How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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quarta-feira, dezembro 31, 2008
Os alvos “terroristas”
Imagem do campo de refugiados da Jabalya, na Faixa de Gaza, onde se pode ver um “perigoso terrorista” palestino de palmo e meio, destinado, desde o momento da fecundação, a tentar “destruir” o estado judaico; com ele ao colo, vê-se outro “perigoso terrorista”, seu pai, rodeado por duas familiares velhotas, também elas “perigosas terroristas” apostadas, apesar da sua provecta idade, em parir centenas de outros “perigosos terroristas”, que vão tentar reclamar ao “povo eleito” os parcos palmos de terra e velhos casebres que os seus ancestrais possuíam de pleno direito antes de serem deles expulsos pelos ínclitos defensores da “civilização ocidental” no meio dos “bárbaros” do Médio Oriente.
Pelo menos é isso que, através dos media de “referência” a soldo, nos quer fazer crer o governo sionista do estado de Israel, muito bem acolitado pelos governantes da União de além Atlântico e sua cúmplice de aquém Atlântico, entre os quais se conta um distinto ministro português mal amado e milhentos figurões, figuras, figurinhas e figurantes de idêntico jaez.
Antes de fazerem figuras tristes, seria muito útil aos que vivem dos nossos impostos aprenderem alguma coisa de história para ficarem a saber que a existência da Faixa de Gaza é a prova viva e permanente das centenas de milhares de palestinos que perderam as suas terras e as suas casas, donde foram expulsos ou fugiram com terror da limpeza étnica levada a cabo por Israel há 60 anos, num momento em que uma onda de milhões de refugiados varria a Europa após a Segunda Guerra Mundial e uma mão cheia de árabes perseguidos e torturados por “irmãos” dos sobreviventes da barbárie nazi não importava muito a um mundo dito “civilizado” ainda atónito com o holocausto e a lamber as feridas dos seis anos da guerra mais destruidora de que há memória.
É verdade que essa parte da história é branqueada e escondida o mais possível pelos “historiadores” do nosso “regime ocidental”, mas há suficientes Historiadores judeus com a coluna vertebral direita e cuja leitura apenas não abre os olhos a quem o não quer, por cegueira, comodismo ou conveniência.
O conceituado jornalista Tariq Ali acabava a sua coluna de ontem no The Guardian, a propósito da situação em Gaza, com as seguintes palavras (ligeiramente adaptadas) de O Mercador de Veneza, de Shakespeare, para meditação dos cidadãos israelitas (e dos seus indefectíveis apoiantes, acrescento eu):
"Eu sou palestino. Um palestino não tem olhos? Um palestino não tem mãos, órgãos, altura e peso, sentidos, afectos, paixões? Não é alimentado com a mesma comida, ferido com mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos meios, aquecido ou arrefecido no mesmo Inverno e no mesmo Verão, como o é um judeu? Se nos picais, nós não sangramos? Se nos fazeis cócegas, nós não nos rimos? Se nos envenenais, nós não morremos? Se nos fazeis mal, não podemos ripostar? Se nós somos iguais a vós em tudo o resto, vamos parecer-nos convosco também nisso… a vileza que me ensinaste, eu irei praticá-la; e isso vai ser duro mas será melhor a lição”.
Nota: Para responder a um comentador lá de baixo, não tenho qualquer ódio a Israel, nem aos israelitas, nem a qualquer outro país ou povo. Já visitei Israel - onde fui muito bem tratado (e percebi a doutrinação anti-palestina desde o berço) - e dezenas de outros países, desde Hong Kong aos Estados Unidos, da Tailândia ao Brasil, passando pela Turquia, Polónia e quase todos os países da Europa Ocidental e onde fui menos bem tratado foi na Noruega, onde penso não voltar a menos que me veja obrigado por motivos profissionais ou familiares. Mas uma coisa é o povo israelita e outra o seus governantes sionistas. Como sempre, procuro informar-me nas mais diversas fontes e fazer a minha leitura dos acontecimentos. Os mesmos media que eu consulto estão ao dispor de toda a gente que os queira ler e não se contente em seguir a manada. Gosto de não andar nu, para poder dizer que quase todos os “nossos reis vão nus”.
terça-feira, dezembro 30, 2008
Patti Smith
Aos 62 anos está bem e recomenda-se.
