sexta-feira, novembro 23, 2012

História

O senhor do monóculo
usava uma boca desdenhosa
e na botoeira, a insolência
duma rosa.

Era o poeta.

Quando passava
- figura subtil e correcta,
toda a gente dizia
que era o poeta.

- Era, portanto, o poeta...

Mas um dia
o senhor de monóculo
quebrou o monóculo,
guardou a boca desdenhosa
e esqueceu na mesa de cabeceira
a flor que punha na botoeira,
a insolente rosa...

Entrou nas tabernas e bebeu,
cingiu o corpo das prostitutas,
jogou aos dados e perdeu,
deu a mão aos operários,
beijou todos os calvários
- e aprendeu.

E o mundo,
que o chamava poeta,
esqueceu;
e quando o via passar
limitava-se a exclamar:
- o vagabundo!

Mas o senhor do antigo monóculo,
da antiga figura subtil e correcta,
sentia vozes dentro de si,
vozes de júbilo que diziam:
- É o Poeta! É o Poeta!...


(poeta madeirense que hoje faz 82 anos)

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