem tempo de tempo dar,
ao tempo da noite que vai, correr,
o tempo do dia que vai chegar.

quinta-feira, junho 24, 2010

Receitas que ninguém me pediu       

Receita para escrever receitas: sentir-se teoricamente preparado para aconselhar alguém a fazer algo que, na prática, não é certo que dê certo...  

Receita para ter pesadelos à noite: ser conivente com o inconveniente, aceitar o inaceitável, tolerar o intolerável.  

Receita eficaz para perder peso rapidamente: trabalhar demais, comer pouco e dormir mal...  

Receita para enlouquecer a si mesmo e aos outros: racionalizar tudo, marcar horário para tudo, prever tudo, controlar tudo, cobrar todas as promessas, corrigir todos os erros, querer escrever receitas com a única intenção de resolver todos os problemas do mundo.  

Receita genial para ser um gênio: ler todos os livros do mundo e esquecer tudo o que se leu.  

Receita para falar em público com desenvoltura, despertando o interesse de todos, comunicando-se de modo oportuno e enfático, provocando risos e lágrimas: falar pouco.  

Receita para ter dinheiro à vontade: não ter vontade de acumular mais dinheiro do que o necessário para viver uma única vida.  

Receita para escapar das seitas que lavam nossos cérebros e roubam nossa liberdade: fundar uma nova seita ainda mais proselitista.  

Receita para ser pontual: comprar um relógio e usá-lo, comprar agenda e consultá-la... e não marcar nenhum encontro com pessoas pontuais.  

Receita para desesperar-se: ser perfeccionista.  

Receita para não adquirir a virtude da humildade: orgulhar-se de ser o mais humilde dentre todos os mortais.  

Receita para ser aceito pelos outros: plantar e colher sem se preocupar quando será (e se boa será) a colheita.  

Receita para cultivar uma biblioteca com mais de 9 mil livros: comprar um livro por dia ao longo de 25 anos.  

Receita para ler mais de 9 mil livros: ler um livro por dia ao longo de 25 anos.  

Receita para viver mais de 100 anos: acostumar-se com a idéia de que um século não é grande coisa.  

Receita para não desanimar após ter experimentado um fracasso: chorar até o amanhecer, enterrar o cadáver de ontem bem enterrado e escovar os dentes.
 
Receita imemorial para tornar a memória infalível: esquecer o que é inútil sem se angustiar com a possibilidade de esquecer o que é imprescindível.  

Receita infalível para ser feliz: não acreditar em receitas infalíveis, e seguir as receitas falíveis com um sorriso nos lábios.  

Receita para educar os filhos: jogar todas as receitas pela janela.  

Receita para ser conciso: ponto final.


*professor e escritor

Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

quarta-feira, junho 23, 2010

Melancolia

Quem
(diante do sol e dos luares,
do olho no olho do mar e do infinito,
dos equinócios, das guerras
dos decretos,
da floração noturna das estrelas,
das epopéias do progresso, das quimeras
que ardem na lareira do desejo,
da súbita epifania da encantaria
submersa na linguagem-rio)
quem há de perceber em mim
(grão de poeira
na infinitamente azul ampulheta de Deus)
este botão de amor tombando no poema
depois que o abandonaste no meu peito!

terça-feira, junho 22, 2010

Colômbia-mudou a mosca


































Cartoon: Rubén

segunda-feira, junho 21, 2010

Cai a semente

Cai a semente
Sem querer mentir ao sol,
naturalmente.

Cai a semente.
Sem poder mentir a si,
maduramente.

sábado, junho 19, 2010

Química

Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.

José Saramago, in Os Poemas Possíveis

sexta-feira, junho 18, 2010

In memoriam

Uns nascem crianças e morrem crianças;
Outros nascem crianças e morrem homens;
Alguns, poucos, já nascem homens e morrem Homens.
O Zé é um desses poucos.

quinta-feira, junho 17, 2010

Já a luz se apagou

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.

quarta-feira, junho 16, 2010

Poema

sem vírgula palavra som
alma e silêncio
só ponto final
perfeição
perversão

perfeito não houve
haverá

desfeito refeito impossível
ele redivive
pela de/mão

asas se partem ver/so reverso
letras traços pontos nada
ícaro sem ar
cinzas
ai
coração.