Because the Night
take me now baby here as I am
pull me close, try and understand
desire is hunger is the fire I breathe
love is a banquet on which we feed
come on now try and understand
the way I feel when I'm in your hands
take my hands as the sun descends
they can't hurt you now,
can't hurt you now, can't hurt you now
because the night belongs to lovers
because the night belongs to love
because the night belongs to lovers
because the night belongs to love
have I doubt when I'm alone
love is a ring, the telephone
love is an angel disguised as lust
here in my bed until the morning comes
come on now try and understand
the way I feel when I’m in yours hands
take my hands as the sun descends
they can't hurt you now,
can't hurt you now, can't hurt you now
because the night belongs to lovers ...
And love we feel
With doubt the vicious circle
Turns and burns
Without you, oh! I cannot live
Forgive, the yearning burning
I believe it's time, to feel the real
So touch me now, touch me now, touch me now
Because the night belongs to lovers
Because the night belongs to love
Because the night belongs to lovers
Because the night belongs to love
Because we believe in the night we’re lovers
Because we believe in the night we trust
Because the night belongs to lovers
Because the night belongs to love
Patti Smith/Bruce Springsteen
segunda-feira, dezembro 29, 2008
Mais um Massacre em Gaza
Desinformação, dissimulação e mentiras: Como surgiu a ofensiva de Gaza
Uma preparação ao longo de meses, uma cuidadosa recolha de informação, discussões secretas, farsas operacionais e desorientação do público estiveram por trás a Operação Cast Lead do exército israelita contra pretensos objectivos do Hamas na Faixa de Gaza, que começou no Sábado de manhã.
A análise é de Bark David, correspondente do prestigiado jornal israelita Haaretz, onde foi publicada, embora, certamente por lapso, apareça sem os dois primeiros parágrafos, pelo que é melhor ser lida aqui.
domingo, dezembro 28, 2008
Três dias sem escrever
Foram três dias. Três dias sem escrever. Diziam os antigos que um escritor deve produzir ao menos uma linha por dia. Foram três dias sem escrever uma linha, sem arriscar uma palavra, uma vírgula sequer. Três dias com suas três noites. A morte do texto. O escritor paralisado. Perplexo diante de sua própria inatividade.
Foram três dias sem pensar, sem ler, sem escrever. Três dias de exílio. De jejum forçado. De desmaio. De coma profundo. De olhar perdido em direção nenhuma. Vontade apenas de fazer algo bem burocrático, bem automático, bem carimbático, bem sorumbático.
Foram três dias. Nem longos nem curtos. A morte não tem medida, não usa relógio. O escritor morto pensa em tudo aquilo que nunca poderia ter acontecido e jamais acontecerá. O escritor morto, respirando o mínimo possível. Nem dormindo nem trabalhando. Foram três dias que valeram por três mil. Ou por três segundos.
Foram três dias debaixo da terra. As idéias morreram. As palavras definharam. Não há conexão. Não há linha. Não há jeito. Não há forma. Não há como. Não há nada. Morte indolor. Morte sem anúncio. Morri. Três dias.
Foram três dias perdidos. Três dias no fundo do mar. Três dias no deserto. Três dias sepultado. Três dias crucificado. Três dias arruinado. Três dias falido. Três dias esmagado por todos os pesos.
Foram três dias. O motivo não vem ao caso. Três dias de azar. Três dias vagando pela terra, como os lêmures, querendo vingar-me do mundo. Três dias sem inspiração, se é que existe inspiração. Três dias sem projetos, se é que projetos fazem algum sentido.
Depois de três dias, um passarinho começou a cantar.
Dizem que um é pouco, dois é bom, três já é demais. No terceiro dia, ressuscitei dentre os mortos. Nunca mais serei o mesmo. Não se vive a morte impunemente. Não se morre à toa. Morrer durante três dias é tempo além da conta. Não morrerei de novo.
O escritor voltou a escrever. Escravo da escrita, escrevo outra vez. Nem melhor nem pior do que antes. Três dias estéreis trazem progressos insignificantes. O importante não é importante.
De repente... estava vivo. Três dias foram o suficiente. É desagradável morrer. É imprescindível renascer. Não desejo a morte a ninguém. Mas a todos desejo que, mortos um dia, ao terceiro dia venham contar o que aconteceu.
