Páginas

quinta-feira, maio 31, 2012


Jason Mraz - I Won't Give Up
Prêntice faria hoje 56 anos, mas faleceu aos 49.
Cai-me no colo Amor...

Cai-me ao colo Amor de súbito
Um susto, um esgar, um bramido.
Estertor de tudo – desamor Amor ao avesso?
Quero-vos lúmpen, maltrapilha, campesina
Quero-vos riacho e manso açude.
Amor, entanto, vocifera pontiagudo
Mural de rochas e lascas e espelhos e cardumes
A fingir do Amor – casta figura? –
O Desamor em pêlo, às turras,
Aos vozeios, facas, murros, unhas
A alvoroçar o silêncio de agulhas.


(escritor paranaense falecido faz hoje 2 anos)

quarta-feira, maio 30, 2012

POESIA DA VIDA EM MARCHA

A poesia da vida em marcha
tem ritmo diferente.

Ritmo irregular e desigual
de milhões de martelos
batidos descompassadamente
por milhões de mãos;
de milhões de enxadas
movidas desordenadamente
por milhões de braços;
de milhões de pés
andando desesperadamente
não se sabe para onde.

A poesia da vida em marcha
tem música diferente.

Música sem som
das sirenes das oficinas,
dos apitos das locomotivas,
dos roncos dos motores,
dos gritos das revoltas interiores
dos homens que sofrem nas oficinas,
queimam os pulmões nas caldeiras das locomotivas
e morrem de fome nas fábricas de motores.

A poesia da vida em marcha
tem rimas diferentes.

Rimas sem música,
sem versos que terminam em sílabas iguais.
Rimas de palavras diferentes,
com o mesmo sentido na boca dos que sofrem.

Rimas de palavras que rimam
apenas na idéia,
no pensamento.
Rimas estranhas
de tirania com sofrimento,
de sofrimento com união.

De união com liberdade.

A poesia da vida em marcha
tem  cadência diferente.

Cadência de passos trôpegos
das crianças sem pão,
das mulheres sem lar,
dos homens sem trabalho.
Cadência brutal
das patas de cavalos pisando carne,
de patas de cavalos pisando sangue
dos homens sem trabalho,
das mulheres sem lar,
das crianças sem pão.

Cadência violenta
de braços se estirando num esforço cada vez maior
como quem empurra qualquer coisa.
Cadência confiante, enérgica,
de punhos cerrados batendo,
batendo,
batendo,
de uma só vez,
simultaneamente,
compassadamente,
como quem derruba qualquer coisa.


(Mário Lago faleceu faz hoje 10 anos)

terça-feira, maio 29, 2012

Jeff Buckley faleceu faz hoje 15 anos, com apenas 30 de idade
Diante do mar

Oh, mar, enorme mar, coração feroz
de ritmo desigual, coração mau,
eu sou mais tenra que esse pobre pau
que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas.

Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
eu passei a vida a perdoar,
porque entendia, mar, eu me fui dando:
“Piedade, piedade para o que mais ofenda”.

Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.

Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.

Empobreci porque entender aflige,
empobreci porque entender sufoca,
abençoada seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como a espuma.

Mar, eu sonhava ser como tu és,
além nas tardes em que a minha vida
sob as horas cálidas se abria…
Ah, eu sonhava ser como tu és.

Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
com toda a dor que me vence, com o sonho todos;
mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
de tornar-me soberba, inacessível.

Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
Ar do mar!… Oh, tempestade! Oh, enfado!
Pobre de mim, sou um recife
E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a e engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!

Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança…
A minha vida deve ter sido horrível,
deve ter sido uma artéria incontível
e é apenas cicatriz que sempre dói.


(poetisa argentina nascida faz hoje 120 anos)

(Tradução de José Agostinho Baptista)

segunda-feira, maio 28, 2012

Grito Negro

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.


(José Craveirinha nasceu faz hoje 90 anos)

domingo, maio 27, 2012

SaReGaMa - Kalimba solo for Lotus
Resistência

Não. Digo à explosão de ameaça
e à rapada paisagem do desterro.
E não. Digo à minha carcaça
encalhada em bancos de ferro
e ao cordame dos nervos, fustigado,
a ranger no silêncio a sós:
Por cada nervo quebrado
que se inventem mais nós.


(Luís Maria Leitão nasceu em Moimenta da Beira faz hoje 100 anos)

sábado, maio 26, 2012

Peggy Lee nasceu faz hoje 92 anos
Nós Duas

Parecemo-nos muito; assim dizem - e eu o creio.
Além do mesmo sangue, almas iguais nós temos;
pois, pelo mesmo ideal e com o mesmo anseio,
dentro da vida, nós lutamos e sofremos.