Francisco Miguel de Moura*

poeta brasileiro
Moço de recados
















Cartoon: Peter Brookes/The Times

terça-feira, junho 15, 2010

Canção da Saudade

Se eu fosse cego amava toda a gente.

Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gémea que nasceu sem vida, e amo-a a fantasiá-la viva na minha idade.

Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde moras, dize se vives ou se já nasceste.

Eu amo aquela mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longíssimos.

Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.

Eu amo aquelas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas.

Eu amo os cemitérios - as lajes são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos floridos virgens nuas, mulheres belas rindo-se para mim.

Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. 

Eu amo a lua do lado que eu nunca vi.

Se eu fosse cego amava toda a gente.

segunda-feira, junho 14, 2010

Não amar

A dor
de não amar
é faca
de serra.
Corta
e dilacera.
Enferrujada,
deixa o tétano
em gotas de indiferença.


*Poeta carioca

domingo, junho 13, 2010

Outro dia

cai na manhã do coração desolado
a toutinegra que longe daqui cantava e
nesse instante
a tristeza do rosto subiu aos lábios
para queimar a morte próxima do corpo e
da terra

mas se a noite vier
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados - ergue as asas
fere o ar que te sufoca e não te mexas
para que eu fique a ver-te estilhaçar
aquilo que penso e já não escrevo - aquilo
que perdeu o nome e se bebe como cicuta
junto ao precipício e à beleza do teu corpo

depois
deixarei o dia avançar com o barco
que levanta voo e traz as más notícias dos jornais
e o cheiro espesso das coisas esquecidas - os óculos
para ver o mar que já não vejo e um dedo incendiado
esboçando na poeira uma janela de ouro
e de vento

sábado, junho 12, 2010

EDITAL

Já estão a funcionar os moinhos da morte,
prontos,
oleados,
com motores novos e peças de reserva.

A instrução militar é muito vagarosa
e é urgente inventar um novo método.
Ainda não há soldados bastantes este verão;
é preciso incorporar mais cedo.

Não é possível perder tempo, ouviram!
Os moinhos da morte estão prestes a iniciar a sua tarefa,
os depósitos de bombas estão repletos,
as rampas de lançamento distribuídas pelos pontos estratégicos.
Tudo está a postos para o próximo dia M.

Os soldados, porém, são ainda insuficientes.

É necessário acabar com os cursos de Botânica,
de Arqueologia, de Belas Artes e Direito Civil.

É preciso queimar os escritos de Malthus,
destruir o método de Ogino-Knaus,
fuzilar um ou outro poeta recalcitrante.

Não ouvem as velas dos moinhos cortando a atmosfera
nos últimos, definitivos, ensaios?
É necessário inventar uma gigantesca correia-sem-fim
que produza diariamente milhares de soldados,
que taylorize o exército e bata os recordes de produção.

Sábios, estudantes, estadistas, pais de família,
homens e mulheres de boa vontade,
onde quer que habitem,
seja qual for o vosso trabalho,
parem de perder tempo, de tomar chá,
de jogar o xadrez, a canasta, a bisca lambida,
parem de ter ócios, ler jornais, fazer ginástica:
atendam este apelo desesperado
dediquem-se à solução deste problema.

As Escolas de Guerra vão diminuir de dois anos o seu curso.
Os moinhos estão prontos.

Não querelem,
não discutam a Arte pela Arte,
não frequentem exposições:
transmitam-nos ideias - nada é desaproveitável.
A mais humilde sugestão,
a mais aparentemente inútil,
pode ser a faísca reveladora do Grande Acontecimento.