Gabriel Perissé*
*professor e escritor
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
sábado, dezembro 27, 2008
sexta-feira, dezembro 26, 2008
A Obrigação da Verdade
Quando olhamos um espelho, pensamos que a imagem à nossa frente é exacta. Mas basta movermo-nos um milímetro para a imagem se alterar. Aquilo que estamos realmente a ver é uma gama infindável de reflexos. Mas, às vezes, o escritor tem de quebrar o espelho - porque é do outro lado do espelho que a verdade nos encara.
Estou convencido de que, apesar dos enormes obstáculos existentes, há uma obrigação crucial que recai sobre todos nós enquanto cidadãos: de com uma determinação intelectual inflexível, inabalável e feroz definir a verdade autêntica das nossas vidas e das nossas sociedades. É de facto uma obrigação imperativa.
Se essa determinação não se incorporar na nossa visão política, não tenhamos esperança de restaurar aquilo que já quase se perdeu para nós - a dignidade do homem.
Harold Pinter, no Discurso de Aceitação do Prémio Nobel
quinta-feira, dezembro 25, 2008
Falavam-me de amor
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
Natália Correia, in O Dilúvio e a Pomba
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Um conto de Natal
De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser - e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções são que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver.
E ali vinha de mais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez reis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza.
Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias, queriam dizer. Importava-se lá.
E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa...
Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama!
Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.
Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura.
Vá lá! Do mal, o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha.
Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não.
Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel.
Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.
Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. Boas festas! - desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o arcanho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo.
Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava?
Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. É servida?
A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.
E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira.
- Consoamos aqui os três - disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. - A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.
Miguel Torga – in Novos Contos da Montanha
terça-feira, dezembro 23, 2008
segunda-feira, dezembro 22, 2008
Chico Mendes
Há 20 anos, no dia 22 de Dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado na porta traseira de sua casa em Xapuri, sua cidade natal no estado do Acre, por causa da sua luta pela preservação da Amazónia e do ganha pão de todos os seringueiros.
Seringueiro desde os 9 anos de idade, apenas aprendeu a ler aos 20, tornando-se sindicalista e activista ambiental de projecção mundial.
Um pouco por toda a imprensa brasileira, são-lhe hoje dedicados os mais variados artigos, desde o publicado pela antiga ministra do ambiente Marina Silva na Folha de São Paulo, até ao assinado no Portal EcoDebate por Moisés Diniz, professor e deputado estadual do Acre.
Segundo Tom Phillips, correspondente no Brasil para o jornal inglês The Guardian, espera-se que Lula se dirija ao País através da televisão para prestar homenagem a Chico Mendes, como parte de uma conjunto de tributos que irão desde marchas no Rio de Janeiro até às celebrações em Xapuri.
No mesmo artigo, em que chama a Chico Mendes “um mártir dos nossos tempos – o Ganghi ou, talvez, o Che Guevara da nossa era ambiental”, o mesmo jornalista divulga dados de um relatório da Comissão Pastoral da Terra ainda não tornado público, segundo os quais pelo menos 260 pessoas vivem sob a ameaça de morte devido à sua luta contra uma coligação de madeireiros, fazendeiros e rancheiros criadores de gado dispostos a queimar literalmente a Amazónia com vista a potenciar os seus negócios criminosos. Entre os que correm risco de vida, encontra-se o padre francês Frei Henri de Rosiers, pároco de Xinguara, no Pará, um alvo especial que terá a sua cabeça a prémio por cerca de 20 mil euros, facto a ser investigado pela polícia federal; Maria José Dias da Costa, uma líder sindical de Rondon do Pará; e o bispo austríaco D. Erwin Kräutler, prelado de Xingu, também no Pará.
domingo, dezembro 21, 2008
sábado, dezembro 20, 2008
Financeiros e Fraudadores
Primeiro foi Nick Leeson, corretor de Singapura e uma estrela em ascensão no bicentenário britânico Banco Barings, que levou à falência ao manipular contas em contratos de futuros, conduzindo a prejuízos de mais de mil milhões de euros a preços de 1995. Passou 3 anos numa prisão de Singapura, durante os quais escreveu o livro Rogue Trador detalhando a sua actividade especulativa, livro esse que deu origem ao filme do mesmo nome, de 1999. Parece que, actualmente, é um conceituado palestrante a 15 mil euros a dose.
