Empurro a
porta
Empurro a
porta, experimento a chave, encosto o tapete
à parede,
entro pelas traseiras. Na casa há um momento
em que não
há tempo, eu fico de pé sem me mexer e a luz
diminui, de
gabardina, de pé, na casa quase vazia, de mala
na mão, sou
um homem filmado de todos os ângulos.
O gato, o
cão, o inominável insecto, todos saúdam a minha cara
baixa, com
dois olhos distraídos e um nariz afunilado.
Só a
expressão dessa cara não engana que o rol das frustrações
já nem
aumenta, é. E como é de tarde, ponho-me a pensar
que de tarde
é que é bom e há já uns bons anos que nunca mais.
Uma culpa
sente-se nas paredes molhadas enquanto demoro
ainda mais
tempo a tirar a gabardina, poisar a mala. Contudo,
como se
tivesse olhos na nuca, vejo a toda a volta o silêncio.
Eis o meu
pequeno mundo vazio, mundo tão mentiroso como eu,
aqui não há
dúvida de que cada palavra rola, metálica,
até
encontrar a linha resistente, cadeira onde se instale.
Algum tempo
demorarão os ossos a cair, se a morte tivesse
surpresa e o
meu corpo deslizasse em olhos de sangue
e
impaciência pela parede ainda nova e fresca de tintas brancas.
Ao dar
finalmente um pequeno passo, sinto-me segmento
de
fragmento, distância semeada por justos contemporâneos.
(poeta
setubalense que hoje faz 67 anos)
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