Canção de
Ndon Kishote
Fruste
silhueta
gáudio da
canalha
provocando o
riso, o choro e a troça
o soldado
veterano trazido pela guerra
é fardo de
palha
que a brisa
desconjunta
regressando
a casa no fundo da carroça.
velho
monumento que nada mais encerra,
como aquela
puta que já não presta,
que foi
marabunta,
que foi
cagalhoça.
fruste
silhueta
gáudio da
canalha.
o que te
resta ainda
da tua
gesta?
memória
d'arquivo
que nem
sequer comporta
o eco
evasivo que sonoriza a glória!
silêncio na
memória.
silêncio
imperativo.
mito que se
conta em língua morta,
feito que
desfeito perde a história.
memória duma
insólita fescura
nos nossos
afagos e carícias
que
ondularam a superfície dos lagos
e agitaram
as folhas das welwitchias.
memória
d'aventura que desperta
abrindo a
porta dos sonhos fugazes,
nas vozes
agudas,
nas palavras
estranhas
nos gestos
largos e sagazes
retumbando
na crista das montanhas
avante!
avante! que a vitória é certa!
que davam
coragem aos nossos rapazes
atrapalhando
os budas!...
mas deixando
sempre a porta aberta...
memória duma
fruste silhueta
a cavalo
numa nuvem temporária
à procura da
meta
pelo tempo
fora, pela extensa área
do sonho
rubro da nossa vida,
claudicando
no campo de batalha
na sua
montada feita de esperança,
um poema na
boca, na mão a longa lança,
e em toda
ela um suspiro de ternura.
não é o
cavaleiro da triste figura
duma velha
história, que não tem saída,
a fruste
silhueta, gáudio da canalha,
é o herdeiro
duma sagrada-esperança
noutra
aventura
mal
digerida...
(escritor
angolano, falecido faz hoje 10 anos)
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