Em Janeiro deste ano, os chefões do gigante francês Société Générale descobriram, aparentemente estupefactos, que um desconhecido empregado chamado Jérôme Kerviel tinha feito transacções ilícitas, também no mercado de futuros, que provocaram prejuízos de mais de cinco mil milhões de euros. Aguarda, em liberdade, o julgamento em que poderá ser condenado a um máximo de 3 anos de prisão. Atendendo à sua idade, ao brilhantismo da sua actuação (dizem que foi mesmo brilhante) e ao facto de nada ter beneficiado com as transacções, augura-se-lhe um futuro brilhante na alta finança, que mais não seja como consultor e conferencista.
Há um mês, um antigo político cá do burgo viu-se em prisão preventiva, alegadamente por ter pretendido amealhar uns patacos para dar à mulher de quem tencionava divorciar-se, facto que se diz ter concretizado. Ninguém deu por nada, nem sequer pelo banco em Cabo Verde ou pelo balcão instalado no portátil e os prejuízos foram transferidos para a Caixa Geral de Depósitos. Pelo andar da nossa justiça e da nossa política, é provável que venha a ser absolvido “suma cum fraude” e agraciado com uma qualquer sinecura de fundo de prateleira. Se não a conseguir cá, sempre pode ir de portátil ao Brasil, que as comendas lá são ao preço dos tremoços. Entretanto, muito embora com outro pretexto mas, certamente, para “tapar o buracão”, o capital da CGD vai ser aumentado em mil milhões de euros.
No passado dia 12, foi a vez da ordem de prisão calhar a um antigo nadador-salvador que juntou uns 5.000 dólares para criar uma Sociedade de Investimentos em Wall Street, agora em liquidação, e que teve a lábia de enganar tudo e todos, desde grandes bancos espanhóis, suíços, franceses, holandeses e de muitos outros países, até aos responsáveis da SEC, dando sumiço a cerca de quarenta mil milhões de euros, um quarto do PIB português. Não teve de se esforçar muito para levar a tal ponto o Esquema Ponzi, inventado nos Estados Unidos nos anos vinte por um emigrante italiano quase analfabeto e utilizado nos mais variados países e situações, entre as quais a da nossa bem conhecida, e também analfabeta, D. Branca.
O que espanta no caso Bernard Madoff é o gabarito dos patos, a dimensão e duração da fraude e o sono de 10 anos da SEC. A procissão ainda vai no adro, o homem está em prisão domiciliária com pulseira electrónica e falta apurar toda a extensão dos danos, mas a justiça estado-unidense costuma ter mão pesada. A ver vamos quem escreve o livro e dirige o filme.
Apesar de umas “caldeiradas” de milhões de há largos anos e de umas alegadas “rendas” milionárias da actualidade, quem disse que a arte do desenrasca é tipicamente portuguesa?
sexta-feira, dezembro 19, 2008
Canção de Minha Descoberta
Eis-me resignado.
Fugi de tudo que fui
e pelo caminho de minha renúncia
venho buscar bandeiras novas.
Agora persigo a palavra nova
por eles que esperam com o coração amargo
e o grito dentro do coração.
Não poderei aceitar o silêncio
e ficar em paz com a morte dos desgraçados
caídos sem voz em nossa porta.
As crianças minhas morreram todas,
Possuo cada vontade, cada medo, cada ternura morta
e vou surgindo novo entre lenços brancos
agitados de dor pela mão dos homens.
José Carlos Capinam
Feliz 67º aniversário, Capinam!
quinta-feira, dezembro 18, 2008
Variações da Sapatada (clique)
Ouse dar umas sapatadas no W.
Clique aqui para jogar e ver quantas vezes acerta
quarta-feira, dezembro 17, 2008
Somos
somos apenas para dizer palavras
e entregamos o nosso corpo nas ruas
depois repousamos os músculos.
não somos puros porque
despidos depois de amar
não permanecemos.
nos perdemos na busca de símbolos:
só as casas têm números
só os homens têm nomes.
queimadas as pálpebras nas cinzas do sono
não sabemos que a madrugada se faz
nas estrelas que gotejam sangue.
morremos e não percebemos as semelhanças
que há no peixe e no pássaro
no musgo e no vento.
possuímos um silêncio para os mortos
e um tumulto para o que amamos.
guardamos cores na lembrança
e envelhecemos antes de sair da infância.
refletimos o nosso medo e solidão
nos muros, nos bichos, nas flores,
sem sabermos que os mortos são fotogênicos
sem acharmos a serenidade
que faz este mar azul.
