Véu de
pirilampo
E eu
coloquei meus óculos escuros
contra a
mediocridade dos neons
contra a
agressão das almas monstruosas
e a
crueldade oculta nas manhãs
- na
penumbra amnésica anteparo
o cotidiano
fogo dos dragões.
E eu ajustei
meus óculos escuros
mas vi gente
comendo carne humana
crianças
assaltando à mão armada
cheirando
cola ou sendo trucidadas
enquanto os
vaidosos declamavam
a sua dor
tão dicionarizada.
E eu saio à
rua de óculos escuros
porque me
cega a cena da injustiça
porque a lei
só legítima a força
descobriu a
platéia o fundo falso
do palco
onde encerrou-se o último ato
e se
esqueceram de fechar o pano.
E eu uso
sempre os óculos escuros
porque o
mundo é uma faca nas pupilas
trapézio
inteiro de arame farpado
sobre a rede
de areia movediça
a pele
triturada e sem aplausos
prossigo
encantadora de serpentes
E eu saio à
noite de óculos escuros
porque meu
corpo acende nessa hora
meus óculos
são véu de pirilampo
me
resguardam de dentro para fora
escondem o
meu sol subcutâneo
- são a nave
em que chego até os homens.
(escritora
carioca que hoje faz 66 anos)
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