Vemos na arte um refúgio, um oásis, um esteio
para a nossa inquietude, e num barco sem remos
vagamos à mercê do próprio devaneio,
sabendo que jamais à enseada chegaremos...

E, apesar de ela ter todo um sol na cabeça
e o nevoeiro do inverno a minha já embranqueça,
da angústia de minha alma a sua compartilha.

Ela pensa, eu medito... Ela sonha, eu me lembro...
Nossa pobreza é igual de Dezembro a Novembro.
Quem somos, afinal? Apenas, mãe e filha.


(poetisa brasileira nascida faz hoje 130 anos)

sexta-feira, maio 25, 2012

Ocaso

O amor
Em mim desenhou um ocaso.

O coração
Está na curva do rio,
Onde passam os cavalos.

Júlia Lemos

(poetisa pernambucana)

quinta-feira, maio 24, 2012

Tempo

no início era o começo.
o depois veio vindo devagar.
o antes veio depois do depois.
só quando esse se estabeleceu.
no princípio era o agora.
isso demorou até que
tudo virou antes e depois.
então uma revolução peluda
o agora voltou ao trono.
antes e depois viraram
falta do que fazer.
e tanto fizeram
que o agora virou tudo
e o tudo, nada.
de volta ao princípio
o agora congelou.
o antes fica pra depois.


(poeta carioca que hoje faz 61 anos)

quarta-feira, maio 23, 2012


Patrick Hadley – A Simple Song
Joe Pass faleceu faz hoje 18 anos
Vida

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.

Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial
(e acabei perdendo).

Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!

Viva!!

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é MUITO para ser insignificante.


(poeta rondoniano que hoje faz 32 anos)

terça-feira, maio 22, 2012

Os Cantos do Crepúsculo

Desde que eu meu lábio levei ao copo plenamente cheio,
Desde que eu minhas mãos coloquei em minha fronte pálida,
Desde que eu respirei às vezes o sopro suave
De tua alma , perfume de tua sombra enterrada,
Desde que me era dado ouvir um ao outro me chamar
As palavras que se derramam no coração misterioso,
Desde que eu vi chorar , desde que eu vi sorrir
Sua boca em minha boca e seus olhos em meus olhos;
Desde que eu vi brilhar em minha cabeça encantada
Um raio de tua estrela, ai! sempre escondida,
Desde que eu vi desabar nas ondas de minha vida
Uma folha de rosa arrancou os teus dias,
Eu me coloco agora a contar os rápidos anos:
- Passam! Passam sempre! Eu não tenho mais a idade!
Vou partir para que tuas flores desbotem todas;
Eu tenho na alma uma flor que ninguém pode colher!
Suas asas batendo não farão que nada se derrame
Do vaso d’água que bebo e que eu bem enchi
Minha alma não tem mais fogo do que vós possuís em cinzas!
Meu coração não tem mais amor do que vós possuis esquecimento!


(Victor Hugo faleceu faz hoje 126 anos)

segunda-feira, maio 21, 2012

Alquimia

A febre incandesce a água,
a água abrasa o fogo
e o fogo, o corpo aceso,

agora tornado ouro.


(escritora paraense que hoje faz 79 anos)

domingo, maio 20, 2012

A Vagina

É cálida flor
E trópica mansamente
De leite entreaberta às tuas
Mãos

Feltro das pétalas que por dentro
Tem o felpo das pálpebras
Da língua a lentidão

Guelra do corpo
Pulmão que não respira

Dobada em muco
Tecida em água

Flor carnívora voraz do próprio
suco
No ventre entorpecida
Nas pernas sequestrada.


(Maria Teresa Horta faz hoje 75 anos)

sábado, maio 19, 2012

Ápice

O raio do sol da tarde
Que uma janela perdida
Refletiu
Num instante indiferente -
Arde,
Numa lembrança esvaída,
À minha memória de hoje
Subitamente…

Seu efémero arrepio
Ziguezagueia, ondula, foge,
Pela minha retentiva…
- E não poder adivinhar
Porque mistério se me evoca
Esta ideia fugitiva,
Tão débil que mal me toca!…

- Ah, não sei porquê, mas certamente
Aquele raio cadente
Alguma coisa foi na minha sorte
Que a sua projeção atravessou…