Carlos Cunha*
*poeta brasileiro
terça-feira, dezembro 16, 2008
Dunduca, valente e esperto
Seu Dunduca, apesar do apelido infantil, não é nenhum moleque. Homem forte, decidido, resolveu ir arriscar a vida na região de Brasília, quando a cidade ainda estava sendo construída. Foi com a família toda, mas não para Brasília mesmo. Parou num lugar ali perto, sabendo que as terras iam se valorizar muito, e começou a criar gado ao mesmo tempo em que comprava fazendas dos antigos moradores, para dividir e vender como sítios e chácaras aos que chegavam. Comprava por alqueire e vendia, às vezes, por metro quadrado.
Logo que chegou à região, tinha um valentão que não gostava de quem vinha de fora. Viu Dunduca num bar e já entrou provocando. Pegou uma garrafa de cachaça e começou a beber no gargalo, enquanto duvidava da macheza do recém-chegado. Deu-se um duelo no velho estilo dos filmes de bangue-bangue e, antes que o tal valentão engatilhasse o revólver, Dunduca quebrou a garrafa em que ele bebia, com um tiro certeiro. Ou melhor, casual, não foi certeiro, não. Dizem os irmãos do próprio Dunduca que ele era péssimo de pontaria. Talvez tenha tentado acertar o sujeito, errou e pegou a garrafa. Mas ficou com a fama.
Outra fama juntou-se à de bom atirador: a de esperto. Jamais era enganado nos negócios. E enganava muita gente, mas sempre sem mentir:
- Eu só falo a verdade. Se os outros não sabem entender, não é culpa minha.
Um dia, acharam que Dunduca entrou pelo cano, afinal. Tinha comprado um sítio horrível que jamais conseguiria passar pra frente. Nem capim nascia naquela terra ruim. Ele mesmo já achava que dessa vez tinham-lhe passado a perna, embora alegasse que na verdade ele não comprara o sítio, apenas trocara por umas armas e um monte de bodes.
- A maior parte das armas estava com defeito, e bode só dá prejuízo.
Eis que um dia apareceu a salvação: um morador de Brasília queria um sítio para passar fins de semana. Tinha de ter um riacho, pra pescar com os amigos. Dunduca mostrou-lhe seu sítio com um riacho correndo no fundo sem nem uma árvore na margem. Mas o comprador não entendia de terra nem de rio. Apenas perguntava se tinha peixe naquele “rio”. E Dunduca respondeu:
- Ô! Já comi muito peixe na beira desse rio.
Feito o negócio, passada a escritura, Dunduca, já com o dinheiro depositado no banco, falou pro comprador:
- Já comi umas duzentas latas de sardinha na beira daquele rio!
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
segunda-feira, dezembro 15, 2008
Pregadores
“É um período maravilhoso, uma enorme oportunidade de evangelização para nós. Quando as pessoas são sacudidas até ao âmago, isso pode abrir portas”
(REV. A. R. BERNARD, pastor da maior congregação evangélica de Nova Iorque, acerca da crise económica.)
Ouvir esta bacorada da boca de um pastor evangélico, não é nada de surpreendente, pois alguns urubus da religião costumam pairar sobre a miséria humana como abutres à procura de carne em decomposição.
Ao ler a citação num jornal estado-unidense de ontem, não pude deixar de recordar a tal pérola sobre a “janela de oportunidade”, debitada há uns tempos por um político pequenino com lugar marcado semanalmente no canal público. Entre um vendedor de banha da cobra, aos Domingos, e um saltitão armado em pregador, às Segundas, quem nos acode?
domingo, dezembro 14, 2008
Baú
A palavra é um baú
desses existentes
nos sótãos das casas antigas.
Sem nenhum valor
se não aberto
explorado
fuçado!
Cada qual
com sua história
e razão de ser...
Quão valioso
é um baú
cheio de quinquilharias
se no mesmo
encontramos algo
que necessitamos!
