Páginas

domingo, julho 20, 2008

Aprender a soltar Soltar os cachorros. Sobre aqueles que nos manipulam. Sobre aqueles que nos tratam como animais. Soltar os pássaros. Pela janela. Em nome do infinito. Tendo ao longe o horizonte. Tendo por perto a vontade de voar também. Soltar os cavalos. Pelo mundo afora. Pela vida afora. Com a alegria de correr. Com a esperança de chegar. Com a velocidade do amor. Sem medo de ir. Sem medo de voltar. Soltar as árvores. De suas sementes esmagadas. Acompanhar-lhes o crescimento. Colher seus frutos na hora exata. Aprofundar suas raízes. E que suas folhas sejam muitas. Que sua sombra seja imensa. Soltar os filhos. De meus medos infundados. Deixá-los ser o que hão de ser. Soltá-los sem abandoná-los. Soltá-los sem esquecê-los. Soltá-los de amarras imaginárias. Soltá-los para a vida. Preparados para viver a sua própria vida, não a minha, não a de ninguém. Soltar as palavras. Libertá-las da sintaxe enrolada. Soltar as palavras no texto. Soltar as palavras dos falsos pretextos. Soltar as palavras aqui e agora. Soltá-las com força. Soltá-las com raiva. Soltá-las em lirismo. Soltá-las em drama. Soltá-las do dicionário-presídio. Soltá-las da gramática-exílio. Soltar as idéias dia a dia. Soltá-las em ordem, em desordem. Soltá-las na conversa, à mesa, na fila do banco, no banco de praça, na pressa e na calma. Soltá-las, servi-las. Entregá-las aos outros. Trocá-las por outras. Acrescentá-las a muitas outras idéias. Idéias soltas nos prendem à tarefa que nos cabe cumprir. Soltar os braços. Para trabalhar. Para nadar. Para lutar. Para criar. Soltá-los hoje. Soltá-los amanhã. Soltá-los do corpo. Deixar que se estendam. Que envolvam o mundo. Que dêem mil voltas ao planeta. Que alcancem as estrelas. Que acolham o divino. Que abracem, abracem. Soltar a voz. Cantando. Gritando. Chorando. Ensinando. Avisando. Por tudo e por nada. Em guerra, em paz. Por um motivo justo ou porque tanto faz. Estando com outros. Falando sozinho. Soltar as velas. Na hora de partir. Na hora do mar. As ondas. Os peixes. A terra não vista. A vista perdida. Soltar as velas de novo. De novo soltá-las. As velhas velas de novo. Soltar-me a mim mesmo. Ainda é bem cedo. Soltar-me de mim. Do inquisidor que eu sou. Do sinhozinho que eu sou. Do ditador que eu sou. Soltar o leitor. Soltá-lo de mim. Que ele seja o autor de sua própria leitura. Aprender a soltar-se. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

3 comentários:

  1. Saber "soltar", deveras importante.
    Solto um beijo direitinho para ti :)

    ResponderEliminar
  2. Maravilha de movimento, este que criam as palavras, não é?
    Deixar fluir,
    e ir também, de abalada.
    ou ficar, também.
    quem sabe...
    pode ser que seja, já esta,
    a nossa estrada.

    Mas ir.
    Ir!
    (ainda que seja, é bem certo que o caminho só se faz caminhando!)

    ResponderEliminar