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quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Três coisas

Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido

Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?

Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
Do teu olhar

O tempo levanta o muro.

A morte será o escuro?

Em teu olhar me procuro


(Paulo Mendes Campos nasceu faz hoje 91 anos)

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

As velas da memória

Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida

Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.

Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?

Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?

E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder


(Ruy Belo faria hoje 80 anos)

terça-feira, fevereiro 26, 2013

Poema casa própria
 
na
terra
baldia
poesia
com pá
enxada
&
coragem

invada
a página
pela
margem

Kátia Bento

(poetisa espírito-santense)

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Esse homem que vai sozinho

Esse homem vai sozinho
Por estas praças, por estas ruas,
Tem consigo um segredo enorme,
É um homem.
Essa mulher igual às outras,
Por estas ruas, por estas praças,
Traz uma surpresa cruel,
É uma mulher.

A mulher encontra o homem,
Fazem ar de riso, e trocam de mão,
A surpresa e o segredo aumentam
Violentos.

Mas a sombra do insofrido
Guarda o mistério na escuridão.
A morte ronda com sua foice.
Em verdade, é noite.


(poeta paulista falecido a 25 de Fevereiro de 1945)

domingo, fevereiro 24, 2013

A Guerra

E tropeçavam todos nalgum vulto,
quantos iam, febris, para morrer:
era o passado, o seu passado - um vulto
de esfinge ou de mulher.

Caíam como heróis os que não o eram,
pesados de infortúnio e solidão.
(Arma secreta em cada coração:
a tortura de tudo o que perderam.)

Inimigos não tinham a não ser
aquela nostalgia que era deles.
Mas lutavam!, sonâmbulos, imbeles,
só na esp'rança de ver, de ver e ter
de novo aquele vulto
-  imponderável e oculto -
de esfinge, ou de mulher.


(David Mourão-Ferreira nasceu faz hoje 86 anos)

sábado, fevereiro 23, 2013

Encantatória

Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.

Custa é saber
como se emenda a morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria.


(poetisa lisboeta falecida faz hoje 24 anos)

O Zeca partiu faz hoje 26 anos

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Emeli Sande - Next To Me
Perguntas

Onde estavas tu quando fiz vinte anos
E tinha uma boca de anjo pálido?
Em que sítio estavas quando o Che foi estampado
Nas camisolas das teen-agers de todos os estados da América?
Em que covil ou gruta esconderam as suas armas
Para com elas fazer posters cinzeiros  e emblemas?
Onde te encontravas quando lançaram mão a isto?
E atrás de quê te ocultavas quando
Mataram Luther King para justificar sei lá que agressões
Ao mesmo tempo que víamos Música no Coração
Mastigando chiclets numa matinée do cinema Condes?
Por onde andavas que não viste os corações brancos
Retalhados na Coreia e no Vietname
Nem ouviste nenhuma das canções de Bob Dylon
Virando também as costas quando arrasaram Wiriammu
E enterraram vivas
Mulheres e crianças em nome
De uma pátria una e indivisível?
Que caminho escolheram os teus passos no momento em que
Foram enforcados os guerrilheiros negros da África do Sul
Ou Allende terminou o seu último discurso?
Ainda estavas presente quando Victor Jara
Pronunciou as últimas palavras?
E nem uma vez por acaso assististe
Às chacinas do Esquadrão da Morte?
Fugiste de Dachau e Estalinegrado?
Não puseste os pés em Auschwitz?
Que diabo andaste a fazer o tempo todo
Que ninguém te encontrou em lugar algum.


(Joaquim Pessoa faz hoje 65 anos)

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Epitáfio para um Tirano

Perfeição, de algum modo, era o que ele buscava,
E a poesia que inventava era fácil de entender;
Conhecia a loucura humana como as costas da sua mão,
E interessava-se muito por exércitos e flotilhas;
Quando ria, respeitáveis senadores rompiam em gargalhadas,
E quando ele chorava pequenas crianças morriam pelas ruas.


(poeta anglo-americano nascido a 21 de Fevereiro de 1907)

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Mágoa

Não tingirei minha mágoa com fel
cairá gota a gota
durante a noite em segredo
e cristalina
alimentando a terra em meu jardim

na primavera nascem novas flores


(poetisa montemorense que hoje faz 51 anos)
Amizade

Uma criança muito suja atira pedras a um cão. O cão
             não foge. Esquiva-se e vem até junto da criança
             para lhe lamber o rosto.

Há, depois, um abraço apertado, de compreensão e
             de amizade. E lado a lado, com a mãozinha muito
             suja no pescoço felpudo, lá vão, pela rua estreita,
             em direcção ao sol.