Muitas vezes
por baixo da poeira
contida nele
há uma mensagem
que não tá ali de bobeira
mensagem que veio
de alguma moleira
um tanto inquieta.
E quantos baús
há neste mundo
aguardando
a mão atrevida!
Carlos Alberto Teixeira*
*poeta brasileiro
sábado, dezembro 13, 2008
O turismo que temos
Fui apenas ali, à borda sul do rectângulo, para ver como paravam as modas, e não gostei do que vi.
Num complexo presumivelmente de quatro estrelas, limpeza dia sim dia não e mudança de toalhas e lençóis a meio da semana, fogão eléctrico de quatro bicos, sem forno, termoacumulador e aquecimento a óleo, mas um quadro eléctrico que não permitia ter mais de dois aparelhómetros ligados - ou um aparelhómetro e um bico do fogão - sem dar o berro.
Acesso à Internet a 5 euros à hora, tanto como me custa uma ligação vinte e quatro horas por dia durante uma semana. Que lhes faça bom proveito.
Nos restaurantes das redondezas, a garrafa de vinho custava entre quatro e cinco vezes o preço de venda numa grande superfície da área, e por uma caneca de 0,4l de cerveja exigiam-se 3 euros, o custo de 3 litros da dita.
Salvou-se a companhia, o descanso e a cataplana de peixe do almoço de ontem, por encomenda, no restaurante Vilarinho, na praia Sra. da Rocha.
Depois queixem-se da crise.
sexta-feira, dezembro 12, 2008
A Felicidade Vem do Compromisso
A felicidade vem do compromisso. Alguns pensam que não, que uma pessoa mais solta, sem ligações nem obrigações, é mais feliz! Será? Ela faz o que lhe apetece e não o que quer. Fica escrava das ondas, das emoções, vai para onde puxa o que “está a dar” e não para onde quer e deve. Estar solto não é o mesmo que ser livre. E comprometer-se livra-nos da escravidão das fantasias e dos apetites.
Vasco Pinto de Magalhães, in Não Há Soluções, Há Caminhos
Posta dedicada à minha companheira, com quem casei faz hoje 32 anos
quinta-feira, dezembro 11, 2008
quarta-feira, dezembro 10, 2008
A Tirania do Sofrimento
O homem, quando sofre, faz uma ideia muito ideia muito especial do bem e do mal, ou seja, do bem que os outros lhe deveriam fazer e que ele pretende como se do seu sofrimento derivasse um qualquer direito a ser compensado, e do mal que pode fazer aos outros como se igualmente o seu sofrimento o autorizasse a praticá-lo. E se os outros não lhe fazem o bem quase por dever, ele acusa-os; e de todo o mal que ele faz, quase por direito, facilmente se desculpa.
Luigi Pirandello , in O Falecido Mattias Pascal
terça-feira, dezembro 09, 2008
Contrariar as Contrariedades
Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida.
Clarice Lispector, in Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres
segunda-feira, dezembro 08, 2008
Os Professores
Estudei harmonia com o professor Paulo Silva. Ele ainda usava aquela gravata vermelha que dá laço e cai no peito. Ficava tristíssimo quando as composições não obedeciam àquelas regras rígidas. Estudei com Alceu Bochinno, aprendi muito com Radamés Gnattali. Minha intenção era o conserto com s. Começar a consertar as coisas porque está tudo quebrado. Eu sentia uma grande admiração por essas pessoas que faziam música brasileira. Fui à casa do Villa-Lobos. Eu ouvia falar que ele era maluco. Quando escutei o Choro nº 10, eu chorei, mas de felicidade, de alegria, entende? Botava aquilo na vitrola e chorava ali na Rua Nascimento e Silva. O meu contato com esse tipo de música foi um pouco tardio. Quando fui estudar com a Lúcia Branco, que era ligada à música erudita, eu já tinha uns 17 anos. Aquelas menininhas tocavam muito mais do que eu aquelas músicas de Chopin. Quando comecei a escutar Chopin a sério, pensei, meu Deus, o que é isso? Como é que um sujeito que nasceu há mil anos já sabia de tudo que eu quero saber agora? Já sabia do ritmo, da harmonia, esse polonês-francês Frédéric Chopin, como o outro, Claude Debussy. Fui ficando extasiado com aquela beleza: Ravel, Beethoven, Bach. Comecei a tocar Bach com a professora Lúcia Branco, que tinha estudado em Paris. Fui estudar com Tomás Teran, um espanhol muito amigo do Villa-Lobos, a quem o Villa-Lobos dedicou um álbum daquelas músicas dele. Teran era um cara muito escolástico, muito clássico, mas ao mesmo tempo amigo do Villa-Lobos. O Villa-Lobos dizia: "O Brasil é uma floresta encantada onde a Europa jogou o tapete persa velho, mofado, cheio de poeira, cheio de ácaro". Eu estudava a harmonia no piano. Composição eu fui fazendo porque o Paulo Silva exigia, mas era um troço quadrado para burro. Subdominante, dominante, tônica. Quando eu saía disso, ele brigava comigo.
