Tédio
Tenho as
recordações d'um velho milenário!
Um grande
contador, um prodigioso armário,
Cheiinho, a
abarrotar, de cartas memoriais,
Bilhetinhos
de amor, recibos, madrigais,
Mais
segredos não tem do que eu na mente abrigo.
Meu cérebro
faz lembrar descomunal jazigo;
Nem a vala
comum encerra tanto morto!
- Eu sou um
cemitério estranho, sem conforto,
Onde vermes
aos mil - remorsos doloridos,
Atacam de
pref'rência os meus mortos queridos.
Eu sou um
toucador, com rosas desbotadas,
Onde jazem
no chão as modas desprezadas,
E onde, sós,
tristemente, os quadros de Boucher
Fruem o doce
olor d'um frasco de Gellé.
Nada pode
igualar os dias tormentosos
Em que, sob
a pressão de invernos rigorosos,
O Tédio,
fruto inf'liz da incuriosidade,
Alcança as
proporções da Imortalidade.
- Desde
hoje, não és mais, ó matéria vivente,
Do que
granito envolto em terror inconsciente.
A emergir
d'um Saara movediço, brumoso!
Velha
esfinge que dorme um sono misterioso,
Esquecida,
ignorada, e cuja face fria
Só brilha
quando o Sol dá a boa-noite ao dia!
(Charles
Baudelaire faleceu a 31 de Agosto de 1867)
De como a Poesia pode mostrar-nos o que é o tédio.
ResponderEliminarAbraço