How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
Páginas
▼
segunda-feira, junho 11, 2007
Índios, afrodescendentes e missão da Igreja
Seguramente os bispos latino-americanos em Aparecida ao abordar o tema central da missão da Igreja devem se ter confrontado com a questão histórica ainda não resolvida acerca da forma como foram tratados os índios e os afrodescendentes. O cristianismo em geral se mostrou sempre sensível ao pobre, mas implacável e etnocêntrico face à alteridade cultural. O outro (o indígena e negro) foi considerado o inimigo, o pagão e o infiel. Contra ele se moveram "guerras justas" e se lhe leu o requerimiento (um documento em latim no qual se devera reconhecer o rei como soberano e o papa como representante de Deus) e caso não fosse aceite se legitimava o sometimento forçado.
Não devemos jamais esquecer que nossa sociedade está assentada sobre grande violência, sobre o colonialismo que invadiu nossas terras e obrigou a falar e a pensar nos moldes do outro, sobre o etnocídio indígena com sua quase exterminação, sobre o esclavagismo que reduziu milhões de pessoas a "peças", sobre a dependência atual dos centros metropolitanos que dificulta nosso caminho autônomo e até quer nos reduzir à prescindência. As desigualdades sociais, as hierarquias discriminatórias e a falta de sentido do bem comum se alimentam ainda hoje deste substrato cultural perverso.
Por isso com espanto ainda recentemente escutámos que a primeira evangelização não foi uma "imposição nem uma alienação" e que seria "um retrocesso e uma involução" querer resgatar as religiões dos ancestrais. Face a isso não podemos deixar de escutar a voz das vítimas que ecoam até aos dias de hoje, testemunhas do reverso da conquista, como aquela do profeta maia Chilam Balam de Chumayel :"Ai! Entristeçamo-nos porque chegaram…vieram fazer nossas flores murchar para que somente a sua flor vivesse…vieram castrar o sol". E sua lamúria continua:"Entre nós se introduziu a tristeza, se introduziu o cristianismo…Esse foi o princípio de nossa miséria, o princípio de nossa escravidão".
Segundo Oswald Splengler em A Decadência do Ocidente, a invasão ibérica significou o maior genocídio da história humana. A destruição foi da ordem de 90% da população. Dos 22 milhões de astecas em 1519 quando Hernán Cortés penetrou no México, só restou um milhão em 1600. E os sobreviventes, no dizer de Jon Sobrino, teólogo censurado recentemente pelo Vaticano, são povos crucificados que pendem da cruz; a missão da Igreja é baixá-los da cruz e fazê-los ressuscitar.
Mas a esperança dos indígenas não morreu. Em algumas comunidades andinas dos antigos incas, celebra-se, de tempos em tempos, um ritual de grande significação: amarra-se um condor, a águia dos Andes, no dorso de um touro bravio. Trava-se, diante da multidão, uma luta feroz e dramática, até que o condor com suas potentes bicadas extenua e derruba o touro. Este então é comido por todos. Trata-se de uma metáfora: o touro é o colonizar espanhol e o condor o inca do altiplano andino. Processa-se uma reversão simbólica: o vencedor de ontem é o vencido de hoje. O sonho de liberdade triunfa, pelo menos, simbolicamente.
A missão da Igreja é de justiça, não de caridade: reforçar o resgate das culturas antigas com sua alma que é a religião. E em seguida estabelecer um diálogo no qual ambos se complementam, se purificam e se evangelizam mutuamente.
Leonardo Boff
Publicado no site do autor em 25/05/2007 e aqui afixado com sua autorização.
Sem comentários:
Enviar um comentário