(poeta albicastrense que hoje faz 77 anos)
O BICHO HARMONIOSO

Eu gostava de ter um alto destino de poeta,
Daqueles cuja tristeza agrava os adolescentes
E as raparigas que os leem quando eles já são tão leves
que passam a tarde numa estrela,
A força do calor na bica de uma fonte
E a noite no mar ou no risco dos pirilampos.

Assim, gloriosos mas sem porta a que se bata;
Abstratos mas vivos;
Rarefeitos mas com o hálito nebuloso nas narinas dos animais,
Insinuado nos lenços das mulheres belas, cheios de lágrimas,
Misturado às ervas grossas da chuva
E indispensável aos heróis que vão rasgar no céu, enfim, o último sulco!

Ser a vida e não ter já vida era um destino.

Depois, dar a minha Mãe a glória de me ter tido;
A meu Pai, vendado de terra, um halo da minha luz; e tocar tudo,
Onde eu houvesse estado, de uma sagração natural;
Não digo como as Virgens Aparecidas,
Que tornam imbecis e radiosos os pastorinhos,
Mas como certo orvalho de que me lembro, em pequeno –
Para lá da janela a luz cortada por chuva,
E uma prima que amei, a rir, molhada, chegando;
Mar ao fundo.

Tudo isto, e vontade de dormir, também em pequenino,
E logo uma mão de mulher pronta a fingir de asa aberta,
E preguiça,
Impressão de morrer do primeiro desgosto de amor
E de ir, vogando, num negrume que afinal é toda a luz que nos fica
Desse amor forrado de desgosto,
Como as estrelas encobertas,
Que, depois de girar a nuvem, mostram como estão altas:

Tudo isto seria aquele poeta que não sou,
Feito graça e memória,
Separado de mim e do meu bafo individualmente podre,
Livre das minhas pretensões e desta noite carcomida
Pelo meu ser voraz que se explora e ilumina.

Mas não. Do canto necessário
Para me diluir em som e no ar que o guardasse
(Como o nervo do degolado alonga em tremor seu pasmo)
Não chego a soltar senão uma vaga nota,
E a noite faz muito bem em vergar uma gruta sem ecos
No meu buraco vil de bicho harmonioso.

Deixarei, estampada pelo silêncio definitivo,
A ramagem fremente dos meus dedos num pouco de terra
Estranho fóssil!


(Vitorino Nemésio faleceu faz hoje 35 anos)

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Tempo de Poesia

Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã
à névoa do outo dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia

Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.


(Rómulo Vasco da Gama de Carvalho faleceu faz hoje 16 anos)
De Não Ser, Sendo Constantemente

Não sou o mesmo de olhar vazio
e palavra sem conseqüência usada.
Andei pesando este medo
em interrogações do que seria o poeta
ante estruturas que o antecederam,
cercos de ferro, fechos de ferro, cercos.

No caminho de minha volta
esqueci canções, dupliquei memórias,
e aceito como verdade humana
que o homem é um caminho ao homem,
processo e pouso, caminhante e rota.


(poeta baiano que hoje faz 72 anos)

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

As Iluminações

Desabo em ti como um bando de pássaros.

E tudo é amor, é magia, é cabala.
Teu corpo é belo como a luz da terra
na divisão perfeita do equinócio.

Soma do céu gasto entre dois hangares,
és a altura de tudo e serpenteias
no fabuloso chão esponsálício.

Muda-se a noite em dia porque existes,
feminina e total entre os meus braços,
como dois mundos gêmeos num só astro.


(poeta alagoano nascido faz hoje 91 anos)

domingo, fevereiro 17, 2013

A poesia que desce ao poeta

Poeta, ser estranho, ser enigmático entre os seres!
Vejo-o, isolado das cores, das formas e das idéias,
Isolado, nessa crepuscular solidão que o acompanha.

E é então que vejo descer sobre ele
Uma como sombra de celestiais eflúvios:
- A Poesia, a Poesia de inesperadas ressonâncias,
A grande Poesia, que é uma exalação indefinível,
Que é um som infinito, vindo de outras esferas,
Que é a comunicação miraculosa de outros seres
e de outras regiões.


poeta pernambucano nascido faz hoje 115 anos

sábado, fevereiro 16, 2013

A Gente Nunca Está Só

A gente nunca está só.
Ou se está com uma saudade
De um sonho desfeito em pó;
Ou se está com uma esperança
De nova felicidade
No coração que não cansa...

Sempre uma sombra com a gente,
Constantemente
Uma sombra... Boa... ou má...
Só é que nunca se está.


(poeta pernambucano nascido faz hoje 125 anos)

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Abel Ferreira nasceu a 15 de Fevereiro de 1915
Sabedoria

Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade
uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece...


