domingo, janeiro 07, 2007

Criança para toda a vida - II Cerca de 30 horas depois de eu ter aqui afixado um post sobre a pequena Ashley, a RTP1 abordou a questão. E o que fez? Durante os mais de dois minutos que durou a reportagem, passou várias das fotografias que constam do blogue dos pais da menina, deu a conhecer alguns dos motivos dos pais e entrevistou um "especialista", Daniel Serrão. Isso mesmo. Um professor catedrático de medicina de 78 anos de idade, que representa o que de mais retrógrado existe na área da bioética médica. Que subscreveu a petição para que se fizesse um referendo sobre a Procriação Medicamente Assistida e sobre a utilização de embriões excedentários na Investigação em Células Estaminais Embrionárias. Que, entre outras organizações, é membro da Academia Pontifícia para a Vida, grupo de aconselhamento do Papa para as questões ligadas à vida. O que se esperava de uma pessoa destas? Claro que só podia ser uma posição frontalmente contra, com acusações de falta de ética aos médicos que lidaram com a situação e a condenação liminar dos pais da menina. É esta a televisão de serviço público que temos. Quem tiver uma visão diferente da da casa, não é ouvido. Se alguém tiver alguma dúvida, leia o Parecer sobre investigação em células estaminais, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vída (47/CNECV/2005) e a declaração de voto do venerando professor.

9 comentários:

Anónimo disse...

Enfim.O que realmente conta é que já pouca gente lhes dá ouvidos.

cãorafeiro disse...

lino, concordo consigo quanto à sistemática escolha do professor serrão como autoridade nas questões de bio-ética.

mas não concordo consigo em relação a este caso.

esta rapariga está a ser sujeita a um sofrimento desnecessário por razões que nada têma ver com o seu bem-estar.

ela pode ter um atraso mental profundo, mas sente.

bem sei que é muito difícil lidar com a passagem à puberdade das pessoas em situações como esta, mas não posso de modo algum aceitar tal prática.


concordo sim com a perspectiva deste blog:

http://www.sindromedeestocolmo.com/archives/2007/01/garota_interrompida_o_medo_da_sexualidade.html

repare no post scriptum do referido post...

Anónimo disse...

Na minha opinião o pior de tudo é mesmo não serem ouvidas as outras partes. Choca-me como uma televisão que devia ser pública, induz as pessoas em erro com opniões muito enviesadas.
Uma vez que tenho uma profissão ligada a investigação, por vezes deparo-me com opiniões aberrantes que sei que não passam de um plagio de opiniões ouvidas na televisão!
Serviço Público? esse deveria ser dar os lados da questão e permitir uma opinião própria...

lino disse...

Cara cãorafeiro:
Segui a ligação que me indicou e, por mais que procurasse, não conseguir encontrar o artigo, para ver a perspectiva de abordagem: Mas vamos por partes.

O tratamento da menina foi previamente aprovado pela Comissão de Ética do Hospital de Seattle. Embora isso não constitua, só por si, um argumento irrefutável sobre a correcção ética do procedimento, com certeza que os membros da referida Comissão, possuidores de todos os dados do problema, estavam mais aptos a decidir do que qualquer pessoa a muitos milhares de quilómetros de distância, para mais, segundo acredito, sem qualquer informação adicional à que está disponível na rede, se é que tinha consultado essa. Além disso, entre os especialistas que manifestaram publicamente o seu apoio, contam-se o Dr. Thomas Stuttaford, médico especialista em doenças do foro génito-urinário e colunista médico do The Times há mais de 20 anos, e o Dr. George Dvorsky, director do Institute for Ethics and Emerging Technologies, instituição independente com sede nos Estados Unidos, cuja finalidade está claramente indicada no seu nome. Ora, o IEET foi fundado pelo bioético James J. Hughes e pelo filósofo Nick Bostrom, este a figura mais destacada do transhumanismo a nível mundial. Não é por isso que eu concordo, pois tenho cabeça para pensar por mim. Mas não estou sozinho.

