Mãe!
Vem ouvir a
minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Traze tinta
encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de
sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a
tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não
fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou
viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando
voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou
aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado.
Tu a coseres
e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão
parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as
tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser
qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa.
Eu também
quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a
tua mão pela minha cabeça!
Quando
passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
(Almada
Negreiros faleceu faz hoje 46 anos)
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