(poeta carioca falecido a 15 de Fevereiro de 1935)

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

A PAZ

Se eu te pedisse a paz, o que me darias
pequeno insecto da memória de quem sou
ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz,
a pedra do silêncio cobrindo-me de pó,
a voz limpa dos frutos, o que me darias
respiração pausada de outro corpo
sob o meu corpo?
Perdoa-me ser tão só, e falar-te ainda
do meu exílio. Perdoa-me se não te peço
a paz. Apenas pergunto: o que me darias
em troca se ta pedisse? O sol? A sabedoria?
Um cavalo de olhos verdes? Um campo de batalha
para nele gravar o teu nome junto ao meu?
Ou apenas uma faca de fogo, intranquila,
no centro do coração?
Nada te peço, nada. Visito, simplesmente,
o teu corpo de cinza. Falo de mim,
entrego-te o meu destino. E a morte vivo
só de perguntar-te: o que me darias
se te pedisse a paz
e soubesses de como a quero construída
com as matérias vivas da liberdade?


(poeta louletano que hoje faz 75 anos)
Bem-vindo





















Augusto de Campos

(poeta paulista qu hoje faz 82 anos)

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

TEMA DE FOGO E MAR

Só o fogo e o mar podem olhar-se
sem fim. Nem sequer o céu com a s suas nuvens.
Só o teu rosto, só o mar e o fogo.
As chamas, e as ondas, e os teus olhos.

Serás de fogo e mar, olhos escuros.
De onda e chama serás, negros cabelos.
Conhecerás o desenlace da fogueira.
E saberás o segredo da espuma.

Coroada de azul como a onda.
Aguda e sideral como a chama.
Só o teu rosto interminavelmente.
Como o fogo e o mar. Como a morte.


(poeta colombiano falecido faz hoje 28 anos)

Tradução José Agostinho Batista

terça-feira, fevereiro 12, 2013

O que me agrada no teu corpo…

O que me agrada no teu corpo é o sexo.
O que me agrada no teu sexo é a boca.
O que me agrada na tua boca é a língua
O que me agrada na tua língua é a palavra.


(escritor argentino falecido faz hoje 29 anos)

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Sheryl Crow faz hoje 51 anos
Palavras

Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.


(poetisa estado-unidense falecida faz hoje 50 anos)

(tradução de Ana Cristina César)

Afixado em 11/02/2013

domingo, fevereiro 10, 2013

Quadro

Lá vem nho Cacai da ourela do mar
Acenando a sua desilusão
De todos os continentes!
Ele traz o peito afogado em maresias
E os olhos cansados da distancia das horas...

Lá vem nho Cacai
Com a boca amarga de sal
A boiar o seu corpo morto
Na calmaria da tarde!

Nho Cacai vem alimentar os seus filhos
Com histórias de sereias...
Com histórias das farturas das Américas...

Os seus filhos acreditam nas Américas
E sabem dormir com fome...


(poeta cabo-verdiano que hoje faz 78 anos)

sábado, fevereiro 09, 2013

A fera

Das cavernas do sono das palavras, dentre
os lábios confortáveis de um poema lido
e já sabido
voltas

para ela - para a terra
maleável e amante. Dela
de novo te aproximas

e de novo a enlaças firme sobre o lago
do diálogo, moldas
                              novo destino

Firme penetra e cresce a aproximação conjunta
E ocupa um centro: A morte, a fera
da vida
te lambendo


(poeta paraense falecido faz hoje 4 anos)

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Não Choro

A dor não me pertence.

Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.

Carrega os céus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...

Corre nas veias do ar,
atrai nos abismos,
curva os pinheiros...

E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
surge nos meus olhos
presa a um pássaro a morrer
no céu indiferente.

Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.


(José Gomes Ferreira faleceu faz hoje 28 anos)
Wando faleceu faz hoje 1 ano
O Grande Momento

A varanda era batida pelos ventos do mar 
As árvores tinham flores que desciam para a  
 morte, com a lentidão das lágrimas. 
Veleiros seguiam para crepúsculos com as  
asas cansadas e brancas se despedindo, 
O tempo fugia com uma doçura jamais de  
novo experimentada. 
Mas o grande momento era quando os meus 
olhos conseguiam 
entrar pela noite fresca dos seus olhos... 


(poeta carioca falecido faz hoje 48 anos)

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Definições

A vida

Diria melhor o tempo?
Mas não
não era o tempo
era a vida
um somatório de tempos
e de espaços

a vida estava agora
de tal modo concentrada
que pouco lhe sobrava
ou mesmo nada


(Yvette Kace Centeno faz hoje 73 anos)

quarta-feira, fevereiro 06, 2013