Na doença ou na saúde,
na febre delirante, no banho quente,
na praia, no consultório médico,
nas salas de espera, na paragem dos eléctricos,
trabalhem sem descanso,
tentem,
contribuam.

Não leiam livros, não ouçam música,
não pintem - É UMA ORDEM.
trabalhem sem hesitação;
o problema é urgente.

Egito Gonçalves

sexta-feira, junho 11, 2010

A voz do mar

na nave língua em que me navego
só me navego eu nave sendo língua
ou me navego em língua, nave e ave.
eu sol me esplendo sendo sonhador
eu esplendor espelho especiaria
eu navegante, o anti-navegador
de Moçambiques, Goas, Calecutes,
eu que dobrei o Cabo da Esperança
desinventei o Cabo das Tormentas,
eu desde sempre agora nunca mais
cultivo a miração das minhas ilhas.
eu que inventei o vento e a Taprobana,
a ilha que só existe na ilusão,
a que não há, talvez Ceilão, sei lá,
só sei que fui e nunca mais voltei
me derramei e me mudei em mar;
só sei que me morri de tanto amar
na aventura das velas caravelas
em todas as saudades de aquém-mar.

Geraldo Carneiro, in Balada do Impostor
Lá como cá



Cartoon: Perter Brookes/The Times

quinta-feira, junho 10, 2010

10 de Junho 

Olhos e carne a beber o verde-rubro
bandeira escancarada à emoção.

Vinho
(será ele o luso símbolo
ou o sangue que ferve e incendeia
este pendão?).

Saudade
mordendo feito bicho
feito tempo, feito chama.

Orgulho
raça amálgama de raças
cravos de abril rasgando a história
língua pátria outra para milhões

Camões
nem é preciso que o digas
nem compêndios, calendários ou cantigas
apenas o sangue a rugir em campanário
rubro lembrete
mais do que nunca hoje é dia
de sentir-se português.

Dalila Teles Veras*

*poetisa madeirense residente em São Paulo

quarta-feira, junho 09, 2010

O Amor aos Sessenta

Dedicado à mulher com quem partilho a minha vida há 34 anos e que celebra hoje o 62º aniversário.

Isto que é o amor (como se o amor não fosse
esperar o relâmpago clarear o degredo):
ir-se por tempo abaixo como grama em colina,
preso a cada torrão de minuto e desejo.
Ser contigo, não sendo como as fases da lua,
como os ciclos de chuva ou a alternância dos ventos,
mas como numa rosa as pétalas fechadas,
como os olhos e as pálpebras ou a sombra dos remos

contra o casco do barco que se vai, sem avanço
e sem pressa de ausência, entre o mito e o beijo.
Ser assim quase eterno como o sonho e a roda
que se fecha no espaço deste sol às estrelas

e amar-te, sabendo que a velhice descobre
a mais bela beleza no teu rosto de jovem.

terça-feira, junho 08, 2010

OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de Outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

Mario Quintana -  in O Aprendiz de Feiticeiro
Piratas do Mediterrâneo

segunda-feira, junho 07, 2010

Música

a musa voluptuosa
pede passagem

e lhe damos -
prosa:

qualquer imagem
vale mais

que a floração sentimental de uma
rosa:

gás lacrimogêneo,
luto, melancolia,

estrofe, catástrofe,
catarse:

deposita-se, linear
(limpa e suja como um verso)
pela praia pedregosa da palavra
- esta espuma.


*poeta gaúcho

domingo, junho 06, 2010

A imprensa "livre"

MESMICE

 Quisera eu pôr nestes quatroze versos
 Um leve, fino, alegre comentário
 A algum novo e notável caso diário,
 Entre os casos urbanos mais diversos.

 Percorro dos jornais o noticiário,
 Leio artigos e tópicos dispersos,
 A pedidos satânicos, perversos,
 Desastres, crimes, contos do vigário.

 Nada encontro que inspire à alegre musa
 Uma nota satírica e atrevida
 Que nos nervos um frémito produza.

