A Esposa
Às vezes,
nessas noites frias e enevoadas
Onde o
silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos
Essa
estranha visão de mulher calma
Surgindo do
vazio dos meus olhos parados
Vem espiar
minha imobilidade.
E ela fica
horas longas, horas silenciosas
Somente
movendo os olhos serenos no meu rosto
Atenta, à
espera do sono que virá e me levará com ele.
Nada diz,
nada pensa, apenas olha - e o seu olhar é como a luz
De uma
estrela velada pela bruma.
Nada diz.
Olha apenas as minhas pálpebras que descem
Mas que não
vencem o olhar perdido longe.
Nada pensa.
Virá e
agasalhará minhas mãos frias
Se sentir
frias suas mãos.
Quando a
porta ranger e a cabecinha de criança
Aparecer
curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo
Ela apontará
para mim pondo o dedo nos lábios
Sorrindo de
um sorriso misterioso
E se irá num
passo leve
Após o beijo
leve e roçagante...
Eu só verei
a porta que se vai fechando brandamente...
Ela terá
ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei.
(Vinicius de
Moraes nasceu faz hoje 101 anos)
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