Tom Jobim
Vaidade
A um grande poeta de Portugal
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !
Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...
Florbela Espanca – in Livro de mágoas
domingo, dezembro 07, 2008
Epígrafe
De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pré-feitos blocos de cimento.
De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.
De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.
Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
- expressão da multidão que está comigo.
José Carlos Ary dos Santos
sábado, dezembro 06, 2008
Mudanças e seus modos
A vida tem ciclos. Idas e vindas, giros e voltas, corre-corres. Há entra-e-sai, perde-ganha, sobe-e-desce. Mudamos de pele, de roupas, de cidade, mudamos de idéias. Muito pouco é imutável. Sobre a base do amor incondicional e das convicções inegociáveis, devemos realizar alterações, inovações, evoluções, transformações.
Mudar o modo de amar, sem matar o amor. Mudar o modo de andar, sem cortar os pés. Mudar as cores, conservando os olhos. Mudar o horizonte, e manter as asas. Sair de onde estamos para continuar em frente. Descartar o descartável para assegurar o eterno. Enfraquecer as rotinas para fortalecer os vínculos que valem a pena.
Tenho medo de mudar, não vou negar. Mudar mexe, machuca, mói. Mudar dá trabalho. Quem muda não pode mais ficar mudo. Mudança faz dançar. Mudança cansa. Mudar arranca pedaços. Na mudança nem tudo pode ser levado. Mudar é despojar-se.
Quero mudar o modo de comer, sem acabar com a fome. Mudar o modo de falar, sem enrolar a língua. O modo de trabalhar, e não perder o pique. Mudar o modo de ler, encontrando o avesso dos livros dos quais não vou me separar.
Ser mutante sem esvaziar o ser. Mudando a casca, protejo o miolo. Mudando a cara, restauro o rosto. Mudando o entorno, salvo o estofo. Mudando os ares, recupero o fôlego. Mudando a letra, liberto o espírito.
Para mudar não é preciso muito. Nem pouco. Nem sempre os outros reparam. Todos notam. Atribuem notas. Avaliam. As mudanças mais profundas parecem tão inofensivas. Eu mudando, o mundo dos outros não muda. Mas, o meu, sim.
Mudarei de repente e lentamente. Mudarei num piscar de olhos depois de muito planejar. Mudarei por dentro e por fora, mudarei sem fazer rascunho. Mudarei agora. Pronto, mudei.
A mudança me fez ser a criança que jamais fui. Mudei de jogo. Mudei de lado. Mudei num pulo. Mudei e ninguém sabe para onde fui.
Gostei de mudar. A mudança me fez bem. Você não vê, leitor/leitora, mas a mudança já começou a influenciá-lo/a. A mudança começa devagar. Vai comendo pelas bordas. Vai roendo pelos cantos. Vai subindo pouco a pouco. Vai entrando pelas brechas.
Mudado, posso fazer o novo, de novo. Mudado, reafirmo que não morrerei para sempre. Mudado, posso voltar para casa. Meu nome é o mesmo, mas a assinatura mudou. Minha vida, idas e vindas.
Gabriel Perissé*
*professor e escritor
Publicado no jornal digital Correio da Cidadania
sexta-feira, dezembro 05, 2008
Papagaio!
Zeca conta de uma caçada que fez sozinho, num dia de muito azar:
– Já tinha andado meio dia no mato e não encontrei nenhum bicho que valesse um cartucho. Fiquei irritado, pensei: qualquer bicho que aparecer agora, eu mato. Pode ser passarinho, tatu, macaco ou qualquer outra coisa. Tenho que tirar o azar.