 É sempre a mesma coisa repetida:
 Luza o sol, venha a noite, o sol reluza,
 Como, o banal, se reproduz a vida!

sábado, junho 05, 2010

Sinto

Sinto
que em minhas veias arde
sangue,
chama vermelha que vai cozendo
minhas paixões no coração.

Mulheres, por favor,
derramai água:
quando tudo se queima,
só as fagulhas voam
ao vento.

Federico García Lorca, in Poemas Esparsos

(Tradução de Óscar Mendes)

sexta-feira, junho 04, 2010

Discurso da ira

Os pobres estão se evaporando
à vista de todos.
O tempo vai passando
os pobres vão se decompondo
seus rostos são apagados pelo vento
e da memória dos computadores
até que ninguém se lembre
mais de suas caveiras sorridentes
afugentando os parasitas dos burocratas
nas repartições públicas.

Os pobres estão sumindo
aos olhos de todos.
O tempo os vai tornando
cada vez mais parecidos com a morte.
Enquanto isso, os poderosos
sacodem suas nádegas fotogênicas

fazem belos discursos para a distinta platéia
e afagam avidamente as orquídeas.

Francisco Carvalho*

*poeta cearense
Os novos piratas



























Cartoon: Amer Shomali

quinta-feira, junho 03, 2010

Olhas o amanhecer

Olhas o amanhecer,
vives o amanhecer como o único instante
em que o céu é entreaberto segredo de um deus mudo.

Espera: algo vai se revelar e deves estar pronto
para mergulhar teu sonho num poço de luz casta.

O intocado te espera. E amanhece. E te iluminas
como se trincasses com os dentes a polpa do absoluto.


*poeta brasileiro

quarta-feira, junho 02, 2010

Höre, Israel
















Escuta, Israel!

Quando fomos perseguidos,
era eu um dos vossos.
Como continuar a sê-lo,
agora que sois perseguidores?

Era vossa desejo ser
como aqueles povos
que vos assassinaram.
Tornastes-vos hoje como eles.

Soubestes sobreviver
aos que foram convosco crueis.
Mas, não será a crueldade deles
que hoje em vós se exprime ?

Aos vencidos ordenastes
" descalçai os vossos sapatos!".
Para até ao deserto persegui-los
Como bodes expiatórios

Até à grande mesquita da morte
Cujas sandálias são areia
Mas eles rechaçaram o destino
Que quisestes impor-lhes

As pisadas dos seus pés descalços
Sobre as areias do deserto
Sobreviverão aos estragos deixados
Por vossas bombas e vossos tanques.

Erich Fried, poeta judeu austríaco

(Numerosos prisioneiros egípcios capturados durante a guerra dos Seis Dias, em  Junho de 1967, foram obrigados a descalçar as botas e abandonados pelos israelitas no deserto para que que regressassem ao lugar de onde tinham vindo. Na areia ardente, sem calçado, a maioria deles morreu de forma miserável.
Os porta-vozes sionistas negaram posteriormente o incidente, apesar de durante a guerra ter sido transmitido nas televisões inglesa e alemã. Um fotografia que mostra o facto apareceu publicada na antologia sionista O milagre dos Seis Dias, nos Estados Unidos e foi republicada no Konkret, de Hamburgo, em 26 de Agosto de 1969. Mais testemunhos gráficos apareceram, entre outros, no Paris Match (24.06.1967), na Life (30-06-1967) e no L’Europeo (29.06.1967).
Erich Fried)

Interrogo-me sobre o que escreveria o autor se tivesse vivido a última década

terça-feira, junho 01, 2010

Diálogo




























Levarás
pela mão
o menino
até ao rio. Dir-lhe-ás
que a água é cega
e surda. Muda,
não. Que o digam
os peixes, que em silêncio
com ela sustentam
seu diálogo
líquido, de líquidas
sílabas
de submersas
vogais.

É preciso boicotar