Diz que a menina está a ser sujeita a um sofrimento desnecessário, mas isso não é verdade. O sofrimento que teve foi o normal do pós operatório das intervenções ao útero é às glândulas mamárias, dado que o tratamento com estrogénio não provoca dor.

Comparemos, mesmo assim, a dor a que foi sujeita com aquela que lhe foi evitada, dado que a sua idade mental de três meses não permite falar-se em atentados aos seus direitos reprodutivos (só poderia, eventualmente, engravidar por violação) ou à sua dignidade. E o que evitou e proporcionou o tratamento?

Para não ser exaustivo:
Permite uma melhor qualidade de vida dado ser muito mais simples de tratar, em termos de alimentação e higiene, principalmente quando os pais faltarem;
Permite evitar melhor as feridas de um acamamento contínuo, pelo menor peso e altura:
Evita os incómodos do ciclo menstrual e o risco de desenvolvimento do cancro do útero;
Evita o desenvolvimento de fibrocistos e do cancro da mama;
Eliminando o crescimento dos seios que, pela sua precocidade, se adivinhavam volumosos, diminui os riscos de assédio sexual; e não nos esqueçamos que há pessoas capazes de tudo.

Por tudo isto e por outras coisas mais, não posso senão apoiar a decisão dos pais e dos médicos que trataram a menina. O título do link parece indicar medo da sexualidade. Eu, não o tendo lido, acho que isso, se for mesmo assim, é uma visão redutora.

Eurydice disse...

Também não consegui ler o referido artigo.

Tinha muito interesse em lê-lo, pois também não me sentia segura quanto ao valor ético da coisa, embora sem pôr em causa o amor dos pais pela filha, que me parece inquestionável.
Quando se tem dúvidas, nada como ouvir diferentes pontos de vista! ;)

Aquilo que Lino diz faz todo o sentido. Tenho estado sempre com o HABLA CON ELLA persente, desde o primeiro post...
Estou inclinada em concordar com o Lino!... :) Os seus argumentos são claros, directos e referem-se a dados concretos e verificáveis

Eurydice disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
cãorafeiro disse...

lino, não é uma questão de direitos reprodutivos...

lá por a idade mental desta pessoa ser de x meses, nem por isso ela deixa de ter direito ao desenvolvimento normal do seu corpo.

e isto:

««« O sofrimento que teve foi o normal do pós operatório das intervenções ao útero é às glândulas mamárias, dado que o tratamento com estrogénio não provoca dor.»»»


sofrimento desnecessário sim, porque o útero não deveria ter sido tirado a menos que tivesse tumores ou coisa parecida...

pensando bem, tudo isto me parece absolutamente tenebroso.

cãorafeiro disse...

então... o argumento do habla con ella...

mas as raparigas normais também correm o risco de serem violadas.

o medo da violação, do abuso por parte dos homens, é o que os fundamentalistas usam para manter as mulheres fechadas em casa, e cobri-las com burkas da cabeça aos pés...

isso não e argumento.

eu sei que é difícil lidar com defecientes profundos, porque uma familiar minha trabalha nessa área.

é muito complicado, com os rapazes, o problemas das erecções.


deveriamos castrá-los???

Eurydice disse...

A diferença entre esta menina e as outras, é que as OUTRAS, Cão, podem gritar quando se sentem atacadas, defenderem-se melhor ou pior. Podem denunciar, em último caso.

Ter uma erecção é diferente de ser violada e fecundada sem o desejar ou sequer saber, não?... É uma falsa analogia, essa, Cão...

E penso que aqueles aspectos citados por Lino têm muita justeza. Bem sei que é um bem-estar FUTURO, mas é, de qualquer modo, bem-estar que lhe querem proporcionar.

Não digo que TODA A GENTE deve fazer assim. Não é isso. Mas compreendo que os pais dela tenham feito esta escolha. Mais: pelas razões aduzidas, acho-a legítima. Se eu fazia o mesmo? Não sei, nem vem ao caso...