Saiu do mato e entrou por um pasto, cada vez mais bravo. No meio do pasto, saiu um papagaio voando a toda velocidade em sua direção:
– É nesse papagaio mesmo que eu vou mandar chumbo.
Mas, quando ia fazer a mira para atirar no papagaio em pleno vôo, viu por que ele voava tão depressa:
– Tinha um baita gavião voando no calcanhar dele. Então, resolvi matar o gavião, em vez do papagaio. Mirei bem, calculei a velocidade do vôo e pá... o gavião caiu morto e o papagaio continuou voando. Deu uma volta, passou perto do mato gritando e aí saiu um bando enorme de papagaios desse mato, voando alto, vindo pro meu lado. Quando estavam bem em cima de mim, baixaram todos de uma vez. Até bem baixo, perto do chão, e gritaram:
VIVA O ZECA!
Mouzar Benedito
Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
quinta-feira, dezembro 04, 2008
O Perdão e a Promessa
Se não fôssemos perdoados, eximidos das consequências daquilo que fizemos, a nossa capacidade de agir ficaria por assim dizer limitada a um único acto do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas das suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço.
Se não nos obrigássemos a cumprir as nossas promessas não seríamos capazes de conservar a nossa identidade; estaríamos condenados a errar desamparados e desnorteados nas trevas do coração de cada homem, enredados nas suas contradições e equívocos - trevas que só a luz derramada na esfera pública pela presença de outros que confirmam a identidade entre o que promete e o que cumpre poderia dissipar. Ambas as faculdades, portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma.
Hannah Arendt, in A Condição Humana
quarta-feira, dezembro 03, 2008
Livre-arbítrio
Se não quer família, birra, comida,
se não quer gíria ou café da manhã...
não queira.
Se não quer relógio, aconchego, piscina,
remédio, tampouco telefonema...
não queira.
Se não quer paixão, luxúria, ódio,
se não quer malícia, hastear bandeiras...
não queira.
Se não quer afeto, sexo, veneno,
piedade, ser feliz de qualquer maneira...
não queira.
Se não quer sabor, vinho, o beijo,
assistir filme, criar dilemas...
não queira.
Se não quer dançar, amar, amargurar,
abraçar, dormir, velar...
não queira.
Se não quer sorrir, parir, chorar,
se não quer gritar até...
não queira.
Se não quer sofrer, ferir, refletir,
tampouco viajar para outro país...
não queira.
O livre-arbítrio existe através de negativas.
Carla Dias*
*poetisa barsileira
terça-feira, dezembro 02, 2008
Diálogo de pensadores
O professor Antoni Domènech, catedrático de Filosofia Moral da Faculdade de Ciências Económicas da Universidade de Barcelona e editor da revista política internacional Sin Permiso, idealizou um diálogo entre os economistas e filósofos Adam Smith e Karl Marx, a propósito da crise actual do capitalismo financeiro, no qual os dois pensadores põem a nu os “usos e abusos” que em seu nome foram feitos ao longo dos dois últimos séculos e no que vai decorrido do século actual.
A versão original do interessante diálogo pode ser lida aqui; há uma tradução para português do Brasil que não tem o “sabor” do diálogo original, mas que contém notas informativas sobre algumas passagens do texto.
segunda-feira, dezembro 01, 2008
Caos Urbano
Sirenes alucinantes
Luzes no asfalto molhado
Gado humano caminhando
Para o abate diário
Reféns do próprio ego
Proclamam-se reis,
Monarcas de sua estupidez.
Pregações e pregões
Vendem tudo...liquidação
O paraíso em três vezes
Sem juros, juro por Deus
Corremos em círculo
Fugindo da sombra
Medo, pânico, muito pânico
Muito pano para a manga
Soldados desfilam
Sobre os cadáveres
Dos que lutam pela vida
Acuados nos becos, nas marquises,
Nas pontes, nos túneis.
Chaminés, escapamentos, fossas nasais
De todos os buracos brotam fumaça
Fome, muita fome de tudo
As pessoas fogem aos olhares
E são muitos os olhos
O anti-sonho psicodélico
Cristalizado em concreto
Campo de batalha, caos urbano.
Carlos Carvalho Cavalheiro*
*poeta paulista