Tanto segredo no destino de uma vida…

É como a ideia de Norte,
Preconcebida,
Que sempre me acompanhou…


(Mário de Sá-Carneiro nasceu faz hoje 122 anos)

sexta-feira, maio 18, 2012



Ian Curtis faleceu faz hoje 32 anos
Punhal da aurora

Ainda escuto a fala do meu pai,
iluminando o silêncio de tapeçaria
da nossa casa de telhado verde.
O rio que lavava a ruazinha estreita
não vegetava mágoas.
Ainda escuto a canção da aurora
que tocava o homem do realejo
com seus olhares retos
e o sorriso de orvalho.
Saudade de Maria
com seu olhar umedecido de alvorada.
Muitas vezes, muitas, percorri a rua
carregando sonhos nas mãos inocentes,
brincando com meus irmãos que nesse tempo
eram apenas anjos de porcelana,
num país sem memória.
Hoje que Rominha tem outro nome
e outras as crianças que ali residem,
a perspectiva das casas tornou-se paralela.
Deuses tiranos caminham sobre a lama viva
e os jardins que sorriam,
como as janelas, agora são de nuvens.

Como a infância corre depressa
na terra grávida do tempo.

Os meus castelos,
já não são fantasiados de papoulas,
mas castelos de vento.

Os meus sonhos agora já não têm a cor do gerânio
e o sol que havia no meu olhar
tornou-se uma saudade ancestral.

Carlos Cunha

(poeta maranhense nascido faz hoje 79 anos)

quinta-feira, maio 17, 2012

Donna Summer faleceu hoje, aos 63 anos, vítima de cancro
AUTOBIOGRAFIA

Algumas poucas tabernas, velho armário,
cão de folhas,
árvores do escuro ladram,
eu corro pelas páginas no focinho do cão.
A garrafa. O gin gira
e fere-me lábios e aviva o vinho velho.
Velho vidro. Espalha o espelho (as palavras
no charco do álcool).
Nunca o coração bebe,
a árvore ondulante bebe,
o coração obscuro vive a violência
do meu ponto de vista,
mas habita-me
na confissão
se os cães da retórica velhos
correm contra a pele,
quando as lágrimas os soltam
e as páginas inesperadamente se derramam.
E o meu armário fala, fantasma arborescente.
Em vez de um lírio, as minhas fezes na boca,
a espuma da copa. Álcool.
É o mar.
Choro assombrado.


(poeta espinhense que hoje faz 64 anos)

quarta-feira, maio 16, 2012

Épura

Geometrias, imaginações destes caminhos
da minha terra!
Curvas de trilhas,
triângulos de asas,
bolas de cor...

Círculos de sombras agachadas entre as árvores,
cilindros de troncos embebidos na luz.

Geometrias, imaginações destes caminhos
da minha terra!

Melancolicamente, nesta alegria geométrica,
pingando bilhas polidas,
o leque das bananeiras abana o ar da manhã...


(poeta carioca nascido faz hoje 119 anos)

terça-feira, maio 15, 2012

Palavra

Uma palavra morre
Quando é dita -
Dir-se-ia -
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.


(poetisa estado-unidense falecida há 126 anos)

Tradução: Aíla de Oliveira Gomes

segunda-feira, maio 14, 2012

Léguas-quilo

Quantas léguas-quilo
De jornais devoro
Para emitir duas páginas
De um juízo correto?

Quantos meses meço silêncios
Até que ouvidos captem
A melodia ignota
Original
Inédita
De meu eco?

Quantos países perco
Nestes pavimentos
Que me cercam
E encerram?

De quanta criança me privo
Por seus amanhãs mais justos
Menos incertos?

Quanto chumbo de solidão carrego
Solidão que não peço?

Em que conclaves
Não me arrisco
Pensando haver caminhos
Mais retos?

A quanto exílio me vetam
Crendo-se o tirocínio certo?

Como montar meu filme de vida
Sem reprises de minha imaginação
Tridimensional espacial
Hodierna e pregressa?


Juju Campbell Penna

(poeta carioca)

domingo, maio 13, 2012

Melanie Thornton faria hoje 45 anos.
Faleceu aos 34 de acidente de aviação
As lavadeiras

As lavadeiras no tanque noturno
Não responderam ao canto da sibila. 

“Lavamos os mortos,
Lavamos o tabuleiro das idéias antigas
E os balaústres para repouso do mar...
Nele encontramos restos de galeras,
Quem nos desviará do nosso canto obscuro?
Nele descobrimos o augusto pudor do vento,
O balanço do corpo do pirata com argolas,
Nele promovemos a sede do povo
E excitamos a nossa própria sede...” 

As lavadeiras no tanque branco
Lavam o espectro da guerra.
Os braços das lavadeiras
No abismo noturno
Vão e vêm.


(poeta mineiro nascido faz hoje 111 anos)